
Nos últimos anos, um movimento ganhou as redes sociais entre a geração Z: o uso de câmeras analógicas como polaroids, 35 milímetros e as primeiras câmeras digitais, as cybershots, que viralizaram entre os mais jovens especialmente no Instagram no TikTok. Alguns artistas da cultura pop também se renderam a nostalgia, como Taylor Swift e a estética do álbum 1989 e o líder do grupo de Kpop BTS Kim Namjoon em seu último trabalho solo, “Right Place, Wrong Pearson”, influenciando assim muitos usuários da internet.
Em tempos de celulares com câmeras cada vez mais sofisticadas e da produção acelerada de imagens para as redes sociais, a fotografia analógica ressurge como uma forma de resistência estética e criativa.
A pesquisadora Desirée Giusti defende que esse resgate surge de forma “orgânica” assim como outros meios que retornaram à alta com um toque de nostalgia, sendo um movimento é parte de um ciclo cultural. “É parecido com o que aconteceu com o vinil. Acho que mistura nostalgia com a busca por experiências diferentes. Hoje fotografamos de forma incansável e frenética, e nesse cenário o processo analógico encanta por ser mais lento, limitado e cheio de imperfeições”, explicou.
Ela observa que essa estética diferenciada dialoga com uma vontade coletiva de desacelerar. “Você pensa mais antes de clicar, se envolve mais com o momento. Tem um charme próprio”, completou.
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Fotografia Analógica no Pará
Em Belém funciona o único estúdio de revelação de fotografia analógica do Norte o Brasil, o Analógica 360, que funciona no prédio da associação FotoAtiva. O fotógrafo Raphael da Luz, um dos colaboradores do local, também têm se dedicado a explorar esse universo, unindo pesquisa, experimentação e paixão por um fazer mais artesanal.
Raphael conta que seu interesse pela fotografia começou cedo, ainda na infância. “Não tenho uma memória muito exata de quando isso começou, mas lembro de três momentos em que minha atenção estava voltada para a fotografia. O primeiro foi por volta dos 11 ou 12 anos, quando eu brincava com a câmera saboneteira da minha mãe, mesmo sem filme, guardando as fotos na cabeça. Mais tarde, aos 16, comprei minha primeira câmera analógica na feirinha da Praça XV, no Rio de Janeiro. E, em 2019, ao participar do Pinhole Day, na Fotoativa, passei a experimentar outras possibilidades com a fotografia artesanal, que me interessam até hoje”, relembrou.
Mesmo com a popularização das câmeras digitais e dos smartphones, Luz segue fiel ao analógico por uma questão de gosto. Para ele, o processo manual é o que torna a experiência única. “Não acho que existe uma hierarquia entre digital e analógico. O que me atrai na fotografia analógica é a curiosidade despertada pelo processo. Desde a atenção aos detalhes até a compreensão de como a luz reage na emulsão do filme fotográfico, tudo isso é mágico e, ao mesmo tempo, científico”, explicou o fotógrafo.

O movimento de resgate das câmeras de filme e até das primeiras digitais não passa despercebido por ele. Segundo Raphael, esse fenômeno está ligado à busca por uma estética nostálgica e à saturação do ambiente digital. “Isso não acontece só com a fotografia. É algo que vemos na moda, na música, em várias áreas. Acho que esse tipo de apelo ta ligado a uma ideia de que ‘naquela época era melhor’ e com a fotografia pode ser porque estamos saturados de informações digitais muito rápidas e muito ‘nítidas’, sabe? O próprio Instagram, que começou como uma plataforma de compartilhar fotografias, não é mais isso hoje, é um ambiente voltado pra criação de conteúdo monetário", avaliou.
"Então eu acho que aos poucos perdemos esses - e outros - ambientes que não demandam esses padrões estéticos e de tipos de conteúdo feitos essencialmente pra viralizar. Acaba que a fotografia analógica, ao meu ver, ainda proporciona um pouco dessa curiosidade e do desejo que não estão ligados a números e isso tem sido interessante de novo para as pessoas.”, analisou.
