Caracterizada por intensas transformações urbanas que se desenrolaram, inclusive, até pouco tempo atrás, a avenida Almirante Barroso guarda uma ligação íntima com as mudanças vivenciadas pela própria cidade de Belém. Referência do processo de expansão da cidade para o interior, a grande avenida é, ainda hoje, a principal via de entrada e saída de Belém e convida a conhecer um pouco mais sobre o processo de formação e urbanização da capital.
Na época em que foi criada, em meados de 1929, o nome que a identificava era outro. O histórico da avenida está diretamente relacionado à Estrada de Ferro de Bragança, que ligava Belém ao nordeste paraense. Justamente por isso, a via era conhecida como Estrada de Ferro ou Tito Franco. “Paralela à Estrada de Ferro é criada essa área que depois vai ser nomeada Almirante Barroso”, explica o professor do curso de história da Universidade da Amazônia (Unama), Diego Pereira Santos.
“Essa área pela qual a Almirante Barroso se estende é arruada no século XX e tem relação com a expansão do bairro do Marco. Até hoje, na frente do CCBS da Uepa (Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade do Estado do Pará) se tem um marco fálico desse processo da expansão da cidade. O Marco da Légua marca essa expansão do bairro do Marco em direção ao que hoje nós chamamos de Entroncamento e a Almirante Barroso não deixa de ser também parte desse movimento”.
O professor aponta que, no início do século XX, essa região era uma área onde ficavam várias chácaras, habitações grandes e de caráter rural. Características que ainda são vistas em algumas construções preservadas. Ainda no século XX, o professor aponta que também era muito comum haver associações ligadas à formação profissional e, nesse sentido, a Almirante Barroso abriga até hoje uma construção que atendeu a esse objetivo, o prédio do antigo Colégio Lauro Sodré, que hoje abriga o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA).
“A questão das escolas é muito interessante nessa configuração da Almirante Barroso porque o Colégio Souza Franco e o Colégio Lauro Sodré eram grandes instituições escolares no século XIX e, inclusive, de formação profissional porque um dos pensamentos da República estava diretamente ligado à formação profissional”, aponta.
ESPORTE
“Do ponto de vista do esporte, você também tem, na Almirante Barroso, as associações e os clubes que se formam através dela, o Baenão, o Estádio da Curuzu e a Tuna. Então, tem toda uma espacialidade dessa rua que vai se transformando ao longo desses diversos momentos e, especialmente, ao longo do século XX”. Para além do processo de expansão da cidade, a partir do século XX a Almirante Barroso vivencia um aprofundamento dessas formas de associação, além do fortalecimento do seu papel para o deslocamento da cidade.
“Antes, você tinha uma Almirante Barroso dividida, havia as quatro pistas que depois viraram duas e, atualmente, permanece apenas uma. Esse processo de requalificação, que é muito do primeiro governo do Edmilson Rodrigues, resulta na retirada daquelas antigas divisões que havia e, inclusive, na ideia da construção da ciclovia. Lógico que, hoje, também não se pode deixar de pensar na implementação, desde 2012 e com atrasos, do BRT”, lembra. “A Almirante Barroso ainda é a principal via de acesso, mesmo que nós tenhamos, hoje, outras vias paralelas, como é o caso da João Paulo II” .
As transformações mais recentes e que são responsáveis pela configuração atual da avenida estão presentes na memória do técnico em informática e pastor, José Raimundo Matos, 47 anos. Morador do bairro do Marco, ele conta que recorda as facilidades proporcionadas pela instalação da ciclovia na Almirante Barroso. “Lembro de quando ainda eram aquelas quatro vias e que depois virou uma só e melhorou muito o fluxo tanto para os motoristas, quanto para os pedestres. Além da via, teve também a ciclovia que melhorou muito”, avaliou.
José Raimundo lembra que, antes da implantação da ciclovia, ele trabalhava com a venda de refrigerante e água nas proximidades da Almirante Barroso e costumava ver muitos acidentes envolvendo ciclistas. “Naquela época o vale transporte ainda era aquele ticket que as pessoas usavam para comprar algumas coisas. Então, muita gente usava o ticket para comprar pão, comprar alimento e ia trabalhar de bicicleta. Sem a ciclovia tinha muito acidente aqui”, recorda.
No caso da dona de casa Suane Gomes, 31, a principal memória afetiva que ela tem com a Almirante está relacionada a algo que, justamente, não mudou ao longo de vários anos de avenida. Desde quando a via era uma estrada de terra, as árvores que compõem o Bosque Rodrigues Alves são as mesmas, uma área de 15 hectares de floresta amazônica preservada. “É maravilhoso poder ter um espaço como o Bosque aqui no meio da cidade, numa avenida que é tão marcada pelo trânsito, tão movimentada”.
O historiador Diego Pereira Santos reforça que é importante conhecer também o momento em que a via recebe o atual nome que a identifica: Almirante Barroso. “O nome Almirante Barroso faz referência a um militar que tinha participado da Guerra do Paraguai, principalmente”.
O professor destaca que o Almirante Barroso já tinha participado, também, da repressão à Cabanagem, mas a ideia do uso do seu nome como identificação da avenida se deu principalmente por conta da sua participação na Guerra do Paraguai. “É onde ele, inclusive, participou de uma das maiores campanhas em relação à Guerra, que foi a Batalha de Riachuelo, em 1865. Então fica essa memória também nessa construção republicana porque, no século XIX, quando eu tenho a emergência da República, os nomes que foram referências dentro dessa guerra foram muito importantes porque é como se a Guerra do Paraguai fosse um símbolo dessa República ou pelo menos do início desse movimento republicano”, aponta Diego. “Então, a Guerra do Paraguai era sempre uma referência, daí se buscar um nome importante, que era o nome do Francisco Manoel Barroso da Silva, ou simplesmente Almirante Barroso, como uma figura central desse processo”.
Construções
- Lauro Sodré - Foi o Instituto Paraense de Educandos e Artífices, criado em 1873, que deu origem ao Instituto Lauro Sodré, instituição educacional voltada para a educação dos meninos órfãos e pobres. Em 1897, o governador Paes de Carvalho, que sucedeu a Lauro Sodré, trocou o nome do Instituto, que passaria a se chamar Instituto Lauro Sodré, como forma de prestar homenagem ao ex-governador, pela dedicação a causa da educação e, particularmente, ao Instituto. Assim, o Instituto Lauro Sodré foi inaugurado em 1899. Hoje, o prédio abriga o TJPA.
- Bosque Rodrigues Alves - Criado em 1870, era chamado de Bosque do Marco da Légua. Passou a se chamar Bosque Rodrigues Alves apenas em 1906. Antes disso, em 15 de agosto de 1903, foi realizado no bosque o Congresso dos Intendentes Municipais do Estado, o que resultou em um dos monumentos mais famosos do bosque, feito em mármore e bronze.
ALMIRANTE BARROSO
A avenida que atravessa os bairros de São Brás e Marco recebe o atual nome em homenagem a Francisco Manoel Barroso da Silva, Almirante que possuía o título de Barão do Amazonas. Nascido em Lisboa, em 23 de setembro de 1804, Almirante Barroso teve notável papel nas campanhas navais do Rio da Prata e atuou no Pará no período da Cabanagem. Foi vitorioso na Batalha do Riachuelo na Guerra do Paraguai. Faleceu em Montevidéu em 8 de agosto de 1882.
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