Após 10 dias na vila de Fortalezinha, localizada na Ilha de Maiandeua (ou Algodoal), município de Maracanã, no nordeste do Pará, os atores Cleber Cajun e Luiz Girard imergiram em um universo de causos típicos de comunidades do interior, cheios de mistérios e entrelaçamentos entre a ficção e o real, ainda vivos no imaginário popular. Desses registros da cultura oral, surgiu o espetáculo cênico e performático “Assombrações”, que será apresentado hoje, às 20h, na Casa das Artes, em Belém. Além dos atores, a peça terá a participação de Maria Flor, atriz de apenas oito anos que mora no vilarejo e é protagonista da obra. A entrada é gratuita.

A peça, por ter origem no teatro de sombras, é justamente uma brincadeira com essas sombras, que convidam o espectador a pensar sobre o movimento dos corpos e da luz. “ Vamos projetar sombras nossas, do nosso corpo e queremos projetar as sombras do próprio espectador, que verá no teatro a sua sombra projetada nas paredes”, adianta Luiz Girard.

Como a peça foi desenvolvida em um ambiente bem diferente de um teatro, ao ar livre, dentro de um parque ambiental, a ideia dos autores agora é usar elementos de cenografia e de iluminação que possam remeter à praia e ao cotidiano ribeirinho da Região do Salgado.

“Esse foi o nosso grande desafio, conseguir transpor a mágica do teatro realizado lá, em um ambiente in natura, onde fizemos as fotografias e ensaios, para um espaço fechado. Isso para nós também será uma revelação. Queremos transpor aquela ambientação que vimos em Fortalezinha para a Casa das Artes, sem pensar em ser fiel, o que é impossível, mas trazendo elementos e signos daquele lugar, como um trapiche, as redes de pescadores, uma casa de palha. E quando não conseguimos fazer isso com cenário físico, buscamos na luz outros elementos”, explica Luiz Girard.

O roteiro da peça tem um texto que será encenado pelos atores, e linhas gerais e como Maria Flor deverá atuar, interpretando ela mesma. A peça terá os atores como seus irmãos, Gustavo e Samuel. Luiz conta que eles não quiseram fazer um texto para que Maria Flor decorasse, a fim de tornar a peça um tanto verídica, com toques de improviso. “Eu e Cleber atuamos a partir deste texto e a estimulamos a contracenar conosco. Existe uma linha de raciocínio e de fala para ela, mas o que ela vai dizer é livre. Achamos que quanto menos ela decorasse, mais natural seria a atuação dela. É uma espécie de interação em que ela reage às nossas palavras. Ela é falante e esperta e faz isso de forma espontânea. Era isso que a gente queria”, comenta o ator.

INTERAÇÃO

O projeto, contemplado pelo Prêmio de Produção e Difusão Artística da Fundação Cultural do Pará – Seiva 2017, foi pensado a partir de uma experiência prévia de Cajun na ilha, onde conheceu melhor os moradores e a própria Maria Flor “Ela é esperta e vivaz e nos dizia que tínhamos entrado em um sonho dela, que é de ser atriz. Ela assiste à televisão e fica encantada. Ficamos surpresos e na hora dos ensaios ela se porta como uma atriz mesmo”, comenta Luiz Girard.

Os atores escolheram o último feriado de Finados para fazer oficinas e realizar os ensaios em Fortalezinha, o que os deixou ainda mais próximos dos hábitos dos moradores. A equipe do projeto participou da tradicional “Festa dos Mortos”, que celebra a memória dos que já se foram, parentes e amigos queridos, e as crianças também receberam aulas de arte no Espaço Tio Milico, destinado às ações culturais na localidade. Eles também realizaram apresentações prévias pela ilha, no espaço Paraíso dos Coqueiros, e mais duas na residência onde estavam hospedados e onde fizeram a pesquisa cênica experimental.

“Foi um processo todo colaborativo, já tínhamos mais ou menos um roteiro rabiscado e acabamos consolidando a partir do cotidiano do lugar. A luz é toda alternativa, vamos manipulando em cena, não é aquela tradicional do teatro. Pegamos alguns galões e garrafas, tipo dessas que são utilizadas em vendas de açaí, e que foram feitas como extensões para que possamos nos locomover no espaço. Percebi que dava para usar a luz do lugar, esses improvisos, e como é um teatro que é também uma performance, achamos coerente essa opção de luz”, explica o Girard.

(Dominik Giusti/Diário do Pará)

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