
Quando meu amigo e eu chegamos para a nossa primeira Noite das Lafons, encontramos a mesa no centro da sala arrumada com maquiagem, sombras, brilho, pincéis e espelhos para nos receber. Era como entrar em um mundo mágico, onde eu poderia ser quem eu quisesse e eu estava pronta para isso.
Uma semana antes, entrei com contato com Brendo Pinheiro, a Monique Lafon, mãe da Haus of Lafon, e Maria Celeste, a Celeste Volúpia, que me convidaram para participar do evento e onde decidi me “montar” – Uma arrumação que combina roupa e maquiagem - como drag queen pela primeira vez. Desde que saí do teatro em 2012 me sentia um pouco incompleta e até com saudade de quem eu era quando a arte me acolheu, estava me sentindo voltando para casa.
Monique me explicou um pouco, por telefone mesmo, o que era a Noite das Lafons: um momento onde as drag queens se reuniam para mostrar suas experimentações artísticas através de figurinos, maquiagem e performances de comédia e/ou musicais. “Filha, prepara tua roupa e uma performance. O tema da noite vai ser ‘Era uma vez no Ver-O-Peso’. Te espero aqui”, disse, minha agora, drag mãe.
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Escolhi representar a Garça namoradeira, a partir da música de Dona Onete. Peguei uma cortina da minha avó, fitas amarelas, blusa de carimbó e montei o que seria o primeiro look de Melina Miranda, minha persona drag. Pedi ajuda para minha madrinha que prontamente deu ideias para minha roupa, cabelo e maquiagem.
Já na casa das Lafons, fui recebida por Maria Celeste (Celeste Volúpia) e Clara Panzera (Molina Byte) que também estava estreando com performance. Enquanto me ensinava a colar minha sobrancelha para que meu rosto ganhasse mais espaço para a pintura, Celeste me contou mais sobre sua vida e experiência como artista drag há pouco mais de 3 anos.
“Eu sentia falta de alguma coisa, eu sentia falta daquele "fervo" de ir para o teatro, de assistir as Themônias, as drags da cidade. Então quando eu me reaproximei do Brendo, que é meu marido hoje em dia, eu pude ter essa oportunidade de começar a experimentar, entender mais esse movimento de perto, mas ainda não era o meu sonho de fazer drag nem nada [...]. Aí surgiu um dia que o Brendo chegou comigo e falou: ‘Olha, a gente vai ter uma apresentação domingo, na feira de empreendedorismo LGBT+. Vai, qual é o teu nome? Jogou’. Aí eu já estava pensando, né? Escolhe uma música, vê o figurino e vai’, e hoje eu estou aqui”, disse.
Entre uma pincelada de sombra e outra, pude perceber que todos naquele lugar eram LGBTs+ e me senti pertencente, já que a arte drag e o movimento sempre estiveram intrinsicamente ligados também como forma de resistência em ser quem se é. Os ativistas queers — incluindo pessoas gays, trans, lésbicas, entre outras identidades e sexualidades — muitas vezes também expressavam sua militância por meio da arte, especialmente através da performance drag. E como a arte se expande e se torna esse lugar de acolhimento, todos podem fazer drag, assim como eu, uma mulher cisgênero.
Celeste reforçou isso em nossa conversa. “Realmente, a arte drag, ela tem o viés dentro da comunidade LGBT+ muito forte. Geralmente, são pessoas LGBTs+ que fazem essa arte, sejam homens cis, mulheres cis, mulheres trans, pessoas não binárias. Hoje em dia ela está bem democrática e pessoas heterossexuais podem fazer, pessoas cisgêneros, podem fazer sim. Porque não é só sobre se vestir de mulher ou se vestir de homem no drag king ou na drag queen. Eu vejo que a [arte] drag vai muito além disso”, pontuou.
"Não precisarmos de permissão de ninguém para ocupar os espaços"
Mulheres cisgêneros na arte drag também é uma pauta defendida por Brigitte Liberté, mulher cis e drag, que se monta há 6 anos. “Sempre penso em reafirmar que drag é sobre montação, experimentação pessoal, autonomia, a exploração de possibilidades estéticas que são tão negadas para nós mulheres. Eu bato muito nessa tecla, na minha luta diária, na minha militância dentro da arte drag sobre nós não precisarmos de permissão de ninguém para ocupar o espaço que nós estamos, nós podemos fazer o que nós quisermos em qualquer âmbito da vida”, contou. E ali, fazendo Melina Miranda nascer, me deparei ainda mais com essa liberdade e diversidade que ser drag nos proporciona.
Quando Brendo (ou Monique) chega em casa e dá um beijo em Celeste, voltamos a conversar sobre como a arte drag acolhe pessoas LGBTs+, já que a história dele começa na igreja onde dançava escondido e vivia em um lar evangélico. Atualmente bailarino clássico profissional, começou na Noite Suja há 11 anos e se tornou uma drag Themônia, forte movimento da cena drag de Belém, que surge como uma subversão da imagem polida das drag queens.
“A Monique me traz essa possibilidade de experimentar as minhas outras vertentes artísticas e além também de massagear o meu ego e me ajudar na minha autoestima. Já a Haus, é uma família que a gente escolhe. A gente se encontra para conversar, não se encontra só para se montar, eu acho super legal. A gente conversa muito sobre a nossa vida, além de vir de uma certa carência emocional, então a gente acolhe, ensina”, disse Brendo, explicando do que se tratam as Haus ou “houses”.
Já todas prontas, esperamos nossas “irmãs” chegarem para começarem as apresentações da noite. Entre elas: Nox Eternus, Gaveira Mortalia, Bora Bora, Leila Close e Gigi Híbrida. Começando pelo desfile onde tínhamos o urubu malandro sendo representado, o boto cor-de-rosa, a cobra grande, a garça namoradeira e outros elementos indispensáveis do Veropa.
Seguiu-se um set de comédia e performances, começando por mim. Escolhi cantar, uma das músicas mais marcantes da minha infância paraense, “Quem não te quer sou eu” da banda Sayonara. Tentei não transparecer meu nervosismo e deu tudo certo. Melina Miranda foi elogiada, mas o mais importante, se sentiu acolhida.
Estar em uma casa vendo apresentações tão cheias de vida e emoção, me fez refletir que a arte drag, assim como o movimento LGBT+, nos faz sentir seguros em diferentes aspectos. Mesmo em um mundo com discriminação, ali nos sentimos seguros e sem medo. Seguros de si mesmo, seguros de aceitar nossos corpos, seguros de abraçar nossas estranhezas, seguros em ter um lugar para voltar e viver a liberdade de nossas identidades e sexualidades sem medo de julgamentos sociais. Na arte encontramos também a paz.
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