O olhar atento da designer Fernanda Martins a fez descobrir mais uma riqueza cultural de nosso estado. Em meio aos barcos que trafegam em nossos rios, há uma identificação particular que revela por trás de cada letra pintada, um artista que conserva uma tradição típica de nossa região.
“Quando cheguei a Belém observei que os cascos dos barcos tinham uma maneira peculiar na forma de registrar o nome, uma tipografia diferente, em geral com três cores, uma sombra, e eram dividas ao meio. Isso me chamou muito a atenção e passei a fotografar todos os barcos que via”, relembra.
A pesquisadora descobriu que os “abridores de letras”, nome utilizado pelos próprios ribeirinhos para designar quem tem a habilidade de pintar o nome dos barcos, estavam ao longo do rio perpetuando uma manifestação que relembra a tipografia do final do século 19, e isso virou objeto de sua pesquisa.
“Percebi que as fontes tinham uma linha de identidade, um universo comum a todos os barcos que navegam na Bacia Amazônica, mas que até então parecia invisível à sociedade e à academia”, disse Fernanda, que tornou o assunto objeto de sua monografia para a especialização no Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará, defendida em 2008.
No Pará, Fernanda pesquisou nas cidades de Belém, nos distritos de Cotijuba e Mosqueiro, além de Curuçá e Abaetetuba, Santarém e Monte Alegre. Em Belém, registrou os barcos no Ver-o-Peso, Porto do Sal e Porto da Palha. No Estado do Amazonas, foram registrados vários barcos em Manaus, no porto flutuante em frente ao Mercado Municipal. No Amapá foram feitas pesquisas nas cidades de Macapá e Santana.
Agora, o projeto “Letras que Flutuam” ganhou incentivo do Ministério da Cultura, através do Programa Amazônia Cultural, e Fernanda pode ampliar a pesquisa. O trabalho está na fase de coleta de registros fotográficos e visuais para identificar esses pintores. “Pude perceber que essas letras se repetem em Manaus, Santarém, Marajó e no Amapá, sinal de que realmente são parte de uma personalidade própria destes artistas”, acredita.
EXPOSIÇÃO
Na semana que começa, os pesquisadores da equipe de Fernanda partem rumo a Barcarena, Abaetetuba e Igarapé-Miri, e posteriormente retornam a Belém, para identificar os “abridores”. “Queremos conhecer esses mestres e entender melhor este fenômeno. Será que este estilo vem de alguém? Ele está sendo repassado adiante?”, questiona a designer.
Até aqui, Fernanda pode perceber que os tipos de letras são repassados informalmente para garotos que têm habilidade com desenho e frequentam o trapiche, observando os mestres. Ao identificar os mestres, a ideia do projeto “Letras que Flutuam” é convidá-los a realizar oficinas para difundir esse conhecimento, e também dar a ele outra configuração. “O nosso desafio, além de dar visibilidade a esta arte, é garantir que ela possa se transformar sem se perder, possa ser aplicada em outros fins quando for repassada as novas gerações, e possa ser usada para gerar renda, com a produção de camisetas, cartazes ou, quem sabe, se integrar à tecnologia”, anseia Fernanda.
Outro resultado importante será a realização de exposições na capital e no interior para apresentar os dados coletados. “Em vez de perdermos esse conhecimento tão rico, queremos que ele seja valorizado. Para isso, ele pode se de adaptar ao mundo moderno”, acredita a pesquisadora.
A exposição está prevista para acontecer entre setembro e outubro deste ano. “O Brasil precisa conhecer o Brasil. Isso tudo é repertório para os designers conhecerem ainda mais os ricos aspectos culturais que temos”, finaliza Fernanda.
(Diário do Pará)
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