Em 2018, uma legislação foi aprovada permitindo o funcionamento de sites de apostas esportivas, conhecidos como bets, sem uma regulamentação definida. Em 2023, foi sancionada a Lei 14.790, que tem como objetivo regular a autorização de casas de apostas, tanto físicas quanto online, além de definir direitos dos apostadores, regras para a publicidade do setor e normas de tributação. No entanto, a regulamentação efetiva dessas atividades ainda levanta questionamentos no Brasil.
Hoje, com todo o avanço das apostas, já se fala nas apostas esportivas como um problema de saúde pública. Com toda a publicidade existente de casas como Betano, Esportes da Sorte, BET Nacional, utilizando redes sociais e veículos tradicionais como propulsor para o mercado, além de diversos influenciadores digitais divulgando os “benefícios” e “dinheiro fácil” no mercado, o vício tende a se tornar maior.
Alguns campos de discussão do tema tem olhado para as bets como um problema de saúde pública. Acredito que o fenômeno ainda precisa ser mais compreendido para que quaisquer delineamentos de ação e política pública possam ser melhor estabelecidos, por isso, precisamos continuar de olho. A meu ver, antes disso, deveríamos olhar para os aspectos de nossa sociedade que dão base para a existência de um fenômeno como esse. O poder econômico das casas de apostas tem se tornado tão grande que um dos maiores campeonatos de futebol do país agora é batizado com o nome de uma dessas marcas. A TV aberta veicula propagandas nos mais diversos horários. Grandes influencers recebem centenas de milhares de reais para seguir um roteiro dizendo aos seus seguidores sobre como é fácil ganhar. Então como evitar que justamente a população mais desfavorecida economicamente não perca seu pouco dinheiro nessas apostas, quando diversos canais de comunicação estão diariamente afirmando como é fácil jogar e ganhar?
Alberto de Freitas, Psicólogo e professorLeia mais:
O apostador Alessandro Chagas falou sobre sua trajetória no mundo das apostas esportivas. Em um período de pandemia, onde muitas pessoas ficaram em casa e sem muitas coisas para fazer, os games fizeram parte da rotina do jovem de 25 anos, que inclusive entrou no cenário competitivo dos jogos eletrônicos. Com o passar do tempo, Alessandro também conheceu as apostas esportivas e começou a jogar com frequência.
“Comecei a apostar durante a pandemia, iniciei nos esportes eletrônicos e após um tempo migrei pros esportes tradicionais. Hoje em dia as apostas se tornaram rotineiras para mim”, disse.
No início, o jovem via os jogos como uma forma de ganhar aquela “renda extra”, no entanto, após anos atuando no mercado de apostas, percebeu que não se tratava disso. Segundo ele, as jogatinas hoje servem como hobbie e lazer durante a semana. Hoje em dia, o profissional de educação física joga de três a quatro vezes por semana.
“Já tive esse pensamento [de que poderia ganhar uma renda extra] por muito tempo, porém hoje já vejo com um olhar de hobby e lazer. Não vejo mais como renda extra e sim como diversão”, afirmou.
A facilidade de abrir o aplicativo, segundo o psícólogo e professor Alberto de Freitas, tornou-se uma forma de alavancar o mercado, que lucrou em 2023 cerca de R$ 100 bilhões, segundo dados da XP Investimentos. Alberto é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e possui mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela instituição, na linha de Psicanálise: Teoria e Clínica, pela instituição.
“O esforço necessário para abrir o aplicativo é muito menor que os incentivos vindos de todos os lados, e mais importante, é muito menor que o prazer de quando se ganha”, afirma.
PEC equipara apostas ao álcool e ao tabaco
Diante da falta de políticas interministeriais mais amplas e imediatas, o Congresso Nacional já começa a discutir propostas para limitar a atuação das empresas de apostas esportivas e o alcance dos jogos online. Entre essas propostas, há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que equipara as apostas ao álcool e ao tabaco, estabelecendo restrições à publicidade, e um projeto de lei que visa limitar o valor das apostas por CPF.
