Horas depois de a Conmebol agradecer ao Brasil por sediar a Copa América a partir do próximo dia 13, o governo federal foi a público dizer que a realização do evento no país não estava confirmada.
Diante da repercussão negativa do anúncio feito pela entidade que comanda o futebol no continente, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) afirmou no início da noite que a realização da Copa América no país ainda não está definida, mas disse que o evento, caso ocorra, deverá seguir protocolos sanitários e ter a vacinação de atletas e comitivas.
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"Não tem nada certo. Estamos no meio do processo, mas não vamos nos furtar a uma demanda, caso seja possível atender", declarou o ministro. Uma decisão deve ser anunciada ainda nesta terça (1º).
Não está clara como seria feita essa logística para que todos recebessem as duas doses da vacina antes do início da rodada inaugural. O intervalo entre cada dose, a depender do imunizante, pode variar de 21 dias a três meses.
A confederação sul-americana comemorou na manhã desta segunda-feira (31) a mudança da sede da competição e agradeceu à CBF e ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), dando a entender que a realização do evento estava confirmada. A busca por um local se deu após a Argentina avisar de forma oficial à Conmebol de que teria de abrir mão da copa por causa da pandemia da Covid-19.
Antes disso, a Colômbia havia feito o mesmo, mas devido a protestos populares contra o governo.
Durante todo o dia, a CBF e a Conmebol tentaram confirmar cidades para abrigar os jogos, sem sucesso até a publicação deste texto.
A Conmebol sabia desde a última sexta-feira (28) sobre as dificuldades da Argentina para abrigar a competição deste ano e já buscava alternativas. O Brasil apareceu como salvador do torneio.
A preferência da confederação era por realizar o evento nos Estados Unidos, caso a Argentina realmente pulasse fora do barco. Mas a nação da América do Norte não aceitou.
"O melhor futebol do mundo trará alegria e paixão a milhões de sul-americanos. A Conmebol agradece ao Presidente Jair Bolsonaro e sua equipe, bem como a Confederação Brasileira de Futebol, por abrir as portas daquele país ao que é hoje o evento esportivo mais seguro do mundo. A América do Sul vai brilhar no Brasil com todas as suas estrelas!", diz postagem no Twitter do entidade.
A intermediação entre Bolsonaro e Conmebol foi feita pelo presidente da CBF, Rogério Caboclo. Houve uma conversa do mandatário da confederação sul-americana, Alejandro Domínguez, com o político brasileiro, que aceitou sediar a Copa em princípio. A reportagem soube, porém, que Bolsonaro não imaginava que o anúncio seria feito imediatamente.
Um dos desejos de Domínguez é que pelo menos a final aconteça com a presença de público. O mesmo pedido havia sido feito ao presidente argentino, Alberto Fernández, que havia descartado essa possibilidade. O governo federal brasileiro disse que esse tema deve ser debatido com o estado sede.
Pernambuco foi um que já recusou a possibilidade de receber os jogos.
De acordo com a assessoria de imprensa do governo estadual, "nas últimas semanas, foi identificada uma nova aceleração dos casos [da Covid-19], que motivou novas medidas restritivas no Agreste e na Região Metropolitana. Apesar de ainda não ter sido procurado oficialmente pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Governo do Estado reforça que o atual cenário epidemiológico não permite a realização de evento do porte da Copa América no território de Pernambuco".
Em nota, o governador de São Paulo, Joao Doria (PSDB), disse não se opor a que o estado seja uma das sedes.
"O governo de São Paulo não fará objeção caso a CBF defina São Paulo como um dos locais de jogos da Copa América, desde que os protocolos do Plano São Paulo sejam obedecidos."
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), escreveu em sua conta no Twitter que o estado não está disponível para abrigar o torneio.
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), diz ter sido procurado pela Federação Gaúcha e que teria que falar com o governo do estado. O governador Eduardo Leite (PSDB) considera "inoportuno" realizar partidas do torneio no Rio Grande do Sul, mas se houver algum convite vai "levar o assunto para discussão com os outros Poderes e entidades que representam a sociedade gaúcha".
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), sinalizou estar disposto a receber a final no Estádio Nacional Mané Garrincha. No início do ano, ele tentou realizar a Supercopa do Brasil no local com a presença de torcedores, mas a ideia não vingou.
Consultada pela reportagem, a administração da arena de Brasília disse que todas as datas possíveis para a Copa América estão disponíveis, assim como toda estrutura do local.
Uma das cidades cotadas para receber o evento, Goiânia tem o apoio do Atlético-GO, representante da região na Série A do Campeonato Brasileiro. Mas nem o prefeito da cidade, Rogério Cruz (Republicanos), nem o governador Ronaldo Caiado (DEM) se pronunciaram.
"O prefeito [Cruz] é conselheiro do Atlético, e tem interesse. E o [Ronaldo] Caiado, governador, é de direita, não vai ter problema, não. Será uma grande oportunidade, coloquei meu estádio á disposição e não vai ter público, estou cansado desse país sensacionalista", afirmou Adson Batista, presidente do Atlético-GO.
Já o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), afirmou no Twitter que o estado não recebeu nenhuma comunicação oficial da CBF sobre a realização de jogos na Arena da Amazônia. Disse também que, se confirmada a intenção, nenhuma decisão será tomada sem avaliar as condições epidemiológicas e sanitárias.
