Acordou, está pronto. Esse é o conceito por trás de pijamas como os que Tiago Abravanel não tirava do corpo no Big Brother Brasil, mesmo acordado e fora da cama, e das sandálias com grandes tiras acolchoadas que Linn da Quebrada vestiu para uma festa e virou meme nas redes sociais depois que Dani Calabresa usou bexigas para tentar recriar o sapato em seu esquete no reality.
Para quem não acompanha as passarelas ou os blogueiros fashionistas, pode até parecer que Abravanel e Linn só queriam economizar uns minutinhos e estender a soneca ao invés de gastar tempo se vestindo, mas, na verdade, os pijamas e as sandálias-travesseiro, como aqueles sapatos são chamados, estão em alta na indústria da moda.
É que, mesmo que quarentena já tenha se tornado uma palavra quase inexistente no nosso vocabulário, a cama está invadindo as ruas. São as mesmas peças que, nas fases mais agudas da pandemia, viraram uniforme para quem, preso dentro de casa, não queria se deixar levar pelo desleixo, mas tampouco abrir mão do conforto do home office.
"Por que não podemos usar nossa roupa mais confortável para sair? E por que temos que usar a mais desleixada para dormir?", pergunta Vivian Abravanel, irmã e sócia de Tiago na T_Jama, a marca de pijamas criada pelo ator há três anos. "Na pandemia, as pessoas descobriram que podem aparecer com um pijama numa 'call' ou ir ao supermercado e ao restaurante sem precisar se trocar nem estar desconfortável", acrescenta Lígia, a outra irmã e sócia.
Diferentemente de uma camiseta velha e rasgada ou de uma camisola com fendas e rendas hipersexualizadas, pijamas como os da T_Jama são feitos para transitar da cama para o escritório, o que já vinha em alta há alguns anos, com o "loungewear" e o "slip dress", mas que ganhou ainda mais impulso durante a pandemia a partir da demanda por conforto.
As vendas da T_Jama cresceram 40% desde janeiro, quando Abravanel entrou no BBB, mas o interesse do público vai além da influência do reality show. É o que aponta o relatório anual de tendências do Pinterest, a rede social favorita dos fashionistas para a descoberta de ideias.
Entre os 400 milhões de usuários do aplicativo, camisolas e conjuntos de cetim e seda femininos tiveram oito vezes mais buscas no ano passado, enquanto a procura pelas versões masculinas dobraram.
Para além dos muros da casa mais vigiada do Brasil, o estilo caiu no gosto de figuras como Victoria Beckham e Sarah Jessica Parker, que desfilam com seus pijamas pelas ruas cosmopolitas de Londres e Nova York, e inspirou grifes como a Dior, que lançou no fim do primeiro ano pandêmico uma coleção dedicada ao "loungewear", batizada "Chez Moi", ou na minha casa, em francês.
As diferenças visuais entre as marcas são visíveis a quarteirões de distância. Grifes como a Dior tendem a apostar em cores como azul, bege, cinza ou salmão, que trazem sobriedade às peças, ainda que as estampas sejam elementos como constelações e mapas-múndi.
A T_Jama e suas concorrentes, por outro lado, normalmente investem no que há de mais vibrante, criando estampas que, além de abusar das cores mais intensas, têm curvas infinitas, boa parte delas abstratas.
Pode parecer brega, como muitos comentaram nas redes sociais quando Tiago Abravanel entrou no BBB. Mas não tem problema, diz Vivian, sua irmã. "Nosso cliente não se preocupa em ser brega. Ele é livre e não liga para a opinião alheia. Ele é disruptivo e quer se comunicar com a roupa. Num dia em que está mais alegre, põe uma estampa mais colorida, como se a moda fosse um espelho de si."
Brega é um adjetivo que os detratores também usam com frequência para descrever as sandálias-travesseiro de Linn da Quebrada –ou "pillows", como também são chamadas. A estilista Simone Oshiro, que diz ter criado o conceito, pelo qual luta na Justiça para registrar uma patente, recorda que as críticas vieram desde a primeira vez que ela fez o sapato, em 2016.
Galeria Veja fotos das sandálias-travesseiro, as pillows, da Room Peças estiveram em destaque em desfile da Soul Básico, grife dedicada ao vestuário masculino, "Era uma peça esquisitíssima, completamente fora de proporção, tanto que o fornecedor me disse que não pararia sua produção para fazer um sapato que não venderia uma peça. Como ele era meu parceiro, fez um para mim e um para minha ex-sócia. Eu também achava que não venderia, mas uma amiga viu e quis, outra viu e quis, uma editora de revista também, aí virou moda."
As "pillows" de Oshiro, que custam a partir de R$ 1.000, são encontradas em poucas lojas no Brasil. Elas fizeram a cabeça dos gringos a partir de 2017. Foi quando a WGSN, uma empresa britânica que prevê tendências, publicou um relatório que incluía os sapatos. Desde então, eles rodaram 16 países e chamaram atenção de grifes como a Cult Gaia, que fez uma parceria com a brasileira e a levou para mais de 300 pontos de venda mundo afora.
Virgínia Barros, de uma grife de sapatos que leva seu nome, é outra estilista que investe nas sandálias-travesseiro, vendidas por até R$ 300. São delas as que passaram pelo desfile virtual da São Paulo Fashion Week no ano retrasado, nos pés das modelos da Apartamento 03, e as que Linn usa no reality show da Globo, o que fez sua produção triplicar. "A turminha da moda já usava essa sandália havia anos, mas o grande público foi conhecer só no BBB, principalmente quando Dani Calabresa tentou imitar com uma bixiga", diz.
A inspiração, Barros diz, vem do que o italiano Salvatore Ferragamo, criador de uma das grifes de sapato mais prestigiadas do mundo, fazia nos anos 1950 ao apostar em alças acima da proporção usual. "Ninguém está inventando a roda. O nome é novo, mas a ideia é antiga."
Oshiro, por outro lado, diz que sua grife, a Room, é inspirada no mobiliário doméstico. "É uma marca criada antes do coronavírus, mas que fez mais sentido na pandemia, quando crescemos 320%. Como fico entre São Paulo, Lisboa e Milão, perdi a referência do que era deitar na minha cama. Por isso, os objetos que dão a sensação de estar em casa é o que me inspira. Uso a sandália em qualquer lugar, então é como se ela fosse meu travesseiro."
É o mesmo sentimento que Laura Miquelin, a coordenadora de estilo da marca dos Abravanel, diz buscar quando cria os pijamas. Por isso, ela evita materiais como poliéster, menos confortáveis, e aposta em algodão, elastano, malha e moletom, mais maleáveis. "É importante que você sinta que a peça esteja abraçando você", diz.
O Observatório de Sinais, escritório brasileiro especializado em diagnosticar tendências, atribui a alta dos pijamas e das "pillows" ao interesse por cuidado e conforto que a pandemia gerou nas pessoas, o que vai dos selfies no Instagram para celebrar a vacinação às artes. Prova disso é que, para além da moda, o último Festival de Arquitetura de Londres teve "cuidado" como tema, com destaque para móveis arredondados, sem nenhuma aresta ou ponta, como aqueles em que se inspira Oshiro, a criadora da Room.
Sejam móveis, sejam roupas e sapatos, são peças "que abraçam e confortam as pessoas", nas palavras do sociólogo Dario Caldas, diretor do Observatório de Sinais. Elas vêm, ele diz, na mesma esteira dos sliders, como aqueles que Marcos Mion vestiu para apresentar o Caldeirão e os que Kanye West produziu em parceria com a Adidas, e dos Crocs, que antes eram chacota, mas nos últimos anos viraram itens fashionistas.
"É uma estética que para muitos está no limite do mau gosto, mas, para além do desejo por conforto, vem da informalidade que os jovens tanto buscam, principalmente os millennials e a geração Z. Vem também da redefinição do que é ou não privado", diz o sociólogo. "Pijama é para ser usado em casa, ou seja, dentro de um ambiente privado, mas isso muda a partir do momento em que a vida privada começa a ser exposta nas redes sociais."
Outro fator que fortalece este movimento estético, chamado por muitos de "chubby" –ou gordinho, em inglês– é a inclusão, de acordo com a estilista Yamê Reis, que coordena o curso de moda do Istituto Europeo di Design, o IED, do Rio de Janeiro.
Isso porque são peças que cabem em qualquer corpo. As "pillows" da Room e de Virgínia Barros, por exemplo, vão do número 34 ao 47, enquanto os pijamas da T_Jama vão do PP ao 5G.
Sem gênero, são produtos feitos sob medida para uma era em que as fronteiras do que é masculino e do que é feminino são redefinidas e, por vezes, até destruídas, no caso dos não binários, que não se identificam integralmente nem com um gênero nem com o outro e têm uma linguagem própria, a do "ile" e do "elu", que já se espalhou pela cultura pop. Com isso, os mesmos sapatos da Room usados por mulheres no desfile da A. Niemeyer, grife dedicada à moda feminina, também estiverem no pé de homens no da Soul Básico, especialista no vestuário masculino.
"O conforto, na verdade, está por trás da quebra de padrões de gênero, porque, quando a roupa tem como objetivo principal ser confortável, ela sai do padrão feminino mais antigo, que é aquela roupa muito justa, com a silhueta e a cintura hiperdemarcadas. E, quando a gente fala de roupa confortável, falamos de roupa mais larguinha, ou seja, que cabe em qualquer corpo", diz a professora.
"Estes são atributos longevos, eu acredito, assim como as saias transpassadas, que vieram para ficar. Ela cabe em qualquer um -magro ou gordo, homem ou mulher-, porque, por ser aberta, de amarrar, ela se ajusta para cima, para baixo e para os lados. É uma modelagem muito aceita entre as novas gerações, porque quebram tabus."
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