O Jornal Estadão teve acesso a um decreto elaborado pela equipe econômica no ano passado, no qual o Ministério da Fazenda destaca a necessidade de atenção imediata do governo ao tema, afirmando que o transtorno do jogo patológico representa um risco significativo ao crescimento do setor de apostas.
A justificativa do decreto, endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e assinada pelo ministro Fernando Haddad, ressalta a importância de uma ação rápida e coordenada para lidar com os possíveis impactos do mercado de apostas sobre os jogadores, mencionando a necessidade de atuação conjunta de diversos órgãos e agentes públicos.
Alessandro diz que já foi viciado nas apostas, sentindo a todo momento vontade de jogar nas famosas bets. Hoje em dia, porém, ele já consegue ficar sem apostar.
“Hoje não me considero viciado, pois consigo ficar sem apostar, porém já teve momentos em que com certeza estava ficando viciado, sentindo vontade a quase momento de fazer [os jogos]”, concluiu.
Existe aposta racional?
O apostador Abraão Gadelha, de 27 anos, que aposta há um ano e meio, sendo há 6 meses diariamente, acredita não ser viciado em jogos pelo fato de estudá-los e fazer apostas, segundo ele, mais assertivas.
"Não me considero (viciado), porque quando não estudo os jogos ou acho que não estão bom para apostas, não aposto e fico tranquilo. Importante é bater a meta no fim do mês", afirmou.
Antes de começar a estudar as apostas, Abraão só apostava o que poderia gastar, afirmando, depois de um tempo, que as apostas se tornaram uma forma de garantir uma renda extra no fim do mês.
"Antes quando eu apostava por apostar, eu perdia muito, mas jogava o que eu poderia gastar e, às vezesm sem nem uma pressão pra ganhar. Depois que quis aprender e comecei a estudar etc… tenho lucro, até mesmo se tornou uma renda extra no fim do mês. Tenho uma meta mensal de ganhos, de perdas e de quanto posso apostar", disse.
"A banca sempre ganha"
Para Alberto de Freitas, consultado pela reportagem, o pior de todo o cenário é que por mais que o jogador ganhe, a casa sempre vai ficar com a maior parcela do dinheiro. “A triste notícia é que, como qualquer jogador de cassino sabe, a banca sempre ganha”, conclui.
Como saber se estou viciado em jogo de aposta?
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), uma pessoa é classificada como jogadora patológica se atender a pelo menos quatro dos nove critérios estabelecidos no documento.
- Necessidade de aumentar gradualmente o valor das apostas;
- Irritação ao ter que cessar o jogo;
- Não conseguir parar o comportamento de jogo por longos períodos;
- Jogar quando se sente angustiado;
- Pensar constantemente no jogo;
- Não aceitar perder e sentir o desejo de jogar até ganhar, em um ímpeto de ficar "quite" com a banca;
- Mentir sobre os hábitos de jogo;
- Ter prejuízos nos relacionamentos ou ter perdido o emprego em decorrência dos hábitos de jogo;
- Precisar de aporte financeiro de terceiros para pagamento de dívidas de jogo.
Como tratar vício em apostas
Especialistas indicam que o primeiro passo é buscar a ajuda profissional de um psicólogo ou um psiquiatra para avaliar o quadro e recomendar ou não outras terapias. Há casos que podem ser tratados com o uso de remédios para estabilizar o humor, diminuir a ansiedade e amenizar os sintomas da depressão.
Há 30 anos no Brasil, o Jogadores Anônimos também é uma alternativa de apoio terapêutico coletivo com reuniões e aconselhamento nas maiores capitais do País, com reuniões presenciais e online (veja mais aqui). O grupo segue o mesmo princípio dos Alcoólicos Anônimos, com 12 passos em busca da cura e abstinência.
Equipe DOL Especiais:
- Lucas Contente é repórter do portal DOL. Nascido na cidade de Muaná, na Ilha do Marajó, e criado desde os nove anos em Belém, é formado em comunicação social - jornalismo pela Faculdade Estácio FAP.
- Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.
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