
"Ouvi barulho de corrente arrastando dentro da mata. Gente andando. Vozes pedindo socorro. Vultos. Luzes que não eram vagalumes e nem drones. Eu vivi isso". O relato é de Gabriel Rosemberg, geógrafo, morador do Conjunto Maguari, em Belém.
Se mudando para a região quando ainda era uma criança, em 2007, ele cresceu convivendo com histórias que se misturam entre memória, espiritualidade e mistério, reforçando o imaginário popular. Moradores mais antigos falam que o local foi um cemitério indígena antes de se tornar o bairro. Outras pessoas reforçam a morte de operários durante a construção das casas da região. O que as histórias possuem em comum são os relatos de aparições que ainda hoje são comentadas entre vizinhos.

Segundo Gabriel, que conta que estudou por curiosidade sobre o desenvolvimento da região, a mata que margeia o conjunto guarda mais do que biodiversidade. Ela guarda segredos sobrenaturais. “As alamedas antigamente eram mais abertas e de chão batido. As ruas se misturavam com a mata. Os mais antigos falam de uma mulher de branco, crianças encantadas, gente que sumia do nada”, conta.

De acordo com ele, um dos mitos mais fortes da região é o do "Velho Sucuri", um morador que aparecia e desaparecia misteriosamente e que, segundo testemunhos, teria conexão com uma sucuri que ficava nas margens do ‘Furo do Maguari’, corrente de água que passa pelas matas da região.
Para Gabriel, apesar desses relatos serem ‘aumentados’ pelos moradores, eles podem representar mais do que uma simples aparição sobrenatural. “Acredito que parte disso venha do imaginário popular, mas também entendo que essa visagens, fantasmas, possam ser manifestações de encantarias, de seres da natureza que ainda resistem ao desenvolvimento urbano”, afirma.
Ele conta que a mata presente na região é uma das poucas da cidade que ainda é nativa e que os relatos de aparições costumam se intensificar, por exemplo, durante a construção de algo novo que derruba uma parte da vegetação.
“Talvez essas assombrações e visagens sejam uma forma de resistências da encantaria. Enquanto houver floresta, haverá força espiritual. E enquanto ela resistir, deveríamos resistir também”, disse.
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Visagens como identidade cultural
As histórias sobrenaturais que Gabriel vive e escuta na região do Conjunto Maguari estão longe de ser casos isolados. Belém é uma cidade cercada por matas e rios, um ambiente onde relatos de fantasmas e assombrações já fazem parte de uma tradição entre os moradores.
Contar histórias sobrenaturais, seja elas de visagens ou de lendas e mitos da região se tornou um fenômeno cultural que atravessa bairros, classes e gerações. Para Átila Monteiro, advogado e filho do escritor Walcyr Monteiro, autor do clássico "Visagens e Assombrações de Belém’, essas narrativas compõem parte essencial da identidade amazônica.
“Belém inteira é super visagenta. Tu vai ter histórias do Palacete Bolonha, tu vai ter história do Manoel Pinto da Silva, tu tens muitas histórias no Soledade e muitas histórias no cemitério Santo Isabel também. Aqui nos nossos casarões antigos, nas nossas igrejas, a do Carmo, a Trindade, tem muitas histórias relacionadas à aparição de fantasmas, entidades sobrenaturais e até mesmo na Santa Casa e outros hospitais”, afirma.
Para Átila, os moradores da cidade não apenas gostam de falar sobre visagens, como também sempre têm alguma história sobrenatural que já vivenciou para contar. “As pessoas não apenas contam, elas se sentem parte dessas histórias. Isso vem da oralidade, das nossas raízes indígenas, negras e interioranas. Faz parte da nossa cultura”, disse.
Se você cresceu na capital paraense, é bem provável que já tenha ouvido a história da moça do táxi. Ela veste uma roupa branca, parece aflita com algo e pede na rua carona para ir em alguns pontos da capital paraense. Os motoristas, confusos mas prestativos, aceitam levar a passageira desconhecida.
Porém, quando chega ao destino final, ela simplesmente desaparece do veículo e deixa no banco de trás apenas um lenço perfumado ou uma flor. A cena se repete com variações e pode ser contada de algumas formas diferentes, mas sempre com o mesmo desfecho: mistério, silêncio e uma pergunta sem resposta.
Essa é uma das lendas mais conhecidas entre os belenenses e, segundo Átila, ela representa bem o porque as histórias sobrenaturais da região se diferem das de outras partes do país. “Essas histórias existem em outros lugares do Brasil, mas só aqui elas tem nome, endereço, foto e identidade. Aqui, ela é quase um documento”, explica.
E foi para preservar essas histórias sobrenaturais que em 1986 Walcyr Monteiro lançou ‘Visagens e Assombrações de Belém’, livro que se tornou referência na literatura regional e permanece como um registro vivo da tradição oral paraense.

