Dias após retornar da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, no Reino Unido, a líder indígena Alessandra Munduruku teve novamente a casa invadida em Santarém (PA) na madrugada deste sábado (13).
Em 2019, um grupo de deputados alemães chegou a cobrar o governo Bolsonaro para que a líder recebesse proteção das autoridades de segurança após ela receber ameaças de morte e ter sua residência invadida em uma primeira ocasião.
Alessandra e a família não estavam no local no momento da nova invasão. Os criminosos roubaram documentos, cartões de memória das câmeras de segurança e R$ 4 mil que ajudariam a custear uma assembleia do povo munduruku marcada para dezembro.
Segundo a advogada que acompanha Alessandra, Luisa Câmara Rocha, um boletim de ocorrência foi registrado junto à Polícia Federal.
Uma perícia foi feita a pedido da delegada de plantão. A decisão sobre a instauração de um inquérito ficará a cargo do delegado titular.
Alessandra havia deixado a sua residência por se sentir insegura. Na véspera do crime, supostos funcionários da companhia de energia local estiveram na casa dela alegando que precisavam interromper o fornecimento de eletricidade.
Desconfiada, ela tentou confirmar a informação com a companhia, que disse não ter funcionários em campo na região naquele momento. Por esse motivo, a líder deixou sua casa e procurou abrigo junto a amigos.
"Esta invasão, como a anterior, acontece depois de um processo do qual ela participa que tem uma grande repercussão por causa das denúncias que ela faz sobre o que acontece no território indígena", afirma a advogada Rocha.
Em novembro de 2019, invasores já haviam arrombado a casa de Alessandra. Na ocasião, eles e levaram computador, pen drives, celular, cartões de memória e relatórios de atividades e pesquisas do povo munduruku.
Na semana anterior , ela havia estado em Brasília, acompanhada de outros caciques, para denunciar o aumento das invasões de madeireiros e garimpeiros nas terras indígenas, que ainda aguardam demarcação.
Durante a COP26, Alessandra denunciou mais uma vez os mesmos problemas à comunidade internacional. Ele ainda criticou o governo estadual do Pará que, em outubro, criou uma lei que instituiu o Dia do Garimpeiro.
"Pra nós fica clara a tentativa de intimidação pela atividade política dela. Na casa havia outros objetos de valor que poderiam ter sido roubados, e nada foi levado. Levaram documentos com nomes de pessoas, organizações, endereços e os cartões de memória, o que dificulta as investigações", pontua Rocha.
Alemães cobraram proteção
As ameaças e tentativa de intimidação sofridas por Alessandra Munduruku já repercutiram fora do país. Em dezembro de 2019, um grupo de deputados federais da Alemanha enviou uma carta ao governo brasileiro cobrando proteção para a líder.
O documento, endereçado ao presidente Jair Bolsonaro, foi entregue à embaixada do Brasil em Berlim. À época, os deputados solicitaram que as autoridades brasileiras investigassem o caso da invasão da residência dela a fundo e que assegurassem que os invasores e possíveis mandantes fossem responsabilizados.
Na mesma carta, os deputados ainda manifestaram "preocupação com a situação dos defensores dos direitos humanos no Brasil" e pediram que o governo fizesse "da proteção destes líderes legítimos uma prioridade".
Em dezembro de 2020, Alessandra foi a primeira brasileira a ganhar o prêmio de Direitos Humanos concedido pela ONG Robert F. Kennedy, sediada nos Estados Unidos. Há 38 anos, a entidade reconhece "notáveis campeões de coragem moral que resistem à opressão, mesmo com grande risco pessoal, na busca não violenta dos direitos humanos”.
A ONG afirmou que Alessandra foi escolhida por defender os direitos indígenas, a demarcação de terras e se opor a grandes projetos governamentais que afetam os territórios tradicionais da região do Tapajós.
O povo munduruku é formado por pouco mais de 11 mil indígenas distribuídos em diferentes terras no Pará, Amazonas e Mato Grosso. Pouco mais da metade deles vive na Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará.
A área vem sendo duramente afetada pela mineração ilegal. Em setembro de 2019, o grupo Greenpeace divulgou um vídeo é possível ver enormes crateras na reserva e rios tomados por rejeitos de mineração clandestina que se estendem por dezenas de quilômetros.
Violência e denúncia de genocídio
O aumento da violência no país contra povos indígenas tem sido observado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Um relatório divulgado recentemente mostrou que 182 indígenas foram assassinados em 2020, o que representa uma alta de 61% em relação aos 113 assassinatos registrados em 2019. Segundo o levantamento, foram 304 casos de violência praticados no total contra a pessoa indígena no ano passado, 10% a mais do que o apontado no relatório anterior.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o discurso e postura do presidente Jair Bolsonaro incita a violência. Em agosto último, a entidade protocolou um pedido de investigação contra Bolsonaro por crimes contra a humanidade e genocídio no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia.
O documento enviado à instância internacional foi redigido por advogados indígenas e se baseia numa série de discursos, decisões - e omissões - registradas desde 1º de janeiro de 2019, início do mandato de Bolsonaro, que comprovariam a intenção de extermínio dos povos originários. (Nádia Pontes)
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