
“Hoje eu falo que
se eu ganhasse um carro eu venderia e compraria boas bicicletas para a minha
família inteira, porque é uma opção saudável, sustentável”. Esta fala que pode
soar estranha para alguns é o relato verdadeiro de Ruth Costa, ciclista que
pedala há mais de 25 anos em Belém e que levanta a bandeira do uso da bicicleta
como o meio de transporte do futuro.
Moradora do bairro
Águas Lindas, em Ananindeua, Região Metropolitana de Belém, ela já trabalhou como empregada doméstica no centro da capital paraense e
perdia cerca de 4 horas do dia dentro de um transporte público, apenas para
fazer o deslocamento. Hoje, ela afirma que vive uma nova vida utilizando a
bicicleta como principal meio de transporte.
“A gente precisa
fortalecer e fazer todas as pessoas que moram na periferia
entenderem que não, isso aqui (bicicleta) não é falta de opção. Isso aqui é a
solução", acredita a ciclista.
Diretora e presidenta da União de Ciclistas do Brasil, Ruth integra diversos coletivos, como o Pará Ciclo e o projeto Pedala Mana, que incentiva mulheres a usarem a bicicleta como instrumento de empoderamento na sociedade. Estes grupos discutem políticas voltadas para a integração da bike na vida das pessoas e lutam parar trazer mais conscientização sobre as reais necessidades dos ciclistas.

“A maior
dificuldade é que o poder público precisa entender que o ciclista é parte do
trânsito e que uma grande parre da população, principalmente a periférica,
utiliza a bicicleta como meio de transporte. Quando isso for levado em
consideração e essa infraestrutura cicloviária começar a ser feita na
periferia, a gente vai ter mudanças significativas”, afirma a ativista.
Segundo a Superintendência
Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob), a capital do Pará conta com
139,58 km de ciclofaixa, ciclovia e ciclorrota. Apesar desta extensão estar
entre as maiores do país, ainda é considerada insuficiente por muitos
ciclistas, que encontram problemas para encaixar as bicicletas em um trânsito
cada vez mais competitivo por espaços.
“As cidades
priorizam o carro. As prefeituras estruturam a cidade primeiro para o carro e depois
pensa no ciclista. Quando essa lógica for invertida, quando a lógica de que o
maior protege o menor, e que o menor é prioridade no trânsito, a gente vai
começar a mudar”, expõe Ruth Costa.
A crítica de Ruth
reflete o grande número de acidentes de trânsito que vitimam os usuários de
bicicletas. De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2021, 1381 ciclistas
perderam a vida no trânsito do Brasil. Segundo Ruth, esta realidade só irá
mudar com a criação de uma nova conscientização dos condutores de veículos.
“Uma nova
estruturação que beneficie o ciclista não vem apenas com ciclovias e
ciclofaixas, mas com uma nova mentalidade das pessoas no trânsito,
principalmente os condutores de veículos. A gente também precisava pensar em
redução de velocidade, precisa pensar em compartilhamento das vias, porque o
ciclista também tem direito a rua”, alerta Ruth.
MEIO DE TRANSPORTE
Apesar dos
problemas estruturais que envolvem o uso da bicicleta no cotidiano do paraense,
o veículo de duas rodas ainda é o principal meio de transporte de muitos
trabalhadores. É o caso de Carla Pinheiro e José Augusto, que são casados há 23
anos e têm a bicicleta como um elo no relacionamento.
Diariamente, José Augusto leva a esposa em uma bicicleta até uma parada de ônibus na rua dos Mundurucus, em Belém. No local ela precisa pegar um coletivo para ir até o trabalho, que fica na avenida Almirante Barroso, uma da principais da capital paraense. Essa rotina é necessária para viabilizar o transporte de Carla e a própria economia do casal.

