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TESOUROS ESCONDIDOS

Mercearias atravessam o tempo e contam a história da cidade

Descubra como mercearias tradicionais em Belém, como a Jaguaruana, Paladino e Casa Barcarnea, mantêm viva a cultura e a história local em meio à modernidade. Conheça as histórias únicas de cada uma delas.

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Imagem ilustrativa da notícia Mercearias atravessam o tempo e contam a história da cidade camera Baizinho ainda vende o famoso "baré" no saco, muito vendido entre a década de 90 e início dos anos 2000 em Belém. | (Foto: Brenda Hayashi)

"Nunca foi por necessidade! Se fosse pela minha esposa, já teríamos parado de trabalhar aqui. Somos aposentados e temos alguns imóveis alugados. Eu trabalho aqui por amor e para manter viva uma tradição", compartilhou José Maria de Oliveira, de 68 anos, o "Baizinho". Ele conversava comigo, sentado em um banco de madeira atrás de um freezer, em seu pequeno comércio que leva o nome "Jaguaruana", nome escrito em um banner de vinil apagado pelo tempo e pendurado em um pedaço de madeira pernamanca.

O estabelecimento, situado do bairro do Marco, em Belém, mantém a mesma estética desde sua fundação em 4 de janeiro de 1977: a tradição não é à toa, Baizinho quer preservar o legado do sogro. A construção toma uma das esquinas do Canal da Avenida Visconde de Inhaúma com a Travessa do Chaco e toda feita de madeira, como era grande parte das casas há 47 anos, quando ele a esposa Maria José de Oliveira, a Mazé, começaram por ali.

Ambos são cearenses da cidade que dá nome ao estabelecimento, um município que fica a 770 km de Fortaleza. O casal de comerciantes se conheceu no final da adolescência, ali pelos anos 1970, numa enchente histórica que causou enormes prejuízos à cidade natal deles e germinou o amor que viria frutificar em Belém do Pará: aqui se enraizaram e formaram família com três filhas, todas adultas, e hoje aproveitam os netinhos.

Entrar na mercearia de Baizinho é como fazer uma viagem no tempo. Lá, o pedido é feito de pé, diante do balcão de madeira, que resiste em qualidade e na tradição das boas e velhas mercearias belenenses. Enquanto o cliente aguarda o pedido, ele pode escolher uma balinha no baleiro de vidro quadrado sempre à mão que, muito de vez em quando, pode servir de opção de receber como troco, caso o freguês queira.

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Enquanto eu visitava e observava com atenção, vi clientes comprando cigarros, refrigerantes retornáveis e farinha. Aqueles que têm mais tempo costumam sentar em um banquinho de madeira encostado na parede para tomar uma cachaça ou bater um bom papo. O local ainda preserva algumas características da fundação e dos primeiros anos de funcionamento, como o filtro de barro São Pedro, a balança analógica e até uma televisão de tubo (nada de plasma ou LCD).

O agricultor Clenilton, de 62 anos, é cliente da mercearia há 35 anos e amigo de Baizinho há 40. "Sempre compro fiado com ele. Ele é muito gente boa e sempre está ao meu dispor. Costumo comprar mais cigarros, farinha e açúcar", contou Clenilton. Quando perguntado sobre o que o mantém fiel ao estabelecimento, ele respondeu:


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A gente se conhece desde criança. Compro aqui por causa da nossa amizade. O comércio dele tem quase tudo. Não precisamos ir longe para encontrar o que queremos.

Seu Clenilton, Freguês
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Clenilton, de 62 anos, é agricultor e cliente da mercearia Jaguaruana há 35 anos
📷 Clenilton, de 62 anos, é agricultor e cliente da mercearia Jaguaruana há 35 anos |Foto: Brenda Hayashi

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Realmente, é possível encontrar de tudo um pouco na pequena mercearia. Para suprir necessidades mais urgentes, basta ir lá no Baizinho: tem carne em conserva, ovos, açúcar, café, absorventes e bebidas alcoólicas, que variam desde a famosa cachaça 51 até a Terra Brazillis, uma aguardente brasileira, digamos, mais requintada por ser envelhecida. Tudo na mercearia é muito bem organizado nas prateleiras de madeira expostas na parede. Precisa de um chinelo, pente ou uma unidade de ovo? Na Jaguaruana, tem.

Mesmo em meio à modernidade dos pagamentos com PIX e cartão de crédito, ainda é possível manter boas relações com base na confiança. A famosa venda no fiado com anotações na caderneta presente no estabelecimento reforça essa ideia. "Hoje em dia, os clientes usam muito o PIX, mas, de vez em quando, eu uso a caderneta de anotações. Não posso deixar a tradição morrer", disse Baizinho.

Em 2024, em plena era dos grandes supermercados e "atacadões", encontrar um local tão autêntico em Belém me transportou de volta no tempo, especificamente para as décadas de 90 e início dos anos 2000. Foi nesse período que vivi os melhores momentos da minha infância. O ponto de encontro era a mercearia do seu Antônio, localizada no bairro de Canudos, em Belém, onde cresci e tenho muitas memórias inesquecíveis. Era uma tradição passar por lá e comprar os saquinhos de jujubas e amendoins confeitados por apenas R$ 0,01 cada. E não podemos esquecer do sabor da infância com o famoso "baré" vendido em sacos plásticos. Como diz o velho ditado, "tempo bom que não volta mais". Enquanto conversava com Baizinho, ganhei um baré no saco, do jeitinho que eu tomava na infância, que demais, não é?