Para quem deseja se aventurar com câmeras analógicas, ele dá alguns conselhos práticos. O primeiro é pesquisar sobre o funcionamento da própria câmera, recorrendo a vídeos e fóruns na internet. Outro passo importante é conversar com profissionais de laboratórios fotográficos, trocando experiências sobre filmes e técnicas. Mas o fotógrafo destaca que o essencial é não ter medo de errar.
“De fato, hoje fotografar com câmeras analógicas exige um gasto um pouco maior e queremos que os resultados acabem valendo pelo investimento que fizemos, eu acho que é justo desejar isso, mas nem tudo precisar girar em volta de um valor utilitário ou monetário. A fotografia analógica, por não ser instantânea, exige que nós pensemos um pouco mais sobre como vamos ‘gastar’ aquela foto e isso nos faz olhar pra coisas que estão pra além do visor da câmera.”, completou.
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Cybershots de volta às redes sociais
No início dos anos 2000, as primeiras redes sociais como o Orkut, ICQ, MSN e Fotolog, viraram febre no mundo todo fazendo com as primeiras câmeras digitais também viralizassem. Uma das queridinhas da época foram as Cybershots, que eram compactas, fáceis de levar para qualquer lugar e ajudaram a popularizar a fotografia na internet.
Com o tempo, foram caindo em desuso e ficaram “sumidas” das redes principalmente as de qualidade mais baixa. Porém, com o resgate da fotografia mais “imperfeita” elas voltaram com tudo.
O modelo plus size e fotógrafo Erik Rivero conta que encontrou na fotografia um caminho no uso das Cybershots de expressão que vai além da técnica e da estética perfeita das câmeras modernas, principalmente as de celular.
Rivero lembra que sua experiência começou de forma tímida, ainda na juventude, quando teve acesso às câmeras digitais populares na época. “Eu confesso que quando usava naquela época, eu não gostava da qualidade. O pessoal tinha CyberShot, que era mais cara, e eu comprava outra, com qualidade inferior. Quando adquiri a minha CyberShot, já era justamente o período em que a fotografia começou a transicionar para o mobile. Então, não tive muito tempo para aproveitar”.
Foi há cerca de dois anos que ele voltou a usar a CyberShot e redescobriu o charme das imperfeições que ela produz. “Essas câmeras têm o que o pessoal chama de filtro OCD, que não deixam a imagem tão perfeita. Isso faz a gente enfrentar essa questão do perfeccionismo na estética de hoje. Com iPhones e câmeras DSLR, a qualidade é surreal, quase intocável. Já a foto feita com uma digital antiga nada contra a corrente do perfeito, e é justamente isso que busco nas minhas imagens”, explicou Erik.

Além da fotografia digital, Rivero também se aventurou no universo analógico, adquirindo câmeras de filme 35 mm. No entanto, esbarrou em algumas dificuldades do mercado. “Eu gosto muito da fotografia analógica, mas ficou um hobby caro. Os filmes são caros e aqui em Belém há poucos lugares que ainda revelam. Quando revelam, o preço é ainda mais alto. Então, acabei desistindo de investir nessa área”, comentou.
O interesse pela fotografia nasceu de forma direta a partir de sua carreira como modelo. “Sou modelo plus size há cerca de dois anos e meio, e justamente por isso comecei a estudar fotografia, para ter material para mim e também para ajudar amigos. Para mim, a fotografia é importante porque eterniza um momento. Ela transforma um milésimo de segundo em memória, em algo que pode ser mostrado a outras gerações e que pode inspirar. A fotografia é um discurso, uma fala, uma expressão, uma arte”, afirmou o modelo.
Para ele, mais do que a técnica ou o equipamento, o essencial está no olhar de quem fotografa e de quem observa. “Tudo depende dos olhos de quem constrói um discurso por meio da fotografia e de quem tem sensibilidade para enxergá-lo”, concluiu.
Veja mais fotos de Erik
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