Betty Boop, que apareceu no cinema pela primeira vez no desenho “Dizzy Dishes”, em 9 de agosto de 1930, chegou aos 90 anos em plena forma. A mesma forma que exibiu nos curtas de animação que estrelou nos anos 1930: corpinho atraente de mulher, em trajes provocantes, e rosto de bebê numa cabeça grande, desproporcional. Uma combinação visual que hoje figura em produtos licenciados, desde estampas em camisetas até utensílios de cozinha.
É curioso que Betty Boop dispute espaço com artigos decorados com heróis da Marvel ou personagens da Disney, porque ela não tem a mesma relevância desses concorrentes na história do entretenimento. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos em 2006 ouviu pessoas que tinham comprado algum produto com a figura de Betty Boop. Entre os entrevistados, 37% não sabiam que ela era um personagem de animação. E apenas 12% afirmaram ter assistido a um desenho com ela.
Entre esses que teriam assistido a Betty Boop em ação devem estar muitos que a viram apenas em “Uma Cilada para Roger Rabbit”. Ela foi uma coadjuvante de luxo nessa mistura de atores com personagens animados produzida por Steven Spielberg, um estouro de bilheteria em 1988.
Entender o fenômeno Betty Boop exige voltar a 1930, quando o personagem surgiu pelas mãos de Max Fleischer, polonês que foi para os Estados Unidos revolucionar o desenho animado. Além de criador de conteúdo, também um gênio tecnológico, que inventou equipamentos fundamentais para a indústria da animação.
Sua primeira ideia para Betty Boop era uma cachorrinha poodle. A imensa repercussão de Mickey Mouse, surgido em 1928, apontava que animais antropomórficos eram uma fórmula de sucesso. Fleischer acatou palpites de sua jovem equipe de animadores e depois de alguns desenhos levou esse esboço canino de Betty Boop até sua versão “humana”.
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Fleischer queria desenhos musicais, com uma estrela cantora. Daí a opção pela figura de uma “melindrosa”, como foram chamadas as garotas que nos anos 1920 frequentavam salões para dançar jazz e charleston. Elas ousavam fumar e beber em público, usavam maquiagem pesada e saias curtas. Na vida noturna desses clubes, o sexo casual era comum.
A lista de personagens interpretados por Betty nos desenhos abrangia cantoras, dançarinas, atrizes, artistas de circo e modelos. Uma galeria atraente aos homens. Esses tentavam espiar Betty trocando de roupa, passavam o braço pela cintura dela e até partiam para o assédio explícito.
Ela atiçava os rapazes, com piscadelas insinuantes e danças sensuais, mas lutava contra pretendentes indesejados. Dois desenhos de 1932 são exemplos. Em um deles, ela trabalha num circo e tem de afastar o patrão que apalpa suas pernas. No outro, precisa fugir de um homem que chega a amarrá-la na cama e dizer: “Eu vou ter você!”. Sim, não são cenas infantis. Em outro curta, Betty vai ao inferno e acaba tirando o Diabo para dançar. A coreografia, claro, não tem nada de infantil.
Sensualidade tentou dar lugar à versão bela, recatada e do lar
A exibição dos curtas de Betty Boop nas matinês foi um incômodo para muitos pais. Além da sensualidade, as várias músicas cantadas pelas atrizes que dublaram Betty não faziam sentido algum para os meninos.
Seus desenhos que realmente valem a pena foram produzidos entre 1930 e o início de 1934. Foi então que o órgão conservador Legião Nacional da Decência levou o governo americano a aprovar o Código de Produção, lista de diretrizes que, em sua maior parte, impôs a Hollywood restrições a insinuações sexuais.
Não é exagero dizer que a verdadeira e revolucionária Betty Boop morreu com a adoção do código. Sem poder recorrer sequer a uma piscadela da heroína a um pretendente, os roteiristas não souberam mais o que fazer. Além de usar roupas mais recatadas, ela chegou a ser relegada ao papel de dona de casa solteirona.
Com queda de popularidade, as tentativas de recuperar seu prestígio não deram certo. Foram criados coadjuvantes fixos, como Disney tinha feito ao unir Donald e Pateta ao Mickey, mas nenhum deu certo. Assim como fracassou cruzar Betty com outros personagens do Fleischer Studios, como Popeye.
A produção dos curtas foi encerrada em 1939, depois de 110 títulos. As reprises na TV perderam o interesse nos anos 1960, quando os filmes em preto e branco de Betty destoaram dos novos desenhos em cores vivas. Numa estratégia fracassada, esses originais foram colorizados por um estúdio na Coreia do Sul, com resultado desastroso, rejeitado pelas emissoras americanas.
Nos anos 1980, com a ponta em “Roger Rabbit”, a imagem de Betty foi uma aposta certeira dos departamentos de marketing. Os licenciamentos se multiplicaram, e desde então as ações se concentram na figura sexy do começo dos anos 1930: saias curtas, corpete, decotinho e a indefectível liga na coxa. Uma personagem irresistível, mas totalmente desconectada dos desenhos animados clássicos.
Algumas questões judiciais entre estúdios transformaram os direitos autorais dos desenhos de Betty Boop numa grande lambança. Alguns já estão em domínio público, mas a maioria é peça em confrontos jurídicos, inviabilizando relançamento em DVD ou Blu-ray. Projetos de novos filmes e até um musical na Broadway foram divulgados nos últimos anos, sem nada concreto. Resta então o popular ícone nonagenário, uma criação de apelo visual irretocável. Mistura perfeita de ingenuidade infantil e malícia adulta.
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