O especial de Natal do Porta dos Fundos do ano passado, produzido pela Netflix, ainda não terminou e terá mais um "capítulo" nesta terça-feira (3), no STF, Supremo Tribunal Federal. A pedido da Netflix, que fez uma reclamação, a corte fará uma nova tentativa de julgar a censura de "A Primeira Tentação de Cristo", obra de ficção humorística que retrata Jesus como homossexual.
Gustavo Binenbojm, advogado da Netflix e do canal de humor Porta dos Fundos, falou com exclusividade ao Uol sobre o que espera do processo. Ele pede que o STF não se deixe intimidar pelo que chama de "terrorismo religioso", que culminou no atentado à sede do Porta, no Rio de Janeiro.
"O que chama atenção é o elemento de violência por fanatismo religioso. O atentado à bomba teria alcançado seu objetivo, que é intimidar os artistas, que estariam sob ameaça para evitar uma reação violenta", diz Binenbojm. "É um alerta para que o Supremo não se deixe intimidar. Enquanto o mundo assiste horrorizado à reedição de atos violentos, como na França com Charlie Hebdo, agora importam para o Brasil uma espécie de terrorismo religioso."
O advogado, que também é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, argumentou que o especial produzido pelo Porta dos Fundos e exibido pela Netflix não é uma violação à honra, já que a homossexualidade, por si só, não é desonrosa.
"Não é um caso que trata de discurso de ódio, de violação à honra de alguém. Uma pessoa retratada como homossexual não teve a honra violada, ser homossexual não é desonra. O ódio está nos olhos de quem vê", diz ele. "Acho que essa turma pensa que está fazendo o bem, mas é como os movimentos da Idade Média, das Cruzadas: querem matar algo muito precioso, a liberdade."
Além disso, no especial natalino feito pela produtora em 2018 (vencedor de um Emmy Internacional), no ano anterior, o personagem de Jesus tentava torturar outras pessoas. Na ocasião, não houve uma campanha tão grande para censurar uma versão mau caráter de Cristo.
"Jesus era um sujeito bom no especial de 2019, só tem certo comportamento aparentemente homossexual", continua Binenbojm. "Isso provocou o ódio das pessoas! Então, veja, no ano anterior a figura de Jesus é representada no humorístico ficcional como um homicida, e nada se diz. Mas quando é comparado a um homossexual, a reação é discriminatória e homofóbica de quem não reconhece a prerrogativa de artistas se expressarem por meio da hipérbole."
No início deste ano, por decisão do desembargador Benedicto Acicair, do TJRJ, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o especial teve sua exibição suspensa na Netflix – atendendo a uma ação movida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.
Atualmente, o especial de Natal de 2019 está no ar graças ao ministro Dias Toffoli, e a Netflix registrou uma reclamação junto ao STF para avaliar a censura que teria sido cometida pelo TJRJ contra o material.
O Uol tentou contato com Leonardo Camanho Camargo, advogado da Associação Dom Bosco neste processo, mas não obteve resposta até a publicação deste texto (se a defesa do centro religioso se manifestar, a matéria será atualizada). A diretoria da Netflix também optou por não comentar o caso neste momento –ao contrário de Gustavo Binenbojm, que a representa na ação.
Em 30 de setembro, o Supremo indeferiu um pedido para adiar novamente o julgamento que deve acontecer nesta terça. O advogado da Associação Dom Bosco estaria com Covid-19 e teria pedido por um novo adiamento, o que foi negado. O STF justificou que há mais de um advogado presente nos autos e que a argumentação ocorrerá por videoconferência, sem riscos de contágio da doença.
Binenbojm tem uma suspeita: "Lamento que ele tenha contraído esse vírus horrível, mas tudo indica que o objetivo era adiar e aguardar pela posse do novo ministro nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro. Talvez tenham esperança de que o novo ministro Kassio Nunes tenha postura menos compatível com o STF sobre liberdade de expressão. Espero que ele faça um bom papel e frustre as expectativas de quem espera que seja uma voz reacionária".
Mais uma vez, o Uol tentou contato com os advogados ligados à Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura para que pudessem responder ao comentário de Binenbojm, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.
Em parecer enviado ao STF, a Procuradoria-Geral da República já apontou que houve censura à Netflix e defendeu a permanência do especial de Natal do Porta dos Fundos.
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