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PRISCILA ZOGHBI

Experiências femininas conduzem “Essa Palavra Eu Não Falo”

A colunista de literatura do DIÁRIO fala na coluna desta quinta (22) sobre o livro de contos de Luiza Fariello

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Imagem ilustrativa da notícia Experiências
femininas conduzem “Essa Palavra Eu Não Falo” camera Ao mesmo tempo que o título nos diz “essa palavra não falo”, o livro emerge como um grito vindo das entranhas de mulheres invisíveis | Divulgação

Confesso que possuo meu pé atrás quando se fala em livro de contos, pois sempre tive a impressão de que assim que conseguia me conectar com o personagem, o texto chegava ao fim, me sentia órfã. Grande parte, confesso, por culpa única e exclusiva minha: preciso desenhar o personagem na minha cabeça, suas expressões, sentimentos. Então, quando comecei o livro de contos “Essa Palavra Eu Não Falo”, imaginei que não fosse me conectar com os personagens tão rápido.

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Adoro quando um autor me prova estar errada. Foi o caso de Luiza de Carvalho Fariello, ao longo dos seus 24 contos lançados pela editora Patuá. Não teve absolutamente nenhum conto que não me tocou, principalmente pelo sentimento de reconhecimento. Reconheci inúmeras mulheres que passaram na minha vida, que conheci, inclusive as várias versões de mim mesma.

Luiza Fariello aborda diferentes olhares e situações ligadas por um único fio condutor: experiências femininas. Todas as protagonistas são mulheres. Talvez seja por isso que eu não demorei mais de quatro linhas para desenhá-las na minha cabeça. Mas, aviso desde já, não é tão fácil decifrá-las. Cada conto possui uma peculiaridade e, se eu fosse você, não tentaria adivinhar o final: seguiria a corrente das palavras, se permitindo surpreender.

Conversando com a autora, ela me confessou que o livro demorou quinze anos para ficar pronto. Não fiquei surpresa, de forma alguma. Primeiro porque o livro apresenta-se totalmente maduro, completo. Ao mesmo tempo em que é possível perceber nas entrelinhas sugestões do efeito da passagem dos anos na própria autora. Em segundo lugar, porque eu demorei para conseguir finalizá-lo. Apesar de curto, eu necessitei de várias paradas para respirar. Entre a leitura de um conto para outro se passaram às vezes 5 segundos e até 10 dias.

Não é uma tarefa fácil finalizá-lo de um sopro só. E, com certeza, não recomendo que faça isso. A obra trata de assuntos importantes demais para serem vistos como coadjuvantes e lidos com pressa.

Luiza aborda temas viscerais, extremamente atuais, que, apesar de aparentemente adormecidos, são facilmente trazidos à tona. Entre eles, o trabalho invisível, o aborto, o abandono paterno, maternidade mescladas às (tantas) cobranças e expectativas relacionadas à mulher.

Ao mesmo tempo que o título nos diz “essa palavra não falo”, o livro emerge como um grito vindo das entranhas de mulheres invisíveis. Talvez seja esse um dos dons da autora, nos dar voz, a nós, mulheres de alguma forma invisibilizadas. Um dos pontos delicados abordados pela autora é o da maternidade, no conto que, me permitam dizer, mais me tocou, denominado “Flor e Lixo”.

A personagem principal, uma mãe, desenvolve e cultiva um segredo, algo simples, mas que subverte a ordem e expectativa social justamente por ser algo feito às escuras: pintar. Afinal, por que não contar ao marido e aos filhos esse passatempo? A personagem urge por desenvolver algo só seu, que esteja fora da esfera familiar, que a reconheça como indivíduo. Curioso pensar em quantas mães eu já vi serem repreendidas por fazerem algo para si mesmas, que não reflita em ganhos diretos para a família: seja fazer um exercício físico, uma viagem sozinha, um curso ou desenvolver um hobby.

O que mais me tocou foi o sentimento da mulher-pintora ao ser apreciada por olhos externos aos da família (independente de quem sejam). Talvez essa pintora tenha esquecido que pode ser apreciada e aplaudida para além do papel de mãe.

Da mesma forma que singelamente aprecio e aplaudo Luiza Fariello que, mesmo mãe de três filhos, deixou seguir seu lado pintora de palavras e nos brindou com essa obra, que apresento com tanto carinho.

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