É oficial: o Pará está na moda e Belém, sua capital, principal porta de entrada para conhecer a Amazônia, mais ainda. A música, a dança, a comida, a Literatura, a história, a posição geogrática e o calor de sua gente têm chamado atenção de brasileiros de outros estados e de cidadãos de todas as partes do mundo.
No aniversário de 409 anos de fundação, a Cidade das Mangueiras goza do privilégio de figurar no cenário nacional e internacional como inovador polo cultural e relevante palco de debates, como o que deve ocorrer neste ano na COP 30, evento global a ser sediado em terras belenenses, em novembro.
Essa atenção não começou agora, mas tem crescido progressivamente, como pode ser observado nos meios de comunicação tradicionais, como os canais de TV aberta, e na Internet. Hoje, esse interesse se traduz no turismo e na busca por experiências diretas com a cidade.
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No aniversário de fundação, Belém é um encontro de diferentes formas de viver, conseguindo unir o meio ambiente, os rios, praias de água doce, ilhas e balneários, com a vida urbana pulsante em suas ruas e esquinas. Uma das formas de unir a população, que gosta de festas, além de apreciar a própria cultura, é a música.
É comum ver nas periferias da cidade comemorações, reuniões e bares que tocam ritmos diversos. Desde as rodas de samba e carimbó, às batidas do tecno brega, melody, tecnomelody e derivados, que se tornaram patrimônio cultural do Estado. A música, inclusive, é uma grande ativo responsável por levar o nome de Belém para o Brasil e o mundo. Artistas, antes considerados regionais, se orgulham de divulgar a cultura nortista e fazer parte de um movimento que ganha cada vez mais visibilidade.
Tecnobrega, uma força da periferia
No início dos anos 2000, um fenômeno se espalhou pelas periferias da cidade com influência da música eletrônica que ganhava as pistas do mundo todo: o tecnobrega. Derivado das batidas do brega pop dos anos 90, o ritmo se tornou característica marcante de Belém, dando origem a outros gêneros como melody, o tecnomelody e, o mais atual, beat melody.
Maurício Costa, antropólogo e historiador da Universidade Federal do Pará (UFPA), conta que o tecno brega surge na virada do século, em um momento que se consolidou a popularização e o fácil acesso a programas de computadores para a produção musical no âmbito global, incluindo a Amazônia.
“Artistas desse período [dos anos 2000] vão fazer experimentos em estúdios pequenos, estúdios localizados principalmente em bairros periféricos da cidade. Estúdios que surgiram após o encerramento das atividades da ‘grava som’ com gente que trabalhava na ‘grava som’ e que vão atuar nesses estúdios. E aí nós vamos ter produtores musicais, músicos, instrumentistas, os mesmos circulando por esses vários estúdios e é nesse período, exatamente, que o Tecno brega surge como o gênero musical. Quer dizer, começa a se a associar essa música dançante popular com elementos eletrônicos”, explica Maurício.
Após o tecno brega se consolidar com um gênero musical, surgem suas derivações com artistas lançando carreiras no mercado fonográfico de Belém, contando também com a ajuda dos DJs de festas de aparelhagem.
Outro ritmo bastante ouvido e divulgado na época foi o Calypso, mas, segundo o professor, ele tem mais influência caribenha e do brega pop do que do Tecno brega. “O termo Calypso não necessariamente denota ao elemento eletrônico na música. Fica mais como uma variação da música paraense para ser difundida para fora do estado e também aparece, nesse período, na esteira do sucesso da banda Calypso”, diz.
Não se pode negar o sucesso nacional da banda Calypso e como foi importante para que a música paraense ganhasse os holofotes de todo o Brasil. Maurício explica que isso ocorreu de forma midiática, como estratégia principalmente para o Nordeste e Sudeste.
“O Calypso é um momento da divulgação do brega pop paraense para fora do Estado, muito mais nesse sentido [midiático e performático]. E a sua influência está no sentido de orientar as estratégias performáticas, midiáticas dos artistas locais no que se refere a sua projeção para fora do Estado”, conclui.
Novos sons desenham uma nova cidade
Aos 23 anos, Zaynara é considerada precursora do beat melody, uma das derivações do Tecnobrega e brega pop. A artista natural de Cametá, no nordeste do Estado, já gravou com grandes nomes do pop nacional como a drag queen Pabllo Vittar e Joelma. Em dezembro de 2024, a cantora venceu o prêmio Multishow, um dos principais do Brasil, como artista revelação e se apresentou na edição especial de 40 anos do festival Rock in Rio.
