
Nesta sexta-feira, 25, comemora-se o Dia da Gastronomia Paraense. Aprovada em 2016 pela Assembleia Legislativa Paraense, a data é dedicada ao aniversário natalício de Anna Maria Martins, que hoje completaria 100 anos. Mãe do chef Paulo Martins e criadora do restaurante Lá em Casa, Anna é um símbolo de força e potência da culinária amazônica. Seu legado passa de geração a geração trazendo o talento para a cozinha afetiva, marcada pela simplicidade.
O jornalista e publicitário paraense Fernando Jares conheceu a matriarca da família Martins por volta de 1972, quando o Lá em Casa surgiu. Ele conta que gostou tanto do sabor da comida que se tornou um frequentador assíduo e manteve um relacionamento longevo de amizade com Anna e toda a família Martins. “Eu a conheci bastante porque eu era uma figura carimbada no Lá em Casa. A dona Anna cativava quem a conhecia, ela era sinônimo de felicidade que se resumia num tripé que eu criei: sorriso - ela tinha um dos mais belos sorrisos que eu conheci na vida-, o talento e a competência para desenvolver esse talento na cozinha, de forma que se tornou, desde os anos 1970, uma referência da gastronomia paraense”, descreve Fernando Jares. O jornalista teve uma participação grande no projeto “Uma história de Belém”, ao lado do jornalista Elias Pinto, do DIÁRIO, numa publicação sobre a trajetória de Anna Maria, em seus 80 anos.
Ela não só sabia cozinhar, diz Jares, mas também como orientar as pessoas na cozinha. “Todos os dias, ela andava de mesa em mesa, conversando, dando as boas-vindas. Ela sempre era de uma gentileza muito grande no trato com as pessoas”.
Anna Martins foi a primeira pessoa do Pará, segundo Fernando Jares, a receber meia página do “The New York Times”, onde ela apresentou as maravilhas da cozinha amazônica. “Em poucos anos, depois da reportagem histórica, o Lá em Casa já constava em todos os guias de turismo do mundo. Também veio a Belém, naquela época, um cozinheiro que era um dos mais famosos do mundo, chamado Paul Bocuse, para conhecer a cozinha amazônica da dona Anna Maria Martins. No Brasil, alguns anos atrás, veio o chef Alex Atala, que reconhece que foi no Lá em Casa que ele aprendeu a fazer comida amazônica e já criou um monte de coisas novas a partir do que aprendeu aqui”.

NOVA COZINHA PARAENSE
“Filho de peixe, peixinho é”. O dito popular se torna bem mais adequado quando se lembra da figura de Paulo Martins. Criador do arroz paraense, um dos pratos mais populares do estado, entre tantos outros, Paulo Martins foi o primeiro chef paraense a levar a culinária e os ingredientes paraenses para fora do Pará. “Para mim, ele foi um arquiteto da nova cozinha paraense porque ele foi criado nesse ambiente, acostumado a levar os colegas para comer na casa dele porque o tempero da dona Anna era uma maravilha. Assim surgiu o nome do restaurante: ‘aonde é que nós vamos?’, perguntava alguém, ao que Paulo respondia: ‘vamos lá em casa’. Era o lugar que todo mundo queria ir”, conta Fernando Jares.
A partir do momento em que foi descobrindo que tinha o dom também de fazer criações na gastronomia, se destacou. “Ele popularizou a forma de usar o jambu, por exemplo. Antes de Paulo Martins, o jambu só estava presente numa cuia de tacacá e numa terrina de pato no tucupi. Ele levou o jambu para fazer o clássico arroz de jambu. O arroz paraense foi criado por ele também, que no início era arroz de tacacá, mas o nome não foi bem aceito e ele mudou. Paulo Martins criou pratos autorais que se tornaram pratos típicos da culinária paraense”, reitera.
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Considerado até hoje o grande “embaixador da culinária amazônica”, Paulo se empenhava em divulgar os sabores locais, produtos e receitas, não só para nomes da gastronomia nacional, como Atala, como da cozinha internacional, como o catalão Ferran Adrià.
“Tudo isso ele trouxe da dona Anna. O forte dela era a cozinha caseira, que tinha um sabor incomparável. Logo, ela foi descobrindo que fazia muito bem os pratos da culinária paraense e, naquela época, os restaurantes não tinham essa comida. Era a chamada ‘cozinha internacional’ que tinha o selo de qualidade”, destaca Jares, para quem a terceira geração da família mais tradicional da gastronomia paraense não deixa a desejar. “Ela deixou um legado que continua com o trabalho das netas. Elas estão fazendo um trabalho de primeira”.
Legado perpetuado pelas netas
Uma das filhas de Paulo Martins e neta de Anna Maria, Joanna Martins é pesquisadora em cultura alimentar e sócia-fundadora na Manioca, empresa dedicada a alimentos derivados da mandioca que hoje está em 500 pontos de venda no Pará, São Paulo e Paraná. Ela também é diretora do Instituto Paulo Martins, focado no alimento amazônico, tanto na educação quanto na promoção e divulgação. É o Instituto hoje o responsável pelo Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, criado por Paulo Martins, já com 14 edições realizadas, e que voltará a ocorrer em setembro, depois de um intervalo de seis anos.
“Digo que a gente tem tucupi na veia e não sangue. Esse amor todo que a nossa avó tinha pela comida e pelo ato de receber as pessoas, essas referências seguem com a gente”, diz Joanna.

Daniela Martins, a outra neta de Anna Maria e filha de Paulo, também é chef de cozinha e propaga o nome do Lá em Casa em um serviço de catering, além de ter uma empresa de congelados. “Eu e a Dani continuamos esse trabalho de forma diferente, cada uma de um jeito. Não à frente do restaurante, mas as duas continuam trabalhando com alimento, com a Amazônia e com hospitalidade de alguma forma. Então essa semente que a Anna Maria plantou está germinando, virando árvore”, diz Joanna.
“Sempre que a gente fala deles, a sensibilidade vem à tona. Amanhã [hoje] é uma data especial e é importante que a gente reconheça o trabalho que ela fez”, diz, lembrando o centenário de Anna Maria e o fato do aniversário dela se transformar em Dia da Gastronomia Paraense. “Ficamos muito gratos pelo reconhecimento porque de fato foi ela quem começou todo esse movimento há 50, 60 anos. Quando ela começou, não se dava valor para a nossa culinária, todo mundo comia, mas não era valorizada. Então ela foi quem começou esse movimento, que meu pai depois deu continuidade e que hoje tem muitos outros profissionais levando adiante. Se hoje a gente tem tanto orgulho da nossa culinária e recebe tanta gente na nossa cidade por causa da nossa culinária, é porque esse movimento vem acontecendo há 50 anos. É importante resgatar essa memória”, considera.
Do ponto de vista nacional, Joanna acredita que Belém já se destaca como um destino de turismo gastronômico, mas vê muitas portas para crescimento, dentro do Brasil e fora dele. “A gente tem um cenário pulsante. Há dez anos, se a gente tinha dois restaurantes em Belém que serviam comida paraense, era muito. Hoje são pelo menos uns 10, mostra que o mercado está sendo interessante. Com certeza a COP30 será um estímulo para uma divulgação internacional, e acho que depois do evento é que as coisas vão mesmo começar: com a vinda de tantas pessoas, a possibilidade de conexões que a gente tem é gigantesca. Mas há um espaço grande de expansão ainda dentro do nosso país.”
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