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PATRIMÔNIO CULTURAL

Dona Onete é reconhecida como patrimônio imaterial do Pará

Dona Onete fala do reconhecimento como patrimônio imaterial do Pará e sonha com uma casa para abrigar carimbozeiros em Belém.

Imagem ilustrativa da notícia Dona Onete é reconhecida como patrimônio imaterial do Pará camera Dona Onete quer elevar ainda mais o carimbó com seu novo disco. | Divulgação

Faz tempo que Dona Onete é rainha, cruzou fronteiras, encantou outras paragens com suas letras cheias de sutileza, com seu jeito de cantar “chamegado”. Já madura, chegou ao sucesso, emplacou tema de novela, turnê internacional, se viu reconhecida como mestra da cultura, como estrela da música popular brasileira temperada com os ritmos do Norte, do jeito da gente, como gosta de dizer. Faltava só a formalização de que ela é, para nós, um patrimônio da música paraense. Agora não falta mais.

Na última quarta-feira, 6, a obra musical de Ionete Ferreira Gama, a Dona Onete, foi oficialmente declarada patrimônio cultural e imaterial do Pará, com a aprovação do Projeto de Lei Nº 54/2023, de autoria do deputado Elias Santiago (PT), na Assembleia Legislativa do Pará. Em sua justificativa, o parlamentar ressaltou que a artista rompe uma maligna tradição de se ver reconhecidos apenas homens. Também citou que Dona Onete, de forma importante e positiva, fala em suas músicas da sedução e da vida sexual de pessoas maduras.

Sim, Dona Onete é cheia de amor. Distribui beijos a todo momento, agradecimentos. Quando comenta a homenagem conferida a si, se mostra orgulhosa, mas deixa claro em cada resposta que sente muito mais que o carimbó, a música e a cultura paraense é que foram homenageados e não somente ela. Aos 84 anos, passando por cima dos percalços que a saúde às vezes implica, resplandece energia para levar adiante muitos planos. Está finalizando disco novo, voltou a viajar para shows – depois de ter sido grande atração do Dia da Amazônia em Alter do Chão, no último dia 5, segue para o Rio de Janeiro, no próximo dia 23, para puxar o Festival Pará no Museu do Pontal, espaço dedicado à cultura popular – e tem sonhos grandes para puxar consigo seus companheiros de luta pelo carimbó: quer ver nascer em Belém um espaço capaz de abrigar aos mestres e mestras de carimbó de todo o estado tal qual um coração de mãe, para que de lá possam ser apreciados pelo mundo.

A seguir, a entrevista que Dona Onete concedeu por áudio ao Você:

P: Como se sente com a homenagem em forma de lei aprovada pelos deputados paraenses?

R: "Eu fui pega até de surpresa. Falaram para mim há muito tempo, mas até esqueci. Minha neta que me disse e fui ver, era verdade. Como é bom saber, principalmente assim de surpresa. Mas não sou só eu que faço carimbó, tem muitos velhinhos aí que estão batendo, mais antigos que eu, que estão aí. Eu tenho 84, tem gente que tem 90, 95 anos e ainda não foi reconhecido. Mas já é uma parte boa ter acontecido isso comigo, porque a minha luta também é muito árdua. Eu viajo fora do Brasil, divulgando, cantando as músicas, são todas minhas composições autorais, e a gente está indo muito bem, é aplaudida muito bem. Eu espero que vocês gostem mais... os versos são bonitos, feitos para as pessoas, não agridem ninguém, não prejudicam nada com criança. A criança canta, não precisa se esconder, porque o carimbó tem essa vantagem, só fala de amor. E eu continuo falando de amor e estou caindo de amor por vocês".

Dona Onete quer o carimbó em união

P: Acredita que ter sua obra transformada em patrimônio pode repercutir em mais valorização e divulgação junto a outros públicos, como jovens estudantes?

R: "É isso que me sustenta, que me eleva mais. Já ouço muito, já sei muito que na Universidade Federal do Pará, na Uepa, em escolinha de criança, todos fazem textos sobre minha música, cantando para as crianças, falando. Porque eu procuro, na minha letra, não ofender. No carimbó, constantemente a gente fala um português da gente, caboclo. Mas eu, como canto chamegado, digo diferente, falo diretamente às vezes o português, e se alguma vez eu não falo, é porque a música exige isso. A nossa música é regionalista demais, é feita de coisa da gente, é o tempero da gente, e eu quero sempre colocar o nosso tempero. E não quero que ninguém venha colocar mais sal, mais limão. É o nosso ritmo mesmo, gostoso de dançar. O carimbó já era patrimônio e agora vou procurar nesse meu CD elevar ainda muito mais esse carimbó do Pará".