Ao DOL, Zaynara contou que tem muito orgulho e felicidade em fazer parte da nova geração de artistas paraenses, especialmente, de mulheres que levam mensagens de pertencimento através da música para todo o Brasil.
“Eu acho incrível poder fazer parte dessa geração de artistas, em especial as mulheres, que levam por meio da música, por meio da arte, diferentes mensagens com um senso de força e pertencimento que é característico da nossa região, que é o coração do mundo. Mas poder aproveitar esse momento da expansão da cultura paraense pelo Brasil para ampliar os debates e exaltar as nossas origens naturais, quanto às questões ambientais que passam pela nossa região Amazônica, é muito importante. Eu fico feliz em poder abordar isso também como artista”, disse.
Além disso, a cantora destacou a pluralidade de ritmos que marcam a cultura paraense e como é a importância de ter a atenção voltada para o atual cenário musical. “Bom, eu vejo que a gente está no momento muito importante para nossa cultura. O Pará tem uma pluralidade de ritmos e estilos que surgem e se renovam o tempo todo. Tem muitas artistas mulheres que representam esses movimentos que acontecem na música e que me influenciam até hoje, para a minha música, para o beat Melody que eu faço”, explicou.
"O Pará é a própria moda"
Com tanta evidência midiática em torno dos artistas paraenses, Zaynara afirmou que o estado chama atenção de todo o Brasil com seu grande potencial cultural. “Para mim o Pará não está na moda, o Pará é a própria moda. Ele sempre teve um potencial cultural que encanta não só a gente que vive aqui, mas chama atenção de todo o Brasil e é verdade, sim, a gente tá nesse momento maravilhoso e diferente com tantos nomes levando a nossa cultura com verdade na música. Eu acho isso especial”, enfatizou a artista.
"O boom de belém não é de hoje"
Com as atenções voltadas para Belém em 2025, produtores de fora do estado buscam conhecer ainda mais da música local e de seus artistas. Uma delas é a Mynd que, há 8 anos, atua no mercado do entretenimento gerenciando cantores, artistas e influencers nacionais e internacionais.
Com sede em São Paulo, foi fundada pelos sócios Fátima Pissarra, Preta Gil, Carlos Scappini e Marcus Buaiz, a agência possui um catálogo com mais de 300 nomes. Da região Norte, destacam-se, além de Zaynara, Gleici Damasceno e Isabelle Nogueira, o que mostra o interesse por artistas e influencers da Amazônia.
Fátima Pissarra, CEO da Mynd, contou ao DOL que o “boom” de Belém não é de hoje e isso se dá pela representatividade que artistas do Norte levam a música brasileira, como Joelma e outros grandes nomes.
“Eu acho que o 'boom' se deve a representatividade no Brasil dos artistas hoje estarem mais acessíveis a todo mundo. Então, a gente tem a Joelma, [a banda] Calypso que começou, que é um grande nome e outros nomes enormes na região. A Zaynara, por exemplo, super chamou a atenção como uma artista nova, da nova geração que canta excelente, uma menina desenvolta, com carisma. Chama muita atenção todos esses novos talentos que estão surgindo e que trazem toda a representatividade do Brasil”, explicou.
Além disso, Fátima também enfatizou que o momento é de buscar cada vez mais ouvir artistas de todo o Brasil, incluindo o Norte do país. Para ela, a música nacional, como um todo, está de portas abertas para receber os mais diversos ritmos e todos os artistas que tem talento. Sobre “Belém estar na moda”, a CEO acredita que o motivo é o Pará e a Amazônia serem uma fonte inesgotável de talento.
“Eu não acho que Belém, especificamente, está na moda. Eu acho que o que está na moda é a gente ouvir o que a gente quiser e essa pessoa pode ser do Norte, pode ser do Nordeste, pode ser do Sul, pode ser do Centro-Oeste, pode ser de qualquer lugar. O importante é a gente trazer à tona e dar relevância aos grandes cantores que a gente tem em todo o país. E eu acho que, com certeza, o Pará é uma fonte inesgotável de cantores incríveis, a Amazônia e outros estados”, enfatizou a empresária.
Sobre a influência da cultura nortista na música, Fátima Pissarra avalia o movimento como positivo para todas as regiões do Brasil: “Eu acho que os ritmos hoje se compõem com uma singularidade, mas cada um mantendo a sua identidade. Essa cultura nortista, com certeza, pode influenciar a música e pode ser uma um grande momento da nova geração musical, [com] todas essas influências dos estados e eu acho isso muito positivo”, concluiu.
