Após a notícia do cancelamento do desfile de carnaval anunciada pela prefeitura de Belém, boa parte das agremiações passou o dia de ontem guardando materiais e reunindo-se para decidir o que fazer durante o período da folia. Na sede da Deixa Falar, no bairro da Cidade Velha, o presidente Esmael Tavares acompanhava a sua equipe na feitura de grandes caixotes de papelão para armazenar roupas, chapéus e outros adereços já confeccionados. As dívidas chegam a R$ 40 mil e sem a subvenção do poder municipal, ficará difícil quitá-las. Ele chegou até mesmo a pagar R$ 15 mil de aluguel do barracão, mas por sorte a transferência não foi realizada e a quantia voltou para a sua conta.

Apaixonado pelo carnaval, Esmael é quem mantém a escola, ao lado da esposa, economizando mensalmente um valor de sua aposentadoria para custear a mão de obra e os materiais. O cancelamento do desfile representou uma grande surpresa. “Não acreditava que ia chegar a esse ponto, que o prefeito ia tomar essa atitude. Estamos desde novembro trabalhando, botando a bateria para ensaiar, com seis alas e 480 fantasias prontas. Ainda me segurei com toda essa indecisão, senão o prejuízo seria maior”, comentou. O material será guardado, mas não se sabe se até 2018 estará tudo em condições para uso, por conta da umidade e do calor da cidade.

Esmael Tavares cogita levar o desfile para o Portal da Amazônia ou fazer os arrastões pelas ruas do bairro. O representante da Deixa Falar criticou a postura do presidente da liga das escolas de samba, Fabrício Gama, e o acusou de não ter feito nada para convencer o prefeito da realização do carnaval, colocando panos quentes na situação, alegando crise econômica. “Ele tem um forte relacionamento com a prefeitura, a gente sabe. Poderia ter feito algo, mas a gente não pode nem falar. Ele vai ficar até ter as próximas eleições. Vamos esperar. Decidimos que a partir de março vamos começar a pensar o carnaval do ano que vem, espero que seja cumprido”, comentou.

O presidente do Rancho, Fernando Gomes, também não ficou satisfeito com a postura do representante das agremiações da capital paraense e acredita que seus esforços poderiam render uma melhor situação para as escolas. “É uma situação antagônica. Na mesma medida ele representa a liga e fica ao lado da prefeitura. É como ser advogado do réu e da vítima ao mesmo tempo. Não tem sentido ele estar na presidência, não tem cabimento. Sendo aliado, vai negociar com esse próprio governo. E o que esperamos de um presidente da liga é um empenho maior, que defenda que o carnaval não pode ser cancelado, tente negociar e fazer de alguma forma”, lamentou Fernando.

Na quadra do Rancho, sobrou tristeza (Foto: Mauro Ângelo)

Uma festa à míngua

De acordo com o presidente do Rancho, durante a reunião da última quarta-feira, 11, o prefeito Zenaldo Coutinho iniciou o encontro indo direto ao assunto e anunciando o cancelamento do desfile, o que deixou a todos estarrecidos. “A nossa expectativa era de que não dava para ser a mesma subvenção (de 2016), entendemos que o país está em crise, temos acompanhado, mas pensávamos em fazer com orçamento reduzido, cortar custos, mexer no regulamento, por exemplo, que prevê três carros, poderíamos diminuir para dois, para que fosse possível adequar e fazer a brincadeira”, disse.

No Guamá, a comunidade da Bole Bole foi chamada para a sede na noite de ontem para que se falasse sobre o assunto. Herivelto Martins, o Vetinho, um dos fundadores da escola e autor do samba-enredo que seria apresentado este ano, ficou atônito. “Ainda nem sei ao certo o que dizer. Mas o carnaval vem há muito tempo assim, a gente sempre acaba todo endividado. E como somos uma escola que não tem dinheiro, fomos cautelosos. Ano passado teve eleição, e esse ano não teve dinheiro. Fica uma tristeza porque a gente passa o ano todo se preparando para isso”, disse.

A Lei do Orçamento Anual (LOA) 2017, aprovada pela Câmara Municipal de Belém, prevê R$ 1 milhão para o carnaval, mas durante a reunião com os presidentes, foi anunciado que apenas o valor de R$ 500 mil está garantido. A vereadora Marinor Brito chegou a fazer várias emendas para prever recursos para as escolas de samba, mas não foram aprovadas pela base aliada do prefeito.

“Estou compartilhando da revolta do povo do carnaval, que é parte da cultura do nosso povo e que tem requerido, ao longo dos anos, para manter a tradição, a subvenção. O orçamento oficial deste ano é exatamente o mesmo do ano passado, destinar R$ 1 milhão, e eu ainda tentei acrescentar o valor de R$ 30 mil através de emendas, mas infelizmente a prefeitura se antecipou dando parecer contrário, pela Secretaria de Planejamento, e a bancada do governo barrou”, comentou a vereadora.

“Tenho certeza que a sociedade está satisfeita”

O presidente da Liga das Escolas de Samba do Grupo Especial, Fabrício Gama, negou que tenha se omitido no processo de negociações para a realização do carnaval, mas diz entender que não poderia ignorar a justificativa da crise econômica, e que divide a culpa pela situação, junto com o Executivo Municipal. “A parcela de culpa também é da liga, porque não nos preparamos para o carnaval”, diz. “Será que a gente não está partícipe nesse processo? Acho que temos que recuar cinco passos para dar 20 para frente”, completa.

Para Fabrício, os presidentes de escolas que o criticaram estão criticando a si mesmos. “Não tomo decisão sozinho. Eu faço parte de um conselho, represento um grupo. E tenho certeza que a sociedade está muito satisfeita com a nossa decisão”, rebate o presidente da liga.

No meio da decisão que acabou este ano com um dos momentos mais expressivos da cultura popular em Belém, Fabrício Gama ainda consegue ver boas novas. “Criamos uma comissão para trabalhar o carnaval, coisa que nunca aconteceu. E o melhor, o próprio prefeito será o presidente! Isso mostrou que o carnaval tem maturidade. Agora é verdade que o carnaval tem que buscar novos espaços, chamar iniciativa privada. Sempre fui a favor disso.”

(Dominik Giusti/Diário do Pará)

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