A combinação de cores traçada em meio ao cotidiano do espaço urbano que tanto caracteriza a arte do grafite é capaz de transformar paisagens por onde passa e, ainda, modificar a rotina de uma comunidade. Esse efeito é sentido, na prática, nas ruas já coloridas pelas intervenções do projeto “Arte em Cores” que, por meio de chamada de seleção de artistas, dá espaço para diferentes expressões artísticas urbanas, desde o grafite, até o estêncil e a colagem.
Na mais recente edição do projeto, que recebe patrocínio do Instituto Cultural Vale através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, ruas de onze municípios dos estados do Pará e do Maranhão foram coloridas pela criatividade da arte urbana desenvolvida na região.
As propostas apresentadas pelos 50 artistas selecionados pela segunda edição do “Arte em Cores”, realizada em 2022, formaram uma enorme galeria em diferentes cidades, bairros e ruas do interior do Pará e do Maranhão. No Pará, as intervenções artísticas se concentraram nos municípios de Marabá e Parauapebas. Mais do que impactar a rotina das pessoas que transitam pelas localidades que receberam os murais, a iniciativa apresentou novas perspectivas também para os próprios artistas participantes.
Mesmo antes de aprender a escrever, o desenho já fazia parte da vida de Mário Eugênio Pereira Lobato de maneira muito ativa. Apesar da relação de intimidade com a arte desde muito cedo, até pouco tempo antes de se inscrever e ser selecionado para participar do “Arte em Cores”, ele ainda não tinha uma visão muito ampla de onde a arte urbana poderia lhe levar. Tudo mudou quando ele se viu, através do projeto, em contato com artistas que ele tinha como referência. “Era uma coisa muito habitual, eu levava mais como um hobby, mas esse hobby foi ganhando cada vez mais espaço dentro da minha vida”, lembra o artista, que assina como Oiram. “Quando eu conheci o projeto, ampliou a minha mente. Eu conheci pessoas que eu tinha como inspiração, comecei a ver isso como um trabalho e que, agora, já está me dando alguma renda”.
Durante a primeira fase do projeto, quando foram selecionados os artistas que fariam murais em espaços urbanos de onze municípios, Oiram produziu o mural intitulado “Gba biiYe”, que significa “leve como pena”, utilizando a técnica do grafite. Ele conta que escolheu fazer sua obra em uma região da cidade de Parauapebas que é muito bonita, mas que ainda demanda muitas melhorias. “Levar esse mural para essa região trouxe também essa perspectiva da arte para aquela área. Eu resolvi fazer nesse lugar, que eles chamam de Alto Bonito, para escancarar: ‘olha, a arte também está aqui!’”, conta. “Esse reconhecimento da arte urbana vem, também, através desses programas de incentivo porque, quando vem uma empresa como a Vale patrocinando a arte urbana, as pessoas que não sabem que aquilo que aquele rapaz está pintando naquele muro abandonado é arte, começam a mudar também o seu olhar”, completa.
Exatamente por se fazer presente em cenários do cotidiano das cidades, a arte urbana guarda como característica essa interação muito próxima com o público. Da mesma forma que Oiram, a artista Fransuelle Santos, também selecionada pelo “Arte em Cores”, observou isso muito de perto durante todo o processo de produção de sua obra, intitulada “Flona”. “Além de alegrar o local, de levar uma cor, tem a questão da representatividade. Como a gente utilizou temas da região, a gente valorizou as pessoas. Quando a gente estava pintando, o pessoal ia lá, comentava, achava bacana”.
Na primeira fase do projeto, quando pintou o próprio mural utilizando técnicas de grafite, Fransuelle fez questão de escolher um muro em um bairro do município de Parauapebas onde ela não observava a presença de intervenções de arte. “Escolhi o bairro de Nova Carajás. A gente vai ver artes aqui na parte de Carajás, Cidade Nova, mas lá eu não tinha visto ainda. Então, peguei um mural e quis contextualizar a fauna e a flora da nossa região de Carajás, a onça, a arara, flores daqui também, como a Flor de Carajás”, detalha.
"A pintura feita na rua só existe porque tem esse público que se vê, de certa forma, projetado naquelas histórias que são contadas nas ruas, nos painéis, nos murais”. Bino Sousa, artista visual.