"Dançar, curtir, ficar de boa"
No ano de 2024, Belém cresceu de forma incomparável enquanto um destino turístico. Ao pesquisar apenas “Belém” em sites como “YouTube”, é possível ver inúmeros vídeos, em especial de canais de viagens, relatando suas passagens pela capital da Amazônia.
Um deles foi o YouTuber japonês Guti, do canal OlaGUTI. Ele e a namorada visitaram Belém durante uma grande viagem por todo o Brasil, e Guti relatou toda a sua passagem pela cidade nos vídeos.
Em entrevista ao DOL, quando perguntado sobre a experiência de visitar Belém, a única descrição possível foi “incrível”. “A cidade é muito maior do que eu imaginava, tem tudo que você precisa, muita cultura e comida boa”.
A hospitalidade paraense também foi elogiada por ele, que explicou como pessoas desconhecidas ajudaram em uma melhor viagem. “Fui comer maniçoba em uma barraca, as pessoas que estavam comendo perceberam que eu estava um pouco perdido e me ajudaram, me deram também o refrigerante Garoto para experimentar, foi muito legal”, contou o youtuber, que também ficou viciado nas mangas da Cidade das Mangueiras.
“Eu achei muito legal ter tantas mangas nas ruas. Eu amo manga, e foi engraçado saber que existe até seguro para carro para caso de manga cair e machucar o carro. Também achei o sotaque muito bonito, um português bonito”, falou, quando foi perguntado sobre o que achou de mais curioso na cidade.
“Fui também experimentar tacacá em uma barraca, e a moça que estava lá veio conversar comigo e até me ensinou a cantar a música do tacacá! É um lugar muito fácil de fazer amizades, todo dia é diversão”.
A música do tacacá, que Guti citou, é “Voando pro Pará”, de Joelma. Lançada em 2016, a música viralizou no final de 2023 e início de 2024, e ajudou no crescimento turístico da cidade.
Cidade da COP-30
Mas, é claro, nem tudo é apenas música. O trabalho entre os governos estadual e federal, e agora também com a nova gestão municipal, tem sido realizado em conjunto para que Belém possa receber a COP-30, em novembro de 2025.
Recém-empossada na Secretaria Municipal de Turismo e Cultura de Belém, a secretária Cilene Sabino explicou os primeiros passos da nova gestão da prefeitura de Belém para melhorar a recepção de turistas na capital.
“O Turismo movimenta a economia e é uma fonte de geração de emprego fortíssima. Estamos falando de uma cidade com um potencial turístico gigantesco, mas ainda pouco explorado”, explicou.
“Enfatizo também a importância do diálogo com todas as frentes que fazem a produção cultural e o turismo em nossa cidade para que atuem em conjunto com o Governo do Estado e o Governo Federal como forma de incluir Belém nos circuitos e nas agendas turísticas nacionais e internacionais”.
Para a secretária, a COP-30 pode ser o ponto de virada que Belém precisa para atrair novos investimentos e eventos, além de potencializar a economia da cidade.
“A COP-30 realiza dalém representa uma conquista e grande oportunidade para revelar a capital do Pará para o mundo. Em seus 409 anos, Belém tem rica história, um museu a céu aberto, uma das melhores gastronomias do mundo e um povo acolhedor que recebe seus visitantes muito bem”.
O desenvolvimento de novas rotas para os turistas da capital também entrou no projeto da prefeitura. “Estamos desenvolvendo as rotas turísticas dos museus, dos casarios e das belíssimas e centenárias igrejas, além de estimular a valorização da diversidade cultural e a divulgação das nossas praias. Trata-se de projetos pensados e executados com base no turismo inteligente, inclusivo e sustentável”.
O apoio do Ministério do Turismo, com a criação da primeira Escola Nacional de Turismo em Belém e outros projetos, também é importantíssimo para esse movimento de valorização da capital da Amazônia, de acordo com Cilene.
Uma das primeiras ações conjuntas entre as três esferas (municipal, estadual e federal) é o evento de aniversário de Belém, que acontece nesta sexta e sábado (10 e 11), no Portal da Amazônia, com atrações locais e nacionais.
“EU VOU TOMAR UM TACACÁ..."
Metrópole da Amazônia, capital da Amazônia, cidade das mangueiras… e capital criativa da gastronomia. A culinária paraense (e belenense) é rica e cheia de sabores e sensações, um ponto irrefutável para qualquer um que visite a cidade.
