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Uma Enchente Amazônica, Uma Explosão Atlântica

Uma pequena sala de espera me separa do camarim dela. Começo a espiar de leve de vez em quando, enquanto a porta se entreabre. Muitos anos de natação me ajudaram a conter a respiração nessa hora. Ela está lá, me certifiquei. E não foi pela artista e perfo

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Uma pequena sala de espera me separa do camarim dela. Começo a espiar de leve de vez em quando, enquanto a porta se entreabre. Muitos anos de natação me ajudaram a conter a respiração nessa hora. Ela está lá, me certifiquei. E não foi pela artista e performer sérvia Marina Abramovic e sua emblemática obra “A artista está presente” que eu fui. Era pela dona dos raios: Maria Bethânia. Sim, a artista está presente. E eu, senhores, estava lá.

O dia era 13 de fevereiro de 1965, Maria Bethânia sobe ao palco do Teatro de Arena pela primeira vez. Havia sido convidada para substituir Nara Leão no espetáculo “Opinião”, para interpretar o baião “Carcará”. O show era formado, ainda, por Zé Keti e João do Vale.

A história da ida da menina de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, para o Rio de Janeiro foi contada, dessa maneira, por Dona Canô em uma entrevista para a Renata Leão da Revista TPM:

“Aquela menina, a Nara Leão, adoeceu da garganta e alguém perguntou quem ela queria para substituí-la. Ela mandou buscar Bethânia na Bahia. Depois de um tempo, nós fomos assistir ao espetáculo “Opinião”. Foi a primeira vez que saímos da Bahia e viajamos de ônibus. O show foi aquela coisa de loucura. Quando ela entrou no palco, o público se pôs a gritar – é assim até hoje”.

São Paulo, 21 de março de 2015, ao segundo sinal, a sirene anuncia: tomem seus lugares, o espetáculo vai começar. E o público se pôs a gritar.

Sim, é verdade, confesso, talvez eu esteja escrevendo feito fã, talvez eu não consiga escrever esse texto movido a crítica e exatidão, mas como manter a razão quando Maria Bethânia entra no palco para comemorar seus 50 anos de carreira e nos toma de silêncio e gritos e silêncio e mais gritos?! O show intitulado “Abraçar e Agradecer” é, sem dúvida, um dos mais completos da carreira da artista.

A produção de Ana Basbaum, a cenografia de Bia Lessa (que também assina a direção do show) é um encanto à parte, rosas, bordados da família Dumont e água, muita água projetada em LEDs debaixo dos pés (sempre descalços) da cantora; o figurino de Gilda Midani e a produção musical de Guto Graça Melo enchem os olhos e ouvidos da plateia.

Sem falar de uma das marcas fortes e sempre presente desde o início da carreira de Maria Bethânia: a leitura de textos... Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Waly Salomão, Carmem L. Oliveira e da própria Bethânia: “Agradecer a tudo que canta livre no ar, dentro do mato, sobre o mar”.

O show é dividido em dois atos. Saudades das cantoras que levam a sério o teatro, e como não lembrar de João Guimarães Rosa, dos diálogos entre Riobaldo e Diadorim; de Mário de Andrade tomando banho na praia do Chapéu Virado ou de Aruanda, onde “o lírio é mais lírio e as estrelas brilham com maior intensidade, porque tomam parte direta na construção de toda a paisagem”, como bem nos ensinou a escritora Eneida de Moraes? Essa paisagem, quase toda brasiliana, construída por Bethânia, aparece durante o show e nos toma nos braços e, entre uma canção sertaneja e outra, entre uma moda de viola e outra, entre a vontade de ouvir Rolando Boldrin, Dominguinhos e Nando Cordel e outra, nos confirma que a festa de 50 anos era na Aldeia Tupinambá, como diz a bela composição “Povos do Brasil” de Leandro Fregonesi. E eu, como boa brasileira da Amazônia que sou, me senti em casa.

Por volta de meia-noite e trinta, me dirijo para a tal sala de espera que, na verdade, definimos como sala do tempo suspenso, eu e a artista visual Keyla Sobral, companheira de aventuras, que convidei para mais este safári. “Acho que ela é onça”, confessei a ela, “meio iauaretê sabe? Traz na própria pele as suas pegadas.”

E seguimos até o camarim. Sim! A artista estava presente. Sentada numa cadeira branca, muitos buquês de flores ao redor, uma imagem de Santo Antônio, uma foto de Mãe Menininha do Gantois, foi o máximo que consegui perceber, estiquei as mãos e entreguei um presente:

“Vamos ver o que temos aqui? Minha onça! E até alguns poemas!” Depois disso, um breve sorriso, dois beijinhos no rosto e o desejo de felicidades a Belém.

Quanto tempo estive lá? Não lembro ao certo, só sei que naquela mesma noite a lua convidava os surfistas a encararem a pororoca, uma enchente amazônica, uma explosão atlântica... Surfamos então com Bethânia?

Maria Bethânia será a grande homenageada do Prêmio da Música Brasileira, em junho, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Além disso, lançará o DVD do show “Abraçar e Agradecer” e, paralelamente às apresentações, retomou o projeto “Bethânia e as palavras”, e ainda participou do belíssimo documentário “(O vento lá fora)”, dirigido por Márcio Debelian, no qual um retrato do poeta Fernando Pessoa é apresentado a partir de leitura de poemas realizada pela professora e imortal da Academia Brasileira de Letras, Cleonice Berardinelli, e por Bethânia, claro.

É, senhores, eu disse: “Isso é onça, isso é onça”. Avante, Bethânia. Cante.

(Diário do Pará)

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