P: A senhora tem levado a bandeira do Pará a muitos outros lugares, quase como que uma embaixatriz do Estado, a partir da sua música. Já se deu conta desse papel? Fica feliz em realizá-lo?

R: "Eu quero que vejam o Pará pelo que ele é. A nossa bandeira é uma bandeira de luta. Tem várias cores. Apesar de ser vermelha, branca e azul, no meu carimbó, eu faço dela uma mistura, um remanso de cultura. Acho que só há pouco tempo me dei conta, sim [desse papel], quando me convidaram para cantar nos Estados Unidos, na Times Square, e eu disse ‘eu já fui’, e no Empire State também, eu cantei, e me arrependi de não ter levado a bandeira do Pará para colocar lá naquela altura e dizer: vencemos. Já pensou chegar lá naquele alto e cantar o “Pitiú”? Não é fácil. Foi quando vi onde nós chegamos. E em outros países muito longe, porque até na terra do Papai Noel ir cantar o carimbó, já é uma força. E o povo dança, é uma dança que agrada todo mundo. Um beijo nesses corações brasileiros e paraenses que gostam de dançar! E vamos lá no Pitiú!"

P: A senhora acredita que há um clima de “descoberta” do carimbó e da musicalidade da Amazônia nesse momento no Brasil?

R: "De descoberta não, porque muita gente já canta há muito tempo. Todo mundo conhece música de mestre Lucindo, mestre Cupijó, de mestre Fabico, de todos os mestres... Damasceno, e mestres que já se foram e já deixaram contribuição deles. Outros compositores novos, como mestre Pelé... Eles deixaram sua contribuição, agora outros estão preservando. E as mulheres... Já pensou as Sereias? Um grupo só de mulher cantando, ultrapassando esses limites que custei muito a ultrapassar, mas consegui, e elas também estão conseguindo, porque também são compositoras. Temos aqui na [bairro] Pedreira um grupo de carimbó que luta com dificuldade, temos o Coisas de Negro, temos a Maria do Ó, outra amiga minha que luta muito, a Déa Palheta, que é veterana, e agora também quero fazer um pedido: vamos arrumar um terreno, fazer uma casa para o carimbó. Já pensou esses turistas que chegam aqui e já trazem até saia na sacola, mas não têm onde dançar o carimbó? Já que me deram esse patrimônio, me arranjem esse pedacinho de terra para os carimbozeiros, para abraçar essa gente quando vem para cá. Que não seja de ninguém, seja do carimbó".

P: A senhora se tornou um grande sucesso popular já na idade madura. Como isso se reflete na forma com que pensa sua carreira? Ao mesmo tempo, também está sempre em contato e colaboração com artistas muito jovens. O que isso lhe traz criativamente?

R: "Nessa hora eu lido com os jovens é que eu volto para o meu tempo de professora, de saber as gírias, de saber conversar com eles, e saber dizer para eles como é que se pode chegar com esse carimbó que já é patrimônio. É cantando versos bonitos, é tocando nosso saxofone, nossa maraca, nosso banjo, nosso milheiro, com nosso tamborzão de sentar. Numa noite de carimbó, a mulher vira flor, e o homem beija-flor, é a poesia do carimbó".

P: Quais são as metas de Dona Onete neste momento, falando de carreira e vida pessoal?

R: Estou fazendo meu quarto CD, estou viajando, depois de um problema de saúde. Já fui fazer em Alter do Chão o [festival] Amazônia em Pé, porque queremos a floresta de pé mesmo. E essa luta, estou muito entusiasmada com esse acontecimento aqui no Pará [as discussões em torno da COP-30]. Eu estou só meio preocupada porque a gente precisa se unir mais, a gente tem agora que esquecer tudo e ajudar, para mostrar o bonito. Porque chegar na Amazônia e dizer, “ah, eu fui lá e não vi nada, o que Dona Onete falava, não tinha”, vai fazer vergonha para mim, porque eu falo muito, floreio, coloco muito açúcar, muito mel, muito jambu, mexendo com tudo, e chegando aqui, não tinha nada? Não, gente! Não é só esse carimbó que a gente tem. Nós temos outras músicas para mostrar para o pessoal, para dançar. Mas já que estamos falando de carimbó, vamos dar mais um alento. Será que estamos precisando de um caribó? (risos) Precisa mais é de união, carinho, e nós mesmos nos valorizarmos, e valorizarmos o nosso caboclo que só pode ser valorizado se puder chegar em Belém e ter um lugar que puder pisar e dizer “isso aqui nos pertence, aqui nós vamos descansar e fazer carimbó”. Um beijo!

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