“Mestres do ar” (2024), a série recentemente exibida pela Apple, com a produção executiva de Steven Spielberg e Tom Hanks, foi produzida para ser vista como uma história de bravura. Da bravura sobre a vitória aliada na Europa invadida por Hitler e da bravura de homens diante de seus medos.
A história do esquadrão da aeronáutica norte-americana, que por volta dos dois últimos anos da Segunda Guerra Mundial luta contra as forças alemãs, é sobre a relação entre amigos, companheiros e combatentes que, muito jovens, buscam se desviar dos flaks (artilharia antiaérea) a cada missão e, ao mesmo tempo, empenham forças para causar, com suas bombas, danos nas cidades inimigas.
Isso, sem dúvida, é o momento de ação mais bem realizado da série e traz um impressionante realismo que confere, aos efeitos especiais e filmagens em locações, um status notável nas produções sobre guerras.
As imagens não parecem cenas baratas de videogame, elas parecem nos colocar dentro dos muitos momentos dos combates e da violência com que são travados.
Não costumo comentar sobre esses detalhes técnicos, mas poucas vezes vimos tanto cuidado com esse nível de produção, até mesmo em produções que tem nos efeitos especiais e na recriação de cenários seu fundo mais importante.
A isso se alia a condução dos capítulos, feitos para provocar êxtase, retrair e causar expectativa no espectador.
O sumiço, por dois episódios, de Gale Cleven (Austin Butler), um dos protagonistas, abatido em combate, e o surgimento de um personagem ainda mais interessante para preencher seu lugar, o Tenente Robert Rosenthal, é uma estratégia muito perspicaz para renovar o roteiro.
Rosenthal é dos que representam a figura da bravura de maneira mais explícita. No “Centésimo Batalhão” do qual fazem parte, completar 25 missões dava ao comandante do bombardeiro o direito de voltar para casa.
Rosenthal as completa, mas se nega veementemente a deixar seu posto, ao saber que os termos foram mudados para os que ficaram. Os remanescentes teriam, agora, que completar 30 missões para voltarem para suas famílias.
“Rosie”, como é conhecido, exibe a mesma coragem que Gale e John Egan (Callum Turner), os dois personagens centrais que formam a principal amizade da série.
São eles que parecem viver mais intensamente aquele ambiente de muitas mortes, destruição, campos de prisioneiros, mas também de companheirismo e vitórias.
Os dois galãs encarnam grande parte da mitologia sobre a participação norte-americana na Guerra e, talvez, isso explique, também, o sucesso de público da série.
Quase sempre juntos, eles são respeitados por seus colegas e são os modelos a serem seguidos pelos novatos.
É verdade que a mensagem principal da série não é a política em si, mesmo que seja impossível dissociair esse mundo em chamas das decisões no teatro político da Guerra.
Os atores mais famosos (políticos, generais e burocratas), desse teatro desolado pelo conflito, não surgem, como costumamos ver em outras produções. O foco aqui é naqueles que ficaram menos evidentes nos livros de história.
Mas há momentos em que a realidade política mais explícita, que resultou em milhões de mortes, surge.
Ao serem capturados pelos alemães, os aviadores conhecem parte dos horrores, causados por eles, do outro lado, ao verem a destruição nas cidades germânicas.
Em uma das cenas como prisioneiros, os habitantes de uma das cidades gritam em direção a eles, “assassinos”, “aviadores assassinos!” e partem para cima dos militares, espancando e, com a ajuda dos nazis, matando quase todos. John Egan, um dos heróis, sobrevive.
Há também algum embate moral na produção, especialmente entre os personagens do tenente Harry Crosby (que narra grande parte da série, que, como se sabe, é baseada no livro de mesmo título, de Donald L. Miller) e Rosenthal que se questionam sobre seus atos. Mas isso é muito pouco na produção.
Talvez a cena política e humana mais representativa seja o conhecimento, por parte de Rosenthal, de um dos campos de concentração. Sua entrada no lugar e sua visão são, mesmo sem uma representação mais profunda e abrangente sobre o tema na série, impactantes.
Atordoado, em uma das paredes das celas dos prisioneiros, ele vê uma Menorá (um candelabro, símbolo do judaísmo). Algum sentido do que ocorrera ali parece se formar, definitivamente, em sua mente.
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Em outro momento, os dois Buckys, Gale e Egan, como eles são conhecidos, tornam-se prisioneiros no mesmo campo. Em um estratagema, durante um deslocamento dos prisioneiros, Egan simula uma fuga, os soldados se distraem e Gale escapa com outros dois companheiros.
Durante a fuga, em uma momento de distração, um dos colegas sofre, pelas costas, um ataque com uma baioneta. Do ataque faz parte uma criança alemã que ameaça Gale com um revólver. O soldado toma sua arma e aponta furioso para a criança. O menino pede, “bitte!” (por favor!). Gale não atira. Ele precisa ser o belo e perfeito herói.
Na verdade, naquela altura dos acontecimentos, os soviéticos já haviam invadido Berlim e o fim do Reich era dado como certo. A arma utilizada pela criança nem munição mais tinha. Essa sequência, como tantas outras que já vimos sobre a Guerra, só demonstra a irracionalidade daquele momento.
Os aviadores do Centésimo Batalhão de Bombardeiros experimentaram essa realidade. Mas a mensagem que o episódio final, no qual eles jogam alimentos para um vila holandesa, quer deixar é de amizade, esperança e liberdade.
Pode parecer hollywoodiano demais, e é. Mas talvez a série lembre um cinema de outras épocas, de bravuras e esperanças de outras épocas.
E, talvez, seja o que explique sua aceitação pelo público. Homens desafiando o terror de outros homens e desafiando seus próprios medos.
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