No próximo dia 30, completam-se cinco anos da morte de Belchior. De lá para cá, a vida e o cancioneiro do artista cearense vêm passando por um processo crescente de redescoberta. Ao movimento de recuperação da obra do cantor e compositor, que já contava com livros, tributos em shows, musicais, blocos de carnaval e regravações por artistas contemporâneos como Emicida, Majur e Ana Cañas, soma-se agora um documentário.
“Belchior - Apenas um Coração Selvagem”, dirigido por Natália Dias e Camilo Cavalcanti, estreou na última quinta-feira (7), dentro da programação do festival É Tudo Verdade (disponível on-line na plataforma). O título do filme, uma junção do nome de duas canções bastante representativas do autor - o clássico “Apenas um Rapaz Latino-Americano” e “Coração Selvagem” -, é certeiro. Afinal, o longa-metragem apresenta a história a partir de um único ponto de vista, o de seu protagonista.
A infância em Sobral, no Ceará, numa família com 23 irmãos; a formação musical ouvindo de Luiz Gonzaga, João do Vale e Jackson do Pandeiro a Ray Charles e Paul Anka, no rádio dos vizinhos ou nos alto-falantes da cidade. A intimidade com a poesia de Rimbaud, Baudelaire e João Cabral de Melo Neto. Os estudos em colégio de frades (onde aprendeu “as coisas boas da vida: vinho, charuto e mulheres”), a ida para o “Sul maravilha”, a fome e o aperto de grana na metrópole. A vitória no 4º Festival Universitário de Música Popular com a composição “Na Hora do Almoço” e, enfim, o sucesso nacional. Tudo isso é contado pela voz de Belchior.
Mais do que se prender a relatos biográficos factuais, o filme tem como mérito revelar a maneira como o compositor encarava seu ofício, seu fazer artístico e, por consequência, sua visão de mundo.
Alguns depoimentos são lapidares. “Sou partidário de uma arte viva. Eu creio que estamos vivendo um tempo em que pessoas públicas se definem pouco, dão pouco opinião, manifestam pouco seus pensamentos. Eu creio que é uma responsabilidade do artista que assume uma posição pública manifestar-se através do seu trabalho e também como cidadão comum, como pessoa do seu tempo, interessada e conhecedora dos problemas.”
Não é ocasional, portanto, que a força de versos como “eu quero que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês” (de “A Palo Seco”) tenha surgido da cabeça do bardo de Sobral.
Em termos de linguagem audiovisual, a opção dos diretores em fugir do já gasto formato de “talking heads” - em que se monta uma espécie de jogral narrativo, enfileirando depoimentos de outras pessoas sobre o personagem central – é acertada.
Mas uma ou outra fala de figuras que conviveram de perto com Belchior, como Fagner, Ednardo e Rodger Rogério (o chamado “Pessoal do Ceará”, que furou a bolha do meio fonográfico do Sudeste em meados dos anos 1970), acrescentariam pontos de vista complementares ao do protagonista e mais ritmo ao documentário.
Mas Belchior não é uma voz solitária. Ao longo do filme, o ator Silvero Pereira aparece lendo poemas e letras do compositor. Há também um breve depoimento de Elis Regina e uma interpretação antológica dela para “Como Nossos Pais”.
Outro ponto positivo do documentário é evitar fazer um endeusamento gratuito do biografado. Além da complexidade do pensamento e da arte de Belchior - “dizem que sou uma mistura de Bob Dylan com Waldick Soriano” e “me chamam de Humphrey Bogart do sertão”-, o filme faz um contraponto ao apresentar o incômodo do compositor em períodos de ostracismo.
Por fim, de maneira breve, também é abordada a conhecida reclusão voluntária do autor de “Sujeito de Sorte” em seus últimos anos de vida. Parafraseando o hino do próprio poeta cearense, iniciativas como este filme contribuem para que a obra de Belchior não morra neste ano nem nos próximos.
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