
O Rio de Janeiro terá sua versão do “Facada Fest”, evento punk criado em Belém e cujos organizadores são investigados por supostos crimes contra a honra do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), além de apologia de homicídio. Um inquérito para investigar o coletivo paraense foi aberto após despacho assinado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
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Quatro integrantes do coletivo Facada e de bandas paraenses, entre elas THC, Delinquentes, Filhux Ezkrotuz, foram interrogados pela Polícia Federal na última quinta-feira, 27, em Belém.
A edição carioca do festival não tem ligação com o coletivo Facada, responsável pelos eventos originais, mas apenas utiliza o nome em solidariedade a eles e em protesto à investigação contra os artistas de Belém.
O coletivo punk apenas pediu “que fosse mantida a identidade e ideias” do festival, segundo o organizador do Facada do Rio de Janeiro, o produtor Fábio Barreto, conhecido como Bolinha.
O “Facada Fest” original, que ocorre desde 2017 em Belém, passou a ser investigado por causa dos cartazes de divulgação deste ano, que faziam sátiras com o presidente. A imagem que gerou mais polêmica traz o palhaço Bozo empalado por um lápis, em alusão aos cortes do governo na Educação.
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Já o cartaz da versão carioca – com autoria de Gabriel Cardoso – traz, além do presidente, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que aparece de saias e com a bunda à mostra, e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), segurando uma Bíblia e um maço de dinheiro, em frente a um púlpito da Igreja Universal.
O “Facada Fest” do Rio está marcado para o dia 14 de março, véspera do ato contra o Congresso e em apoio a Bolsonaro. A entrada é a doação 1 kg de alimento não perecível ou agasalho, que serão doados às famílias das vítimas das chuvas no Rio de Janeiro. Entre as atrações confirmadas estão as bandas Acid Drop, Pacto Social, Fokismo, Matilha, 77 Ídols, Skorno, Involuntarium e Serial Killer.
O presidente Jair Bolsonaro já foi alvo de sátiras em outros cartazes de shows punk no Brasil. Primeiro, de maneira indireta, com o grupo punk americano Dead Kennedys. Mais recentemente, com o coletivo russo Pussy Riot.
Sotaques com a mesma demanda
Uma semana após prestar depoimento na sede da Polícia Federal, em Belém, integrantes do “Facada Fest” se dizem bastante surpresos com todo o apoio e a expansão do evento. “Além desses, do Sul e Sudeste, tem gente até na Bahia procurando a gente. E cidades do Centro-Oeste, região que ainda não tinha nos procurado”, conta a organização, que a partir de toda a polêmica, passou a se pronunciar apenas de forma coletiva.

Da Europa, também chegaram propostas. “Tem gente pensando em fazer a programação para a comunidade de brasileiros por lá, que é bem grande. E, de ontem para hoje (quarta-feira), nos surpreendeu bastante o contato de brasileiros que moram na França e demonstraram interesse em fazer um festival com o mesmo nome. Em outros estados, eles estão prestes a realizar. O Rio de Janeiro nos procurou em um dia e no outro já tinha cartaz”, contam.
Eles acreditam que esses coletivos e artistas há muito ansiavam ter voz e visibilidade para dizer o mesmo que foi proposto pelo festival paraense. “A gente percebe que era um pessoal em stand-by, pela própria maneira de nos abordar. É muito semelhante como é aqui, não é uma banda, um produtor, é um pessoal que trata rock como coletividade e movimento social, com pautas próprias, assim como tem pautas do movimento negro, feminista, do MST”, afirmam.
DIÁLOGO
Entre as manifestações recebidas, para eles é impossível não destacar a banda de punk rock paulista Garotos Podres, que produziu um cartaz em apoio ao festival, no último dia 28. Nele, o presidente é retratado como um boneco manipulado pelo líder nazista Adolf Hitler. “A gente olha nossos ídolos, pessoas que nos influenciaram musical, social e politicamente, nos incentivando e acolhendo como pessoas iguais a eles; e se sente recebido em universos que simplesmente olhávamos à distância”, dizem, referindo-se também a João Gordo, ícone do punk brasileiro, que expressou seu apoio em rede social.
Diante da aproximação do festival com a cena underground de outras cidades, eles dizem que fica a vontade de se manter essa rede e que é inevitável que o diálogo se estenda para além do atual momento de polêmica. “O que tem de diferente entre o que acontece em Belém e o Rio Grande do Sul, onde vai ter evento, é puramente o sotaque; porque são as mesmas pautas levantadas. O Facada está sendo uma aglutinação dessas demandas, que são idênticas”.
Tanto veem suas manifestações espelhadas nessas outras cidades, que a organização do “Facada Fest” em Belém diz invejar a criatividade no cartaz que anuncia o Facada Fest no Rio de Janeiro. “Parece que a gente que mandou fazer o cartaz. É muito a nossa linguagem, a abordagem cômica, satirizada. Chega dar inveja de nós não termos feito aquele cartaz (risos). É como a gente estivesse criando uma escola literária dentro do rock, que sintetiza as pautas que queremos tratar, uma espécie de ‘facadismo’”, afirmam.
AINDA PERIFÉRICOS
Pode ser muito significativo um festival que nasceu à margem, que é de Belém, cidade tratada como a periferia do país, ganhar esta proporção. Mas essa ainda não é uma batalha vencida. “Belém e a região Norte ainda estão na periferia do país. O pessoal de Portugal achava que a gente tinha dinheiro para bancar o evento. Se a edição é R$ 3 mil, a gente divide entre todas as bandas os custos. Quem pode ajuda, quem não pode, beleza. Ainda estamos marginalizados na nossa própria cidade, ainda somos carentes de políticas públicas”, apontam.
E há ainda os ataques xenofóbicos, que desqualificam a cena autoral da região. “Quando toda essa repercussão chega ao Sul e Sudeste, também tem os comentários como se eles fossem o únicos pólos do que pode ser produzido enquanto cultura urbana: ‘é rock de paraíba’, ‘rock de índio’. São falas xenófobas para desqualificar mesmo o que a gente produz aqui”, destacam.
O que lembra outra situação repercutida nas redes, quando um comentarista da rádio Jovem Pan afirmou que este era um evento em que não permitiria sua filha participar e que se envergonharia se ela usasse uma camisa da banda Delinquentes. “Mas tenho certeza que ele se sentiria orgulhoso se a filha usasse uma camisa com da Margareth Thatcher, que, na Inglaterra, deixou milhões sem comida, sem trabalho, matou milhões em nome da economia. Acho que esse é um exemplo que sintetiza bem”.
Nas redes, o vocalista da Delinquentes, Jaime Katarro, comentou o assunto pedindo que se respeite o underground paraense e brasileiro. “Se informem antes de falarem sobre o que não conhecem”, escreveu. E completou: “Obrigado pela divulgação a nível nacional, da banda e do festival”, com ironia. Essa, inclusive, tem sido a forma como várias pessoas tem se manifestado. O festival foi parar nos trending topics do Twitter na última sexta-feira, 28, depois que várias pessoas, conhecidas e anônimas, de diversas orientações políticas, como a jornalista Sheherazade, publicaram os cartazes do evento, com a mesma mensagem de ironia: “peço que não retuítem, pela honra do nosso presidente”. A jornalista Mônica Bergamo chamou o fato de “sucesso”.
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