
Vídeos-performance, fotografias, pinturas e objetos fazem parte da exposição "Revérbero", primeira individual da drag Allyster Fagundes, que traz a beleza e os mistérios do fundo das águas para a galeria Theodoro Braga, da Fundação Cultural do Pará, a partir desta segunda-feira.
“Essa exposição releva a intimidade de um processo criativo de um artista drag. Trago todas as minhas referências para dentro desse espaço e para mim é uma felicidade muito grande estar ocupando outros espaços, que são às vezes muito difíceis de ocupar. A gente tem muito esse lugar da drag na festa, performando em boate, mas ela é multifacetada, ela pode estar em diversos outros espaços, não só os que são predeterminados para esses artistas. Acho que essa quebra é que faz também o meu projeto ter uma força muito grande para que outros artistas vejam e possam se espelhar”, diz Allyster Fagundes, sobre a "Revérbero".
A exposição conquistou o primeiro lugar de 2020 no “Prêmio Branco de Melo - Apoio à Produção Artística", edital da Fundação Cultural do Pará para a ocupação de seus espaços expositivos e que premiou 7 projetos com R$ 5 mil, isenção de aluguel da galeria e suporte de equipamentos técnicos básicos para a mostra.
O trabalho surge da pesquisa da artista durante o mestrado em Artes, voltada para a temática drag. "Pesquiso arte drag desde de 2016, ainda quando fazia faculdade de jornalismo. Os meus primeiros estudos sobre o assunto foram sobre a nova geração drag que surgiu em Belém a partir do movimento 'Noite Suja'. Essa primeira pesquisa culminou com um documentário 'Noite Suja’, que é importante, porque é um registro dessa nova geração que traz um conceito estético, desconstruindo a própria estética, os padrões expostos até mesmo na arte drag, essa feminilidade, essa imagem polida da drag. A gente vive numa realidade que é bem diferente da realidade que a gente vê na TV e nos reality shows”, diz Allyster.
O artista viajou por vários estados e ganhou sete prêmios com o seu documentário. Quando terminou esse primeiro processo, começou com uma inquietude e com uma necessidade de continuar pesquisando e falando sobre o assunto. Na seletiva para o mestrado, onde sua proposta era criar um segundo documentário sobre a arte drag, abordando outros aspectos, surgiu a ideia da exposição.
“Eu me montei pela primeira vez para apresentar o meu TCC e eu não era drag. Fiz uma promessa para mim mesmo de me montar a partir daquele momento, toda vez que fosse falar sobre aquele projeto, que era muito importante para mim, que não me trouxe só conhecimento teórico e acadêmico enquanto pesquisador e profissional da área da comunicação, me fez quebrar paradigmas e preconceitos que eu trazia, mesmo sendo um garoto LGBT. Achei isso fantástico e transformador. Sou viciado em teatro, porque a cada processo teatral, me sentia renascendo e renovado. E foi a primeira vez fora do teatro que tive essa sensação produzindo a minha pesquisa, TCC e o documentário”, relembra Allyster.
Todo esse desenrolar levou Allyster a entender que o que estava fazendo já era performar como drag também. Foi aí que passou a falar, no mestrado, sobre o seu próprio processo. “Dentro do mestrado já não falo mais sobre o outro, falo sobre o meu processo enquanto artista que vivencia a arte drag e aí começo a explorar essas pessoalidades, porque se a gente for parar para pensar, cada drag é um universo muito particular. Dentro da minha pesquisa eu crio um ‘Eu Drag’, onde faço mapeamento das minhas pessoalidades do meu processo criativo”, conta.
E Allyster sabe a importância disso, até pela experiência pessoal. "Quando comecei a pesquisar, lá em 2016, tive muita dificuldade de ter um arcabouço teórico que me amparasse em relação à arte drag na minha cidade, acho que por ser uma arte que é muito incompreendida pela sociedade, até mesmo marginalizada digamos assim, os espaços não se abriam para esse tipo de artista e a academia também acabava sendo meio que uma barreira. A gente não encontrava trabalhos de drag que falavam sobre o seu próprio processo, porque é muito importante o artista que vivencia a sua própria arte falar sobre aquilo. Ele tem prioridade de falar sobre o seu processo criativo e não o outro. É o nosso lugar de fala enquanto artista LGBT, enquanto artista drag”, pontua.
Trabalho traz detalhes e atmosferas sofisticadas
Allyster Fagundes traz, na exposição, a expressão estética para dentro da galeria de tudo que vem pesquisando ao longo de dois anos dentro do programa de Pós-graduação em Arte da Universidade Federal do Pará (UFPA). No meio do processo de pesquisa, ele percebeu que além de gravar, produzia fotos, que poderiam compor uma exposição, e tinha objetos que foram denominados de "ilhas" dentro da mostra, coisas antigas que ele coleciona, e que poderão ser vistos na galeria.

Um espelho, uma cama, escrivaninha e uma banheira. O espelho representa o reverso, já o primeiro vídeo da exposição mostra o rito de passagem de um alguém que morre para renascer.
“O encontro com esses objetos significa muito mais que objetos e trago também uma referência muito forte que é a Ofélia, de 'Hamlet', que é como se eu morresse no final do filme, o vídeo tem essa referência. As pessoas vão ver como eu expresso artisticamente tudo que teorizei", explica.
“Sou totalmente influenciado por esses rios que me rodeiam, pela mitologia, pela encantaria, isso está tudo representado esteticamente nesse espaço. A exposição fala sobre essa fluidez como a água, e essa ligação que eu tenho”, define Allyster, para quem a exposição representa um marco para a comunidade drag belenense e demonstra que essa arte pode estar além dos palcos e casas de show.
“Allyster Fagundes realiza em sua pesquisa artística uma contribuição para o pensamento queer, ao mergulhar no seu Eu Drag que se materializa na prática performática do sereismo. Fruto de um sensível trabalho conceitual e estético, que se consolida em sua pesquisa de mestrado, borbulha aqui neste 1º lugar do Prêmio Branco de Melo. Sua instalação é uma delicada ode às ilhas que o compõem, rica em detalhes e atmosferas sofisticadas. É a arte como pesquisa que chega ao público com o frescor da brisa marinha e a força dos corpos que clamam por seu lugar de existência. Que seu canto entre em nossos ouvidos e nos faça ir mais além, enquanto seres humanos, ao aceitar o convite ao mergulho”, descreveu Orlando Maneschy, professor, artista e curador da exposição.
VEJA
Exposição "Revérbero", de Allyster Fagundes
Quando: Hoje até o dia 3 de janeiro, das 10h às 16h.
Onde: Galeria Theodoro Braga (Centur - Av. Gentil Bittencourt, 650 - Nazaré)
Quanto: Gratuito
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