SOBRE O PROJETO
Por meio de chamada de seleção de artistas, o “Arte em Cores” busca dar visibilidade a jovens talentos e artistas já reconhecidos do interior dos estados do Pará e do Maranhão, contribuindo, por meio do trabalho deles, para transformar cenários urbanos com cores e criatividade destes artistas.
- Para que esta realização fosse possível, foram distribuídos mais de R$120 mil em premiações e ajuda de custo, além de capacitação e acompanhamento dos artistas André Amparo e Fhero.
- Os 10 artistas que mais se destacaram foram convidados a construir, coletivamente, um grande mural nas cidades de Alto Alegre do Pindaré (MA) e Marabá (PA).
- O projeto “Arte em Cores” recebe patrocínio do Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
- É possível conferir a exposição virtual das obras do projeto “Arte em Cores” no site.
Projeto criou novas oportunidades para artistas
INTERAÇÃO
Apesar de já ter trabalhos presentes em diversos muros da cidade, Fransuelle considera que a interação proporcionada pelo “Arte em Cores” tem uma importância muito grande não apenas para as comunidades que recebem tais expressões artísticas em seus bairros, mas também para os artistas. “Para mim foi muito importante porque nós trabalhamos em equipe quando foi feita a última arte, em Marabá, então, a experiência foi ótima”, avalia. “Nós tivemos oficinas lá também e a gente percebia que o pessoal que participava, abraçava mais a arte, acumulava um conhecimento maior sobre materiais, então, isso acaba influenciando as pessoas. Quando quem está fora do projeto vê esse cenário, esse projeto acontecendo, isso leva a pensar que a arte é uma oportunidade”.
A oportunidade de fazer parte desse cenário foi abraçada também pelo artista Bino Sousa, que mora no município de Marabá, outro a receber as intervenções do projeto “Arte em Cores”. Com uma carreira de mais de 20 anos na arte e na pintura, ele também destaca a importância do público no processo de produção e de existência da arte urbana. “Eu acho que o grafite, a arte urbana faz parte daquela comunidade, daquele espaço. A pintura feita na rua só existe porque tem esse público que se vê, de certa forma, projetado naquelas histórias que são contadas nas ruas, nos painéis, nos murais”.
Para o mural que integrou a primeira etapa do projeto, Bino escolheu um espaço no bairro Novo Horizonte, em Marabá. Entre as cores que estampam a obra de 15 por 3 metros, intitulada “Memória de Beira”, o que se vê é a grande referência aos rios, uma temática que o artista já costuma abordar, destacando a cultura da própria cidade. “O meu trabalho tem um vínculo muito forte com a Amazônia, com o Pará especificamente. Ele fala sobre os rios, sobre a nossa fauna, sobre a nossa flora, sobre os costumes desse povo, as riquezas daqui”.
Com esse trabalho, Bino foi um dos 10 artistas selecionados entre os participantes do “Arte em Cores” para compor uma segunda fase do projeto, que consistiu na elaboração de dois painéis coletivos, um localizado na cidade de Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão, e o outro em Marabá, no Pará. Para o painel de Marabá, além de Bino, Fransuelle (que na época assinava como Franart) e Oiram, também foram selecionados os artistas Carla Bianca e Bosco. “Nós fizemos a divisão dos desenhos, cada artista ficou com uma parte e eu fiquei com o desenho que tem uma criança com um cambo de peixe. Inclusive, essa é uma cena que ainda existe no bairro do Cabelo Seco”, conta. “O desenho foi feito a partir de uma fotografia que foi tirada de uma exposição de arte na Galeria de Arte Vitória Barros, do Ver a Cidade, que eu já conhecia há muito tempo”.
A criação do grande mural, com aproximadamente 150 m², foi coordenada pelo artista visual Fhero. Integrando as ideias de todos os cinco artistas participantes, o mural está localizado no Mirante da Orla, no bairro Francisco Coelho, mais conhecido como Cabelo Seco, onde é possível ver o encontro dos rios Tocantins e Araguaia. “Sempre que a gente vai na Velha Marabá a gente vê as pessoas tirando fotos lá. É muito bom saber que o público se encontra ali, que ele acha uma identidade com aquele local, no pontal da cidade, onde a cidade nasce”, finaliza Bino Sousa.
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