“Há uns seis meses a
moto dele foi roubada. Antes nós tínhamos a moto e ele me levava pro trabalho.
Só que depois que ele perdeu a moto, ele passou a me trazer na parada de
ônibus. Se não fosse o transporte de bicicleta eu teria que pagar quatro
ônibus, dois para ir e dois para voltar”, explica Carla.
A Lei Federal N° 7619, tornou obrigatório
o benefício do Vale Transporte para trabalhadores que precisam se deslocar de
casa para o trabalho, não importando a distância percorrida e sem limite mínimo
ou máximo para o seu valor.
José Augusto não
utiliza a bicicleta apenas para o transporte da esposa. Atravessando diversos
bairros de Belém sobre duas rodas, o eletricista autônomo também atende
diversos serviços solicitados, os quais seriam facilitados se houvesse
bicicletários na cidade, uma vez que ele é obrigado a guardar a bike em locais
inadequados e de forma improvisada.
“Temos uma amiga
que recentemente que perdeu a bicicleta por conta disso, porque ela deixou num
local sem segurança. Inadequado, por mais que ela prendeu, mas arrombou o
cadeado, porque não era suficiente, não era seguro o local que ela deixou”,
relata Carla preocupada com o marido.
Apesar das dificuldades enfrentadas no trânsito, José Augusto defende o uso da bicicleta como um meio de transporte que deveria ser mais utilizado e respeitado em Belém. “Se as pessoas pudessem deixar o carro um pouco de lado. A moto eu não faço mais questão. Pra mim é legal isso aqui, a bicicleta. É cansativo? É, porque tem lugares que é um pouco distante e isso acaba cansando um pouco, né? Mas faz bem pra saúde, então está tudo bem”, diz ele com um sorriso no rosto enquanto aguarda a esposa entrar no transporte coletivo.
O bom humor de José
Augusto pode ser explicado pelo uso contínuo da bicicleta. É o que corrobora um
estudo publicado na revista científica Enviromental Health. Segundo
pesquisadores do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), pedalar auxilia
na perda de gordura, fortalecimento dos músculos e melhora a saúde mental dos ciclistas.
Mas além dos benefícios
para a saúde do corpo e da mente, a bicicleta também exerce forte influência na
vida financeira de muitos trabalhadores em Belém, principalmente nos
profissionais da construção civil.
Em uma rápida
passagem pela cidade é possível enxergar dezenas de bicicletas estacionadas de
forma inadequada, principalmente nas proximidades dos canteiros de obras. Na
avenida Roberto Camelier, no bairro do Jurunas, a grade de proteção de árvores
acaba sendo utilizada como um bicicletário improvisado pelos trabalhadores.


Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, Ailson Cunha, os trabalhadores encontram na bike a única forma de manter o emprego e economizar parte da renda, que seria gasta com transporte coletivo.
“Nós sabemos que
hoje a dificuldade que o nosso trabalhador da construção civil tem é de se
locomover para o trabalho, a nossa convenção é muito clara, que as empresas são
obrigadas a fornecer o vale transporte, para os trabalhadores chegaram de casa
para o local de trabalho. Mas nós sabemos que muitos trabalhadores usam o meio
de transporte da bicicleta para aumentar a sua renda”, explica o líder
sindical.
Para o sindicalista, é necessário que o poder público dê mais atenção para quem usa a
bicicleta diariamente pelas ruas de Belém, com políticas públicas que garantam
mais segurança no trajeto de ir e vir do local de trabalho.
“Precisava algo
para garantir a vida desses trabalhadores quando eles saem para trabalhar,
porque hoje os trabalhadores precisam da sua bicicleta. Mais ciclovias,
ciclofaixas, bicicletários, tudo que seria garantido para o trabalhador ter a segurança de chegar no local de trabalho e voltar para casa, porque
todo dia quase a gente vê acidentes com vítimas fatais, e muitos são
trabalhadores da construção civil”, diz Ailson.
Bicicleta como
instrumento para salvar o planeta
A busca por
soluções sustentáveis que impeçam a degradação do meio ambiente tem sido uma das
pautas políticas internacionais mais importantes atualmente. Países do mundo todo estudam e fazem pesquisas para propor um consumo e um modo de vida humano
que coexista com a natureza, de forma que os recursos naturais não sejam
extintos em função da exploração do homem.
As mudanças
climáticas bruscas que causam impactos severos em todo o planeta colocaram
ainda mais urgência na criação de políticas públicas que combatam o aquecimento
global. De acordo com um relatório do Serviço de Mudanças Climáticas
Copernicus, da União Europeia, a temperatura média diária do planeta
atingiu níveis nunca vistos em 2023, sendo o mês de junho o mais quente
já registrado por uma margem substancial.
A preocupação com o
planeta acelera a busca por ações efetivas que diminuam a temperatura do
planeta, e neste sentido, a bicicleta pode ser uma grande aliada do meio
ambiente, já que é um meio de transporte totalmente limpo, que não gera
nenhum tipo de emissões danosas à atmosfera.
Um estudo realizado pelo chamado Laboratório de
Mobilidade Sustentável, da UFRJ), em parceria com a Aliança Bike, concluiu que
cada um dos mais de 8 mil brasileiros que usam a bicicleta no lugar do carro
como meio de transporte deixam de emitir 4,4 kg de CO2 por ano.
A luta para salvar o planeta é mais um fator que faz
Ruth Costa ser uma ativista pelo uso da bicicleta. Em sua casa, uma área de 120
metros quadrados cercada de diversas plantas e árvores, ela conta que os grupos
de ciclistas trabalham fortemente a conscientização sobre a preservação do meio
ambiente.
“A gente sabe que o
carro é um dos maiores emissores de gases poluentes do planeta, por isso a
importância de políticas públicas que incentivem os modais ativos, modais que
não poluem o meio ambiente. Tem gente que está ali pedalando e não sabe o quanto
o pedalar dele é importante para o meio ambiente. É preciso trabalhar uma
mobilidade mais sustentável, uma mobilidade mais democrática e quando a gente
fala em cidades mais democráticas, a gente fala de ruas arborizadas, onde as
pessoas conseguem pedalar mais, caminhar mais e isso tem um impacto
significativo no meio ambiente”, explica..
Bicicletas elétricas:
tecnologia em expansão requer atenção e cuidados
A tecnologia pode se tornar uma grande aliada para uma maior
democratização e integração de pessoas aos diferentes veículos de transporte. O
trânsito caótico dos centros urbanos
obriga as pessoas a procurarem meios
de transporte mais alternativos, em relação aos carros e motocicletas. Neste
cenário, cresce a procura pelas chamadas bicicletas elétricas, um veículo que
oferece mais conforto e amplia os limites físicos dos ciclistas.
Um levantamento feito Associação
Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike)
mostra que em 2022 mais de 44 mil e-bikes foram produzidas e importadas
no Brasil, o que refletiu em um faturamento de R$ 304,9 milhões e um
crescimento de 5,4% em relação a 2021.
Em Belém, a procura
por veículos deste tipo também vem crescendo, sobretudo em lojas especializadas
na venda dos meios de transporte sobre duas rodas, que oferecem e-bikes de
entrada por um preço médio de R$ 30 mil.
Belina Soares se apaixonou pela prática do ciclismo graças à bicicleta elétrica. Aos 62 anos, ela conta que nunca se interessou muito por esportes, mas hoje, não perde a oportunidade de pedalar nas diversas trilhas em várias regiões no interior do Pará, como nos municípios de Santa Izabel, Benevides e Acará.

“Eu entrei no ciclismo por uma questão de saúde e já
emagreci cinco quilos. A bicicleta e-bike é a ideal pra mim, porque você faz,
se diverte e não precisa dar muito de si, porque ela nos ajuda”, explica a
autônoma.
Com o objetivo de dar mais visibilidade e acessibilidade à utilização de
veículos mais sustentáveis, a Equatorial Energia lançou em Belém o Posto Elétrico para
carregamento de veículos. Localizada no Porto Futuro, a estrutura oferece o
carregamento de veículos elétricos e bicicletas elétricas gratuitamente para os
visitantes do espaço.
Qualquer pessoa pode ter acesso às bikes elétricas, precisando apenas realizar o download de um aplicativo para cadastro. Ele funciona de forma bem intuitiva e prática, disponibilizando um QR Code para ser escaneado na bicicleta, que em seguida é liberada para o uso dentro do parque Porto Futuro.

Em ano de atividade, mais de 3 mil usuários se cadastraram
no aplicativo “E+ Mobilidade Elétrica”. Segundo dados da Equatorial, a média
diária de compartilhamento dos equipamentos é de 25 vezes ao dia e o tempo médio
de utilização é de 56 minutos.
Para o engenheiro de eficiência energética da Equatorial
Energia, Willian Melo, os números mostram que a população paraense vem se
interessando cada vez mais pela temática da sustentabilidade.
“A ideia do Eletroposto é beneficiar os clientes que, assim como nós, tem essa pegada sustentável. A pessoa pode retirar a bicicleta, usufruir desse benefício e aí, de repente, gostar e futuramente adquirir um bem sustentável como esse”.
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