O título de capital criativa da gastronomia foi dado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 2015, e renovado em 2020. A capital paraense é uma das 170 cidades com o título de cidade criativa em todo o mundo, uma das 14 no Brasil, e a única na Região Norte.
Para Giselle Arouck, gastróloga e professora na Universidade da Amazônia (UNAMA) e na Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém sustenta a sua gastronomia, nacional e mundialmente, porque a gastronomia não é ‘moda’, ela é um traço cultural da região amazônica. "A gastronomia amazônica tem uma história registrada e muito forte, que está arraigada à nossa raiz cultural”, explicou.
De acordo com ela, o título de cidade criativa apenas reforça o destaque de Belém aos olhos nacionais e internacionais. “A amazônia faz parte, dentro do contexto brasileiro, de uma região que está sendo olhada de outra forma. É a sustentabilidade da floresta. São os insumos que estão sendo descobertos e consolidados. E principalmente porque por muitas décadas essa gastronomia esteve reservada a poucos”.
“Hoje a gente tem essa escalada do ponto de vista turístico do Brasil e tem a amazônia como um dos grandes destinos. Os eixos se sucedem. Os eixos de desenvolvimento e curiosidade nacionalmente e mundialmente falando. Agora, os olhos estão voltados para cá”, continuou.
Segundo Arouck, não só Belém deve garantir um grande fluxo de turistas, seja pela COP-30 ou por investimentos no turismo, mas toda a área de municípios nos arredores da capital também deve receber uma forte ocupação.
“Quando um turista vem para o nosso estado, para a nossa capital, ele não vai se limitar somente aqui. Durante todo o ano esse fluxo de turistas vai aumentar, e a capacidade de recebimento nos estabelecimentos de alimentação vêm se modificando. Muitas empresas estão abrindo, novos estabelecimentos estão surgindo”.
“Sem dúvidas, nós temos a capacidade, sim, com todo esse arcabouço que está sendo formado, de chegar até um ápice do movimento de 2025, que é a COP-30, com a capacidade plena de atendimento do nosso público visitante”.
Giselle também apontou a importância de ter o circuito turístico nacional voltado à Amazônia. “Nós merecemos essa atenção e precisamos fortalecer esse fluxo turístico. Eu acredito na capacidade de recepção de turistas tendo Belém como a nova capital da Amazônia, e ocupando um lugar que sempre foi da cidade, assim como das regiões circunvizinhas, sem nenhum demérito a outros estados”.
A história e a posição de Belém na Amazônia moldaram a importância da cidade no Brasil e no mundo, desde o período colonial, com a cidade como forte da Amazônia, até o ciclo da borracha, com a Bélle Époque.
Esses momentos históricos foram importantes para a fusão cultural que moldou a culinária paraense, essencialmente indígena e amazônida, mas com influências europeias. Depois, com a construção da Rodovia Transamazônica (conhecida como Belém-Brasília), o estado do Pará também se aproximou do resto do Brasil.
“Nos últimos 20 anos Belém do Pará tem vivido um fenômeno gastronômico e cultural ainda mais forte, porque a gastronomia passa a ser um mote do turismo na nossa cidade. Quem vem a Belém, vem para ver os grandes rios, ver a floresta, e também comer. Porque causa um furor enorme para o turista a descoberta de tantos insumos importantes que fazem parte da nossa gastronomia”, contou a professora.
Belém é cultura gastronômica. Belém vive isso de uma forma natural no cotidiano dos paraenses, dos belenenses. Mas Belém está pulsando culturalmente no talher, no garfo, na faca e nas colheres tudo aquilo que a gente traz de melhor, que é a nossa cultura gastronômica. Sem dúvida nenhuma está na hora de Belém ser vista cada vez mais carinhosamente do ponto de vista gastronômico. A importância da cidade é enorme.
Giselle Arouck, Gastróloga e economistaEquipe Dol Especiais
- Laura Vasconcelos é reporter do portal Dol, jornalista formada pela Universidade da Amazônia (Unama), nascida em Belém do Pará. É também autora de dois livros de crônicas: "Fugacidade dos dias" (2020) e "A distância" (2022).
- Rafael Miyake é repórter do portal DOL. Nascido e criado em Belém do Pará, é formado em comunicação social com ênfase em jornalismo pela Universidade Federal do Pará. É pós-graduando em Jornalismo Digital pela Anhanguera.
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