“Meu pai teve a sensibilidade de documentar aquilo que só era contado. E agora cabe a mim e a outros continuar esse legado, especialmente diante da urbanização acelerada que ameaça não só nossas matas, mas também nossas memórias”, completa Átila.
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Capital marcada por assombrações
Luzes que se acendem sem explicação, móveis arrastados em cômodos vazios, vozes misteriosas ecoando ao longe e até um piano tocando sozinho. Em Belém, o imaginário popular encontra morada em diversos locais históricos que, além de guardarem a memória da cidade, também acumulam relatos de experiências sobrenaturais.
Conheça alguns pontos da cidade onde o mistério e o medo caminham lado a lado com o passado da capital paraense:
Antiga Escola de Música da UFPA
Localizada na rua José Bonifácio, no bairro de Nazaré, perto do cemitério Santa Izabel, a antiga sede da Escola de Música da Universidade Federal do Pará é cercada por relatos misteriosos. Ex-alunos afirmam ter ouvido um piano tocar sozinho em uma sala trancada durante aulas noturnas. A torre do prédio também era evitada por muitos, por conta de histórias consideradas assustadoras.

Palacete Bolonha
Construído em 1905 pelo engenheiro Francisco Bolonha como presente para a esposa dele, a pianista Alice Tem-Brink, o Palacete Bolonha chama atenção de muitos moradores e visitantes da cidade pelo estilo Art Nouveau e decoração exuberante.

Porém, por trás da beleza do prédio, o local também é conhecido por abrigar várias lendas da cidade. Moradores relatam aparições de uma mulher em uma banheira no segundo andar. Diz-se que, antes da construção do palacete, o terreno era utilizado para desova de corpos de escravizados mortos.
Palácio Lauro Sodré
Hoje sede do Museu do Estado do Pará, o Palácio Lauro Sodré, na praça Dom Pedro II, na Cidade Velha, foi originalmente o Palácio dos Governadores. Erguido entre 1676 e 1681, o prédio é um dos mais antigos da cidade. Por conta disso, há quem diga que o piano do local toca sozinho e que o espírito de antigos governadores ainda circula pelos corredores. No calabouço, visitantes relatam gritos e pedidos de socorro vindos do além.

Edifício Manoel Pinto da Silva
Já considerado o maior arranha-céu da região nos anos 1950, o edifício Manoel Pinto da Silva é hoje mais lembrado pelas histórias sobrenaturais que são vivenciadas lá. Relatos de moradores e visitantes incluem visões de figuras estranhas e arrepios repentinos nos corredores.

Cemitério Santa Izabel
Inaugurado em 1878, o Cemitério Santa Izabel guarda muitas histórias de visagens e lamentos. Visitantes do local relatam ouvir vozes, gritos e passos entre os túmulos. Entre os personagens mais lembrados está Josephina Conte, a famosa “Moça do Táxi”, que segundo relatos foi assassinada em um caso de feminicídio em 1900, aos 19 anos.

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