O fotógrafo Sebastião Salgado, nome reconhecido mundialmente, tem encantado o público com a mostra imersiva “Amazônia”, que após passar por Paris, Roma e Londres, estreou em fevereiro no Sesc Pompeia (SP) e segue aberta até 31 de julho, prevendo ainda uma passagem por Belém no próximo ano. E com essas 200 fotografias sendo fruto de expedições fotográficas que ocorreram ao longo de sete anos, por terra, água e ar, naturalmente seus bastidores também podem ser de grande interesse do público.
Esse foi o mote para a concepção de uma segunda exposição: “Amazônia: o processo de criação de Sebastião Salgado”, aberta até 29 de maio, no Itaú Cultural (SP). O recorte conta com mais de 35 registros fotográficos feitos pela curadora Lélia Wanick, que também é produtora e mulher do fotógrafo, e o jornalista Leão Serva, que acompanharam Salgado em algumas de suas andanças pelo universo amazônico; além de fotos de Everton Ballardin, que registram os bastidores da montagem da exposição “Amazônia”.
Leão Serva conta que seus registros de Sebastião Salgado em ação na Amazônia foram feitos a partir de 2017, quando o fotógrafo decidiu passar a trabalhar com um jornalista que o acompanhasse e fizesse reportagens de texto sobre as expedições e grupos indígenas que estava fotografando. “Isso se deu porque depois de vários anos fazendo projetos na Amazônia, ele passou a sentir certa degradação no ambiente político brasileiro em relação às questões indígenas. E começaram a crescer os casos de garimpo”, relembra.
Naquele segundo semestre de 2017 houve a suspeita de que alguns indígenas isolados tivessem sido mortos por garimpeiros na Terra Indígena Vale do Javari, oeste do Amazonas, para o qual Sebastião estava indo visitar os índios Korubo. “Sou jornalista há muitos anos e como fiz antropologia como primeira graduação, tenho interesse nas questões indígenas e venho desde sempre cobrindo estas questões relacionadas tanto à cultura como à política indigenista. Nessa oportunidade, ele me ligou”.
A esta altura, Serva era colunista da “Folha de São Paulo” e, entre outros temas, publicava ali reportagens sobre garimpo na Terra Indígena Yanomami. “Eu fiz essa viagem, ele ficou feliz, achou que foi uma boa cobertura. Em decorrência do sucesso dessa primeira, fechamos um pacote que resultou em 10 cadernos com o tema ‘Sebastião Salgado na Amazônia’, foram dez cadernos de dez páginas cada na ‘Folha’. Isso fora outras eventuais reportagens fruto dessas viagens, foram mais de 100 páginas de jornal, o maior conjunto de cobertura sobre questões indígenas da imprensa brasileira desde sempre”, destaca.
Mesmo sem ser a intenção inicial, Serva, assim como Lélia, que às vezes acompanha o marido, acabou documentando como Sebastião trabalhava, o dia a dia das expedições. “E isso são fotos dele trabalhando, conversando, descansando. Algumas coisas me chamam atenção aleatoriamente, até pretendo ver se desenvolvo algo mais sistemático sobre isso”, divaga. “É impressionante, ver um homem entre 74-78 anos hoje, que tenha a energia que ele tem para o dia a dia do trabalho e em situações bastante desafiadoras”, lembra o jornalista.
“Nós ficamos, por exemplo, em um momento de temporada de chuva pesada na região do Vale do Javari, e não conseguimos atravessar uma série de árvores caídas. Nós tivemos que acampar no mato, eram sete da noite e a gente correndo para montar acampamento antes de chover, dormimos em um abrigo improvisado, e ele só bom humor, altivez. E tem o equipamento fotográfico que é bastante pesado, são duas câmeras, uma de lente maior e outra normal, e ele anda o tempo todo com elas, às vezes por horas. Essa energia, esse entusiasmo mesmo para o trabalho dele, é muito impressionante”, acrescenta.
“A fotografia dele torna aquilo majestoso”
Serva compartilha que, como economista de formação, Sebastião também aplica nas expedições a chamada “curva de sino”, gráfico em que a linha começa baixinho, vai subindo até o ápice e depois começa a descer de forma quase espelhada à subida. “Ele chega a um lugar, vai mergulhando naquelas imagens, que no primeiro momento são todas muito interessantes, e vai explorando os personagens dele, que podem ser animais, vegetais, os grupos culturais indígenas, vai produzindo imagens surpreendentes ao longo das semanas até chegar ao ápice da relação com aquilo tudo. A partir daí vai acabando a novidade, e ele sente que é a hora de ir embora. Ficamos em grupos indígenas algo entre 3 e 4 semanas, e dá pra ver perfeitamente isso ocorrer. Quando chega no final, ele fala ‘falta fotografar tal coisa’, faz aquela foto e encerra, nós partimos”.
Aos 72 anos, Serva conta que faz viagens regulares à Amazônia desde 1992, visitando grupos indígenas, passando muito tempo em barcos. “Essa expedição com o Sebastião foi uma epifania. Os grupos que eu conhecia eram de contato, como os Araweté e os Yanomami. Com o Sebastião, eu estive com os Suruwaha e os Korubo, que são índios de contato muito recente, então é um convívio de impacto cultural bastante intenso. E tem uma beleza da floresta vista de diferentes pontos de vista, em voos com o Exército, em barcos em rios de diferentes tipos, foi pra mim um grande impacto todas essas viagens. Eu acho que isso se reflete na exposição”.
Entre seus registros, Serva destaca a do exato momento em que Sebastião fotografava dois líderes Koburo. “Eles são fortes, dois guerreiros, e a foto do Sebastião [que está na mostra ‘Amazônia’, no Sesc] parece uma obra grega clássica, que coincide com o momento que eu o registrei. A foto tem um Korubo completamente pintado de vermelho em primeiro plano e o Sebastião do lado dele fazendo a foto dos outros dois”. Ele também destaca a imagem que fez de Salgado de dentro de um helicóptero fotografando um arco-íris sobre a floresta. “Esse arco íris está na exposição [Amazônia] e é lindo”.
Estar diante da mesma natureza e pessoas fotografadas e depois ver como isso se apresenta pela fotografia de Salgado, não deixa de surpreender o jornalista. “Me faz admirar muito a qualidade do olhar fotográfico, da fotografia que ele faz. É uma brincadeira que se faz quando você faz uma foto, um amador como eu, usando a máquina mais simples ou celular, e do lado tem um fotógrafo e sai muito bonito, a gente brinca ‘ah, mas é que a máquina dele é muito melhor’ (risos). Mas é essa mente fotográfica dele que é muito melhor, é admirável, então aumenta muito a admiração. A fotografia dele torna aquilo majestoso, maravilhoso”, elogia.
Prevista para 2020, mas adiada pela pandemia, a exposição “Amazônia” e seu desdobramento ao expor também os bastidores, chega em momento crucial, diz o jornalista. “O Sebastião começou a trabalhar nesse projeto entre 2007 e 2013, quando fez o povo Zo’é e outras expedições, ainda para o projeto ‘Gênesis’, de 2013. E depois passou a se dedicar quase oito anos ao projeto ‘Amazônia’. Durante esse período houve, por coincidência, uma grande degradação do ambiente político brasileiro sobre o tema ‘Amazônia’. E hoje tem uma atuação explícita de grupos criminosos invasores e todo tipo de crime sob a proteção oficial - seja por atos ou omissões oficiais contra os direitos indígenas e suas terras, notadamente as mais preservadas da Amazônia”.
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