Ser drag queen é uma posição política: para além da arte performática, da teatralidade e do exótico das roupas e da maquiagem, há um sentido também de conquista de espaços e direitos para quem costuma se travestir. É em busca dessa orientação que a jornalista Monique Malcher ministra até o dia 31 deste mês, no Sesc Boulevard, em Belém, o curso “Mulher Pode Ser Drag? Empoderamento Feminino e Desconstrução de Gêneros pela Arte Drag”, voltado somente para mulheres. O interesse pelo assunto foi tanto que as vagas se esgotaram antes mesmo do curso começar.
De acordo com Monique, que também é drag e dá vida à Cílios de Nazaré em diversos eventos na capital paraense, o momento é para discussões conceituais e sobre a realidade da dicotomia feminino x masculino, orientação sexual, movimento feminista e militância política. Ela explica que o objetivo é suscitar melhor entendimento sobre a posição social de quem gosta de se travestir, dado os inúmeros casos de violência contra travestis e pessoas LGBTs. Além disso, o curso tem ainda uma parte prática, com aulas de maquiagem, dublagem e figurino para a construção da própria drag.
Confira entrevista com a jornalista, na qual ela explica seu percurso na arte drag e sobre a própria Cílios de Nazaré:
Como surgiu o teu interesse pelas drag queens?
Costumava por diversão discotecar em algumas festas de amigos. Sempre fui um ser meio da noite e uma vez os amigos que produzem o projeto “Noite Suja” me convidaram para tocar. Quando cheguei à festa entendi que era um evento para reunir performers, drag queens e drag kings. Eles estavam fazendo algo que eu nunca tinha visto antes, a figura da drag era muito distante para mim. Então fiquei olhando as drags naquela noite e pensei “nossa preciso fazer isso”, mesmo sem compreender muito bem o que era. Eles fizeram uma outra edição depois disso. Como eu estava pesquisando sobre entidades, santos e afins, resolvi compor algo para homenagear os seres e entidades da água, com uma montação que me deixou completamente azul e ornada de flores, com um vestido de plástico. Eu não sabia costurar, então tive que começar a aprender isso (ainda estou nesse aprendizado), mas consegui, costurei o vestido de plástico e fui.
Como foi ou está sendo o processo de criação da Cílios de Nazaré?
A Cílios foi nascendo aos poucos, durantes as experimentações, e ainda estou nesse processo. Ela surgiu principalmente porque eu queria ir além dos gêneros e falar sobre entidades, forças divinas. E também porque eu sou filha da noite, da “Noite Suja”, das “Filhas da Chiquita”, de Babeth Taylor (famosa drag ícone dos anos 1990 em Belém), de Eloi Iglesias. E minha sexualidade é fluida. Então a Cílios veio para questionar essa relação entre sagrado e profano, que fica mais forte em período de Círio. Meus amigos até brincam com o fato de, nas apresentações, eu jogar os cílios pra plateia e a galera grita por isso. Dizem “olha Cílios, isso é tipo o momento de corte da corda, né?”.
Isso também foi o início do teu interesse por feminismo? E como tu alias isso a esta performance?
Não, meu interesse e militância veio muito antes da arte drag. O que aconteceu é que percebi que, como eu era mulher, meus enfrentamentos como drag também tinham diferenças e recortes. E comecei a me perguntar o que eu poderia levar do feminismo para o meio drag queen. Descobri que posso fazer isso sem salto, porque minha vida toda fui pressionada a usar esse troço, e eu não suporto, sabe? Então a Cílios de Nazaré não usa, ela quer se sentir confortável. Também me sinto transitando além de feminino e masculino, minha drag conversa com a entidade, com o sagrado, sem binarismos. Recentemente criei uma performance chamada “Praça de Amamentação”, onde performo “Vaca Profana”, de Caetano Veloso, na voz de Gal Costa, para criticar o ataque em relação para mães que amamentam em público.
Na oficina, o que priorizas ou abordas sobre o assunto?
Durante a oficina faço uma viagem com as alunas por momentos importantes da história da arte drag e mostro como as mulheres já fazem drag há muito tempo e não percebem. Mostro as drags brasileiras mulheres, porque hoje o Brasil já tem uma rede muito grande de meninas fazendo drag. Aqui em Belém que eu saiba tem eu e Luna Skyy, fora temos Palloma Maremoto, La Bella Pierre e outras maravilhosas. As alunas também vão ter contato com maquiagem, aulas de dublagem, vão poder construir um início de sua drag. O curso terá também a participação de várias drags tanto da House of Soledade, que pertenço, como de outras “houses”. O que não falta é lugar pra elas experimentarem, como as festas “Noite Suja”, “Viada Cultural”, “Pyrygotyk”...
Alguns homens também querem participar, mas esta edição é só para mulheres. Por quê? O que isso representa?
Sim, muitos homens querem, mas eles não conseguem compreender que é urgente equipararmos os espaços, que as mulheres ainda não estão fazendo drag porque têm medo, acham que não podem. O homem sempre tem espaço garantido em tudo na sociedade e para nós isso é muito mais difícil. Em drag costumo ouvir perguntas como “mana, tu és trans, és homem?”, isso porque há a desconfiança que eu seja mulher, perguntas essas que não são feitas para um homem em drag. Enfrentamento é a palavra. Claro que vou dar curso para homens também, mas as minas primeiro.
(Dominik Giusti/Diário do Pará)
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar