“Hoje tem carimbó no Céu!”. Assim foi comunicado nas redes sociais que este ritmo genuinamente paraense perdia uma de suas maiores referências, o mestre Dico Boi, de Santarém Novo. Aos 76 anos, ele havia construído uma bonita trajetória como mestre da Irmandade de Carimbó de São Benedito e líder do grupo de carimbó Os Quentes da Madrugada, conhecido por animar a festividade até o amanhecer. Formador de gerações do carimbó, era um especialista em seu instrumento, o curimbó.

“Este ano já não ia ter o carimbó por causa da pandemia, porque sempre atrai muita gente e não poderia formar aglomeração. Sem ele, aí que não vai ter mesmo, o barracão está de luto”, diz Theo Loureiro, presidente da Irmandade de Carimbó de São Benedito. Dico Boi, que era diabético e teve complicações renais, faleceu na tarde de sexta-feira, 21, resultado também da falta de tratamento de uma inflamação na próstata, por resistência do próprio mestre em procurar ajuda médica, segundo Solange Bragança, membro da Irmandade.

Ela também conta que desde o diagnóstico, no ano passado, o músico já estava muito debilitado. E mesmo desta forma, estava presente na festividade e nas apresentações d’Os Quentes da Madrugada, tocando nem que fosse ao menos durante uma parte, sendo então substituído por um dos músicos a quem ensinou sua famosa batida. Desde criança, Dico Boi fazia parte da Irmandade, influenciado pelo pai. “Tem um vídeo em que ele diz que começou olhando para o pai dele tocando, e assim muitos aprenderam, vendo ele tocar”, diz Theo.

O percussionista Emerson Costa lembrou, em rede social, que viajou por duas vezes com o grupo musical e como foram experiências inesquecíveis ao lado do integrante mais antigo d’Os Quentes da Madrugada. “Ele se destacava por dar alma ao curimbó, quando sentava fazia seus alongamentos, se concentrava até a hora de tocar... E quando tocava, baixava a cabeça e se conectava ao instrumento, até quem não entendia de som, sentia o poder do batuque do velho”, descreveu.

Ao lado de seu conjunto, o mestre passou por diversas capitais brasileiras e foi figura significativa durante a campanha pelo reconhecimento do carimbó como patrimônio brasileiro. “Mestre que muito contribuiu para o nosso carimbó no Estado do Pará, Brasil e no Mundo. Descanse em paz, mestre. Sua memória vai ser lembrada para sempre, a cada ecoar do curimbó”, também declarou Solange Bragança. Durante o cortejo de despedida e o sepultamento do mestre, tocadores de diferentes gerações cantaram e tocaram em sua homenagem.

Leia mais:

Moda vira música na periferia 

Jornalista paraense cria festival digital para divulgar música do estado
“Mestre Dico Boi vai fazer muita falta. De noite, todos já ficavam esperando, ‘vai entrar o grupo do Dico Boi’. A festividade abria com a primeira geração, Os Quentinhos da Madrugada, fazendo a festa para as crianças, depois vinha a nova geração, grupo comandado pelo Mestre Ticó. E à meia-noite, depois do peru, Os Quentes da Madrugada assumiam até quatro da manhã”, lembra Theo.

Mas aquele que é o sonho de todo mestre vai se cumprir, o grupo vai continuar a tradição, contando com aqueles que aprenderam o carimbó vendo e ouvindo Dico Boi.

Dico Boi foi responsável por formar gerações de instrumentistas e amantes do carimbó para levar tradição adiante. Foto: Reprodução/Bernhar Gobbi

MAIS ACESSADAS