Lembre-se, rapidamente, dos autores discutidos na escola, na universidade ou em outro ambiente educacional. Além disso, responda: quando você ouve ou lê a palavra “arte”, em que artistas pensa?
É, cara/o leitor(a), talvez você tenha pensado em autores e artistas europeus e/ou norte-americanos, não é mesmo? Para refletir e problematizar este colonialismo intelectual, há algumas décadas alguns pensadores e artistas latino-americanos fortaleceram o que hoje se chama de “decolonialidade”. Nesta corrente, a episteme eurocêntrica passa a ser problematizada e seu caráter de “guia” de todo o conhecimento criado/ reproduzido na América Latina passa a ser questionado e mesmo reduzido.
Nas artes, este movimento também ganha força e um paraense vem se destacando. Paulo Victor Santos Dias, o PV Dias, 28 anos, recentemente “inverteu” a lógica mais comum e ganhou destaque em uma exposição na Suíça, além de receber uma bolsa em uma incubadora de arte de Portugal.
Na Suíça, PV participa de exposição na galeria One Gee in Fog, em Genebra. Junto com a suíça Fatima Wegmann, a também paraense Mayara Yamada e curadoria de Danniel Tostes, a exposição foi aberta dia 04 de agosto e segue até dia 25. “Na mostra, apresento trabalhos que pensam vivências e criações de outras imagens a partir de pinturas coloniais do século XIX. Há dois trabalhos que fiz pensando na tecnologia ameríndia das redes e as suas relações raciais. Em outro, faço através da pesquisa que aborda perspectivas raciais nos espaços de socialização e lazer. Os três trabalhos surgem das intervenções em desenho digital que faço nas fotografias dos lugares por onde passo”, explica Paulo.
As obras do paraense, obviamente, não são frutos do acaso. “É, e sempre foi, tempo de se repensar práticas culturais e aspectos sociais em que vivemos. Hoje, podemos apresentar novas histórias, outras imagens e provocar uma reação crítica na história contada pelo cruel processo colonial. Por isso, é importante que esse processo decolonial seja realizado nas mais diversas plataformas, métodos e criações, como nas artes visuais, na literatura, na pesquisa acadêmica, no jornalismo e em outras áreas”, enfatiza o artista.
Com a exposição, PV espera apresentar seu trabalho “a quem ainda não conhece, pessoas que não falam meu idioma, não compartilham de experiências parecidas das minhas, mas que de certa forma podem ser impactadas com o que eu apresento em relação à pesquisa que eu faço e a minha prática artística. Já fiz alguns trabalhos no exterior, tenho alguns colecionadores também fora do Brasil, mas estar participando de uma exposição no outro lado do planeta é muito importante para o meu trabalho. Ter trocas mais amplas, dentro ou fora do nosso país, soma muito em todo processo artístico”, finaliza.
PORTUGAL
Também nas últimas semanas na Europa, PV Dias ganhou uma bolsa da Incubadora DAO, de Portugal, que reúne experimentações em artes e tecnologia. Atenta à precarização do setor cultural e do trabalho artístico (e tantos outros, reconheçamos...), o empreendimento busca soluções para ajudar a remodelar o ecossistema da arte tradicional utilizando modelos de finanças descentralizadas, como Blockchain e DeFi.
A seleção ocorreu em julho e podiam participar artistas de origem lusófona do planeta todo. Paulo, que possui outros trabalhos digitais, foi um dos 4 selecionados entre todos os inscritos. “Irei produzir obras 3D, e alguns trabalhos que usam a virtualidade como meio. Já queria aprofundar isto, e agora com a bolsa, conseguirei me dedicar a esses experimentos”, explica.
O ARTISTA
PV Dias nasceu em Belém do Pará e atualmente vive no Rio de Janeiro. O artista é comunicólogo, mestre em Ciências Sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e tem formação pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no programa Formação e Deformação, do ano de 2019. O paraense possui já integra coleções permanentes do Museu de Arte do Rio – RJ, Casa Niemeyer – UNB e Museu D’Água – PA.
Em constante processo de reflexão e (re)formulação, Paulo atualmente possui como referências Andrey Kasay sempre, membros do coletivo israelense Broken Fingaz, Nina Chanel, Rafael Bqueer. Márcia Falcão. Éder Oliveira. Mulambo. Laboyoung. Heloisa Hariadne. Jean Petra. Tadáskia. Herbert De Paz. Bonikta. PV também destaca “artistas da Figurative Bay Area, outros que conviveram na época do expressionismo alemão, como Ernst Ludwig Kirchner, que esses tempos, aliás, tenho ficado fissurado na obra dele. A maioria delas não necessariamente faz trabalho digital, mas sinto que influencia minha produção como um todo. Em temas, em traços, em cores”, sintetiza.
Nos últimos anos, foi destaque na revista eletrônica VICE; participou de exposição coletiva “Arte Naif: Nenhum Museu a Menos”, no Parque Lage-RJ, com curadoria de Ulisses Carrilho. No mesmo ano, foi destaque na Revista Dobra, de Portugal, e assinou a capa da antologia poética “Poesias para se ler antes das notícias”, da Revista Cult. Também integrou a exposição coletiva no espaço Caixa Preta, com curadoria de Rafael Bqueer e expôs no Instituto Goethe da Bahia, com curadoria do Tiago Sant’Ana e no espaço Pence, com curadoria de Silvana Marcelina.
Em 2020, foi convidado para desenha para o primeiro projeto de animação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o AniMAM, também trabalhou junto ao instituto novaiorquino Creative Time. No mesmo ano, participou das exposições: Estopim e Segredo no Parque Lage, com curadoria de Ulisses Carrilho, Gleice Kelly e Clarissa Diniz; Casa Carioca no Museu de Arte do Rio, com curadoria de Marcelo Campos e Joice Berth, e Tá me vendo? Tá me Ouvindo? Narrativas do digital, na Casa Niemeyer, com curadoria de Ana Avelar.
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Em 2021, PV abriu sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro: Desarmonia, com curadoria de Aldones Nino, na galeria Simone Cadinelli, além de ter participado de outras exposições, como “Inundada”, na qual foi premiado, no Museu D’Água, em Belém, com curadoria de Henrique Montagne.
Já em 2022, Paulo participou de exposição coletiva no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, com curadoria de Paulo Herkenhoff; de Sentido Comum, na Galeria Anita Schwartz; da exposição Zil zil zil, no Centro Helio Oiticica, com curadoria de Bruna Costa, Felipe Carnauba e Antonio Tebyriça. PV também integra o time de artistas amazônicos, sob direção artística de Roberta Carvalho que farão a NAVE, a grande instalação artística, de performances e expressões amazônicas contemporâneas no Rock In Rio.
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