Foram dez anos ao longo de três mandatos presidenciais, R$ 149,3 milhões investidos e a promessa de que prédios, praças e outros equipamentos de valor histórico no Brasil seriam preservados. Lançado em 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, e encerrado em outubro de 2010, no fim da segunda gestão de Lula, o Programa Monumenta foi elaborado como o maior projeto já criado no país para a recuperação de patrimônio histórico. O resultado, porém, envolveu obras superfaturadas, estruturas danificadas e até intervenções que sequer haviam começado antes do término oficial do projeto.
A avaliação sobre o Monumenta consta de um relatório feito pela Controladoria Geral da União (CGU) ao longo de três anos e que ficou pronto apenas agora. O órgão do próprio governo federal fiscalizou 42 das 346 obras previstas pelo programa, escolhendo projetos cujos orçamentos somaram R$ 53,4 milhões - ou seja, 35,8% dos recursos totais.
Segundo o relatório, 23,7% dos equipamentos não se encontravam plenamente preservados ao fim da vigência do Monumenta, em 2010. Entre esses, a Capela Nossa Senhora das Dores, em Ouro Preto (MG); o Museu do Mar, em São Francisco do Sul (SC); e o Mercado de Carne Francisco Bolonha, em Belém. A Controladoria também encontrou sinais de superfaturamento em 13,2% dos casos. Em Olinda, a obra da Igreja do Carmo foi realizada pelas construtoras Delta e JME ao custo de R$ 615,5 mil.
Na planilha orçamentária, contudo, havia itens com preços até 825% maiores do que o orçado. De acordo com a CGU, a restauração de 35m2 de esquadrias de ferro foi feita por R$ 2.294, enquanto que o mesmo serviço, na época, custaria em média R$ 248.
Houve também situações em que as obras não haviam sido concluídas no prazo de outubro de 2010. De todos os 346 investimentos do Monumenta, 37,5% não ficaram prontos no prazo, sendo que 18,6% nem ao menos haviam sido iniciados.
MinC diz que obras foram feitas a contento
O Ministério da Cultura (MinC), por sua vez, rebate a CGU. Em respostas enviadas por e-mail, a pasta garante que “todos os projetos foram executados a contento” e que “os problemas observados referem-se a uma amostragem reduzida”. O MinC lembra, ainda, que a execução do programa era compartilhada entre governos estaduais, universidades federais, municípios e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), este último um órgão do MinC. Mas, como consta no documento da Controladoria, era o Iphan que cuidava das vistorias e emitia os relatórios de avaliação de cada obra.
“No entendimento do Iphan, os problemas apontados não comprometeram a lisura das contratações efetuadas pelos convenentes, o alcance dos objetivos propostos, tampouco, causaram prejuízos ao erário”, diz o MinC, em nota.
Mas nem todos do Iphan concordam com a avaliação do ministério. Informado do relatório, o presidente da Associação Profissional dos Trabalhadores do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural Nacional (Asphan), Leonardo Barreto, diz que faltou aos idealizadores do programa conhecimento prático sobre as peculiaridades do patrimônio cultural. “A concepção básica do Monumenta consistia na contratação de empresas e especialistas para desenvolverem projetos de intervenção arquitetônica, envolvendo as prefeituras municipais nesse processo. Só que, durante os anos 1990, com investimentos insignificantes realizados na preservação do patrimônio edificado, poucas empresas sobreviveram a esse período, bem como o número de profissionais especialistas era também reduzido. Assim de início, os projetos contratados pelo Monumenta e apresentados ao órgão fiscalizador, no caso o Iphan, eram de baixíssima qualidade, sendo, portanto, recusados sistematicamente, o que gerou a acusação infundada de boicote da instituição ao programa”, diz.
Barreto cita também a evasão de servidores do Iphan como uma barreira para a boa fiscalização das obras do Monumenta. “Com salários significativamente maiores oferecidos no Monumenta, houve a cooptação de servidores do Iphan para que se transferissem para o programa. A autarquia se viu repentinamente privada de parcela de seus servidores, no geral os mais experientes, o que aumentou o tempo de resposta na aprovação dos projetos propostos. Evidentemente, projetos mal-elaborados tiveram como resultado atrasos na execução das obras. Esse ciclo vicioso teve um incremento ao longo dos anos 2000, com a aposentadoria de boa parte do quadro técnico do Iphan, sem a adequada reposição de servidores, pela quase total ausência de concursos”, diz o presidente da Asphan.
(Agência O Globo)
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