Sujeira, improviso, crianças com sinais de doença de pele e pedidos por alimentação: era esse o cenário quando chegamos à Praça da Bandeira, no bairro da Campina, em Belém, na tarde da quarta-feira (10). Ali, estavam dezenas de indígenas da etnia Warao, originários da Venezuela, sentados, conversando alegremente e preparando comida em uma velha panela de alumínio escurecida pelo tempo sobre o fogo à lenha.
Nos aproximamos, sentamos e começamos a conversar. Primeiramente com um jovem chamado Braulio Rattia, que dominava o português. No início, nos olhavam com muita desconfiança, mas depois do primeiro contato e algumas risadas, abriram-se ao diálogo e começaram a falar sobre a situação em que viviam há um mês e sete dias, no centro da capital paraense.
No acampamento, havia pessoas de todas as idades: crianças, jovens, idosos e bebês. Perguntamos como era a vida naquele local, cercado por carros e muita insegurança, sobretudo à noite, eles responderam que não era a situação que queriam, mas ainda não haviam encontrado um lugar melhor. Nos perguntaram se conhecíamos alguém disposto a alugar um espaço para que pudessem sair dali.
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Embora o termo "aluguel" para nós esteja relacionado a pagar um valor mensal por uma moradia, com taxas e registro em cartório, a palavra tinha um significado diferente para os indígenas. O "aluguel" que mencionavam seria um espaço cedido, por alguém ou pelo poder público, para que pudessem armar suas cabanas, construídas com restos de madeira velha e plástico, para viverem de forma mais mais segura, simulando a vida que viviam na Venezuela. Devido à crise que o país enfrenta, foram forçados a sair para evitar fome e ainda mais necessidades.
Entramos nessas cabanas e encontramos roupas espalhadas, brinquedos e muitas redes. As redes estavam dispostas de forma semelhante àquela que se vê em embarcações paraenses, próximas umas das outras. Havia alguma organização, com as barracas cobertas por lonas, mas que, segundo o líder do grupo de 49 pessoas, Angelito Rattia, não eram suficientes para evitar as chuvas intensas, comuns na cidade. Ao redor das habitações improvisadas, o grupo se espalhada durante o dia e à noite: são ao todo 16 famílias, sendo 12 homens, 15 mulheres e 22 crianças.
Questionados sobre como faziam suas necessidades e tomavam banho, o jovem Braulio disse que utilizavam uma residência na Rua Riachuelo, bem próxima à Praça da Bandeira, no bairro da Campina, onde outras famílias da etnia Warao ficam.
A alimentação também é um grande problema. Assim que chegamos, havia uma velha panela cozinhando arroz. A comida daquele dia era arroz com frango, geralmente adquiridos por meio de doações e compras feitas pelos indígenas com o dinheiro de esmolas que pedem nas esquinas da região do Comércio.
Ocasionalmente, grupos de ajuda aparecem oferecendo alimentação e cestas básicas, mas isso não ocorre diariamente. Segundo Braulio e Angelito Rattia, a prefeitura não ajuda muito e frequentemente os ameaça de retirá-los dali.
Eles são - ou deveriam ser - assistidos pela Fundação Papa João XXIII (Funpapa), por meio do Núcleo de Atendimento para Migrantes e Refugiados (Namir), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) Rosana Campos, do Centro Pop São Brás e do Serviço de Acolhimento Institucional para Indígenas (Saiind).
No entanto, essas instituições parecem, segundo eles, não entender como vivem e o que procuram. Um suposto balanço feito pela Funpapa registrou 11 famílias no local, o que não condiz com o apurado pela reportagem, que identificou 16 famílias. O discurso, no entanto, parece mostrar desconhecimento da realidade e das necessidades dos indígenas do acampamento.
"Após vários diálogos de sensibilização com os representantes das famílias acampadas na praça, algumas famílias aceitaram ir para o espaço de acolhimento institucional, localizado no bairro do Tapanã. As tratativas se deram de forma pacífica em que as próprias famílias demonstraram o desejo de ir para o abrigo temporariamente, até conseguirem ir ao encontro de seus familiares que estão em outro estado", disse a nota.
Entretanto, conforme o líder do grupo instalado na Praça da Bandeira, Angelito Rattia, eles foram forçados a ir, sob ameaça de serem retirados do local pela Guarda Municipal na próxima segunda-feira (15).
Dificuldades de Emprego
A mais recente Análise das Necessidades de Refugiados e Migrantes (RMNA) para 2023 revela que muitos refugiados e migrantes da Venezuela na região enfrentam a falta de oportunidades estáveis de subsistência, dificultando sua integração efetiva e contribuição para as comunidades de acolhida. Em relação ao emprego, eles relatam enfrentar grandes dificuldades devido à xenofobia e ao preconceito por parte da população paraense.
Noites Animadas
À noite, com uma viola e muita animação, por um momento eles esquecem a tristeza e as necessidades do dia a dia e começam a cantar, enquanto as crianças jogam futebol na praça. Sob a luzes de mercurio, há uma integração animada e cantoria na língua originária dos Warao, e a segurança é garantida pelos adultos do grupo, que permanece sempre unido desde 2019, quando chegaram a Parauapebas, no sudeste paraense, a primeira cidade do Estado onde pousaram.
Veja o vídeo no acampamento:
Equipe Dol Especiais:
- Reportagem: Lucas Contente
- Imagens e multimídia: Thiago Sarame
- Coordenação e Edição: Anderson Araújo
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