Altos e baixos

Assim como qualquer empreendimento, a taberna Jaguaruana, hoje administrada por Baizinho e a esposa Mazé e um colaborador que está com a família desde 1997, também passou por altos e baixos. Com os olhos cheios de alegria, Baizinho relembra os "tempos de vacas gordas", que o estabelecimento viveu entre as décadas de 1980 e 1990, quando vendiam de tudo um pouco, inclusive pão fresco. "Foi a época de maior fartura por aqui", disse ele com um sorriso largo e os olhos brilhando.

Ao ser questionado sobre o período mais difícil, Baizinho menciona a pandemia em 2020. "Passamos por dificuldades, mas conseguimos nos reerguer", recordou, com alívio na voz.

Veja o vídeo da Mercearia Jaguarana:

"Irmãos Paladino" e legado português

Assim como a mercearia Jaguaruana, outras bodegas em Belém resistem à dita modernidade e também sentiram o peso da pandemia. Uma delas é o "Irmãos Paladino", no bairro do Umarizal, administrado pelo senhor Antônio Mendes Júnior, de 58 anos. Descendente de portugueses, ele lembra como tudo começou. “Éramos quatro filhos homens e começamos a trabalhar aqui com 15 anos, como eu sou o caçula e não tinha quem me substituísse, eu acabei ficando e administro até hoje”, disse.

Antônio Mendes Júnior, "Irmãos Paladino".
📷 Antônio Mendes Júnior, "Irmãos Paladino". |(Emerson Coe/ DOL)

O estabelecimento, que já foi próspero, agora tem poucos mantimentos em suas prateleiras empoeiradas. Muitas coisas não funcionam como antes, como a máquina registradora, por exemplo, mas Antônio garante que a balança de ferro ainda está intacta. "Antes da pandemia, vendíamos de tudo um pouco, como macarrão, arroz e outros itens básicos do dia a dia. Após esse período, passamos a focar na venda de bebidas alcoólicas e lanches", conta ele.

Irmãos Paladino
📷 Irmãos Paladino |(Emerson Coe/ DOL)

Mesmo diante da crise, Antônio reflete que é o amor pelo comércio que mantém a bodega em pé. "Eu trabalhava com outras coisas, mas sempre fiquei aqui no comércio. O que nos mantém aqui é a tradição e o amor pelo que fazemos", diz ele. "A bodega sustentou e criou meus filhos na década de 80. Naquela época, tínhamos quatro carros na garagem e uma vida mais confortável", continua.

Veja o vídeo da "Irmãos Paladino":

De pai para filhas: Porto do Sal das lembranças

O amor e o orgulho de manter o legado familiar também sustentam a “Casa Barcarena”, que fica perto do Porto do Sal, no bairro da Cidade Velha. O comércio existe desde a década de 1970. "Conhecemos os clientes pelo nome. O que nos diferencia é o vínculo que construímos desde a época do meu pai", conta Jaqueline Furtado, de 41 anos.

Jaqueline Furtado da “Casa Barcarena”
📷 Jaqueline Furtado da “Casa Barcarena” |(Emerson Coe/ DOL)

Assim como as outras mercearias mencionadas antes, a Casa Barcarena também iniciou as atividades vendendo uma variedade de produtos. No entanto, devido à pandemia, as proprietárias tiveram que se adaptar à nova realidade. Elas criaram uma conta no Instagram para divulgar seus produtos e passaram a focar nas vendas de itens relacionados à pesca, que têm sido bastante procurados. Embora o público-alvo principal sejam os pescadores da região portuária, na Casa Barcarena ainda é possível encontrar produtos do dia a dia, como sabão em barra, papel higiênico e até mesmo charque vendido a retalho.

Casa Barcarena
📷 Casa Barcarena |(Emerson Coe/ DOL)

Comércio fácil e boa conversa

De acordo com o historiador e professor Márcio Neco, o que torna esses estabelecimentos resilientes e capazes de atravessar o tempo até os dias de hoje, nos centros urbanos e nas periferias da capital paraense, é a venda a retalho e a compra fracionada e fiada desses produtos.

“Não apenas por conta desses elementos, as mercearias também são espaços de boas conversas, de sociabilidade das pessoas e aí esses elementos vão contribuir para que essa tradição se mantenha viva, que ganhou fôlego pela época da pandemia, o que fez com que essas pessoas aumentassem suas necessidades de comprar em locais mais próximos de suas residências, evitando assim, os deslocamentos para grandes supermercados e as grandes aglomerações. Não só por isso, esses elementos vão gerar a fidelidade à população”.

Veja o vídeo da Casa Barcarena:

Equipe Dol Especiais:

  • Reportagem: Brenda Hayashi
  • Imagens em vídeo: Emerson Coe
  • Multimídia - vídeos Jaguarana e Paladino: Thiago Sarame
  • Multimídia - vídeo Casa Barcarena: Vicente Crispino
  • Coordenação e Edição: Anderson Araújo
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