Um sujeito alto, loiro, trajando uma jaqueta perolada com um imenso escorpião amarelo às costas. Melancólico, ele guarda um palito de dente entre os lábios, coloca suas luvas de couro e entra num carro que não tem nada de especial. Sim, nesta história, não são os carros os protagonistas – como na lamentável série “Velozes e Furiosos” ou no bobo “60 Segundos” – mas sim, um homem. Aquele que tem um talento fora de série ao volante, que cruza as estradas e ruas em velocidade, fazendo peripécias e manobras arriscadas, numa cidade que não dá trégua aos perdedores.
motorista do título (Ryan Gosling) é um piloto profissional, que arrisca sua pele trabalhando como dublê em filmes de ação. E, quando ele sai dos sets, arrisca a pele novamente, participando de roubos e operações ilegais. Sua vida não tem muitas perspectivas e ele parece não se importar com isso. O roteiro adaptado da obra de James Sallis, pelo próprio diretor do filme, o dinamarquês Nicolas Winding Refn, constitui-se num trabalho coeso e empolgante que estuda os limites das pessoas presas a vidas ordinárias numa grande metrópole.
E para passar o clima certo, de tensão, angústia e adrenalina típico de uma obra existencial e cheia de momentos de ação, que colocam o protagonista em armadilhas das quais ele sai da forma mais sangrenta e imediata, é que Winding Refn usa recursos estéticos e narrativos acertados. A fotografia e a montagem são sofisticadas, e desde o principio, ele impõe uma atmosfera oitentista para homenagear os filmes americanos de ação da época. O letreiro lilás, com uma fonte semelhante a de Dirty Dancing e Gigolô americano, a ambientação composta por roupas e atitudes que são resquícios de Velocidade Máxima, Chuva Negra, Matador de aluguel e Um tira da pesada, pipocam na tela. Mas a inocência ou falta de, estilo visual e narrativo mais, digamos, apurado, desses filmes, ficou para trás.
Porque o protagonista de Drive não é um herói clássico, aí é que reside boa parte do trunfo. ‘Cool’ até o último fio de cabelo estrategicamente arrumado e penteado, e o óculos de aviador, ele anda suavemente pelas ruas, trabalha numa oficina mecânica consertando carros e não esboça qualquer preocupação com nada e com ninguém, inabalável e indiferente como uma pedra de gelo. Quando tem que se livrar de alguém, é como se estivesse esmurrando um pedaço de bife que precisa ser amaciado antes de ir para a panela. Sua natureza começa a mudar quando conhece a meiga Irene (Carey Mulligan) e seu filho, Benício, vizinhos no ‘cafofo’ aonde mora.
Como se alterado pelo encontro com aquelas duas criaturas tão frágeis, ele passa e se importar, amar e ter motivos para sorrir, mesmo de esguela. E passa a ficar menos silencioso. Seus planos de vida feliz são frustrados pelo aparecimento do marido dela, que saiu da prisão. Mas quando o motora aceita a proposta do seu ‘rival’ romântico, e dirigir para ele num último trabalho, o tiro sai pela culatra e ele se vê envolto numa grande confusão. E isso implica muito derrame de sangue e abala a relação com o seu chefe manco, dono da oficina, que começa a correr risco.
“EU SÓ DIRIJO”
Nas poucas vezes em que abre a boca e emite algum som, Ryan Gosling repete essa frase. Ela serve para ilustrar aquilo que, além de fazer melhor, é a única coisa que o preenche. Vemos a cara de satisfação quando ele acelera, despista a polícia ou bandidos, e olha pelo retrovisor os algozes comendo poeira. Ou quando se vinga colocando toda a fúria no motor e capô do carro, que termina ensanguentado.
Entre muitas cores neons e tons enfumaçados, a Los Angeles de Drive é uma cidade perigosa, e suas ruas são promessas de conflitos para o motorista anti-herói, que destila sua fúria para salvar aqueles que ama. A trilha sonora é um caso a parte, muitas vezes minimalista, atmosférica, dando a real dimensão da solidão e urgência impressa nos personagens principais. O ex-baterista do Red Hot Chilli Peppers, Cliff Martinez, é responsável por 14 das 18 músicas do filme. A influencia de Angelo Badalamenti (compositor de Twin Peaks e Veludo Azul, ambos de David Lynch) no seu trabalho é marcante. A canção que toca mais de uma vez, no princípio e fim da saga, é ótima. Intitulada Nightcall, tem uns sintetizadores marcantes e é interpretada por Kavinsky com a participação da cantora brasileira Lovefoxxx (do grupo Cansei de Ser Sexy).
Drive é um sopro de criatividade, aonde o talento de Winding para expressar visualmente a severidade e melancolia do seu personagem título e tornar as perseguições e a violência mais verdadeiras e autenticas. Com ângulos inusitados, narrativa cadenciada e muita convicção, o diretor sabe que está, antes de tudo, lidando com uma história de um homem – minuciosamente interpretado por Gosling - que se vê numa encruzilhada e tem a sua rotina permeada pela ação. Esses são alguns dos motivos pelos quais estão saindo tantas críticas empolgadas e o desempenho nas bilheterias tem sido melhor do que se imaginava. Há muito ainda a ser dito sobre esse filme, mas o principal é vê-lo e embarcar na jornada sentando ao lado do motorista. (Diário do Pará)
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