Há locais em conflito entre a autoridade política local e estadual. O prefeito de Cuiabá -uma das cidades cotadas- Emanuel Pinheiro (MDB) é contra as partidas na capital. No entanto, a reportagem soube que o governador Mauro Mendes (DEM) é a favor.
"Estamos na iminência de uma terceira onda da Covid-19 e não podemos nos descuidar agora. Vejo com muita preocupação a realização da Copa América nesse momento tão crucial em que novas variantes do vírus surgem a toda hora. Nosso foco deve ser no avanço da vacinação e no tratamento aos infectados", disse Pinheiro.
O governo do Rio de Janeiro vai se reunir com a Prefeitura da capital para juntos decidirem se a cidade tem condições de receber jogos da Copa América. A decisão será pautada por critérios técnicos e pela situação da pandemia no estado, explicam.
Em 2019, quando o Brasil sediou o torneio pela última vez, Bolsonaro fez diversas aparições em público. Na semifinal, por exemplo, deu uma volta no gramado durante o intervalo do jogo da seleção contra a Argentina, o que chegou, inclusive, a irritar Lionel Messi.
Na final, o presidente esteve ao lado de Alejandro Domínguez, foi ao gramado para a cerimônia de premiação e se juntou aos jogadores com a taça de campeão.
A boa vontade de Bolsonaro foi uma forma de se mostrar perto da seleção e gerar ganho político com isso. No Maracanã, após a vitória sobre o Peru em 2019, ele fora recebido com os gritos de "mito" por alguns dos atletas.
A influência do governo federal para trazer um evento do tamanho da Copa América para o Brasil em plena pandemia já repercute no meio político. Ciro Gomes, do PDT, pediu à CPI da Covid a convocação de Rogério Caboclo para dar explicações.
"A CPI da Covid tem que agir preventivamente. Convocar o presidente da CBF e as autoridades esportivas para saber quais os cuidados que serão tomados para realização da Copa América. A questão não é gostar ou não gostar de futebol. Eu adoro! A questão é não brincar com a vida dos brasileiros. E não fazer demagogia a troco da morte de inocentes", escreveu no Twitter.
O deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) ingressou com ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal, pedindo que seja suspensa qualquer autorização para a realização do campeonato. Seu partido pretende também acionar o STF (Supremo Tribunal Federal).
"Quando vi no noticiário que a Argentina desistiu da Copa América, pensei que trariam para cá. A Conmebol precisava de uma pessoa com muita irresponsabilidade como o Bolsonaro. Ele acha que 470 mil pessoas [número aproximado de mortos pela Covid] não valem nada. Precisamos é de vacina. Imagine realizar um evento com dez delegações, profissionais de imprensa. Precisamos de sanidade e vacina", diz Delgado à reportagem.
"Os números nossos [da pandemia] e a proibição de eventos não permitem que o presidente Jair Bolsonaro, deliberadamente, decida que uma Copa desta importância, com dez seleções de dez países onde a gente não sabe como está o controle da pandemia, seja realizada aqui, só pela questão financeira", completa.
Ainda não foram revelados em quais estádios o torneio será disputado. A Conmebol prometeu apresentar novidades ainda nesta segunda. No domingo, o Brasil chegou a marca de 462 mil mortes pelo coronavírus, com tendência de alta em alguns estados.
Questionada pela reportagem, a CBF não quis se pronunciar sobre o evento neste momento. A entidade também cancelou a entrevista coletiva de jogadores da seleção brasileira em Teresópolis, prevista para o início da tarde desta segunda.
Procurada, a Secretaria Especial de Imprensa da Presidência não se manifestou sobre as negociações para que o país sedie a Copa América e orientou que o Ministério da Cidadania fosse procurado para prestar esclarecimentos. Até o momento, não houve retorno.
A mudança na sede não foi o primeiro obstáculo para esta edição do torneio. Inicialmente, a competição estava prevista para acontecer tanto na Argentina quanto na Colômbia.
As coisas começaram a degringolar no último dia 20 de maio, quando a entidade anunciou a retirada da Colômbia como sede.
A seleção brasileira, inclusive, faria sua estreia na Copa América contra a Venezuela, em solo colombiano, no dia 14.
A Conmebol, no último dia 20, chegou à conclusão de que o país, agitado por protestos sociais, não reunia condições de receber as partidas do torneio.
A decisão foi anunciada um dia depois de uma grande manifestação contrária à Copa América, em Bogotá. "Se não há paz, não há futebol", dizia a frase exibida em cartazes e também pichada nas paredes do estádio El Campín, um dos campos que receberia jogos do torneio.
A Colômbia vive um ambiente de acentuada tensão social, com protestos contra uma reforma tributária proposta pelo governo.
A repressão policial teve momentos pesados, e os conflitos resultaram em dezenas de mortos.
A Copa América de 2021 é apenas o último problema enfrentado pela Conmebol na organização de seus torneios mais importantes nos últimos quatro anos.
Em 2017, a final da Copa Sul-Americana teve invasão ao Maracanã por torcedores flamenguistas, que também protagonizaram episódios de violência. A partida foi usada como uma das justificativas da entidade para passar a realizar decisões em jogos únicos.
No ano seguinte, a partida do título da Libertadores teve de ser levada para Madri após ônibus que levava a delegação do Boca Juniors ser apedrejado por torcedores do River Plate nas cercanias do estádio Monumental de Nuñez. Foi a primeira vez que o troféu de clubes mais importante do continente acabou decidido fora da América do Sul. Isso apenas foi possível porque a Qatar Airways, patrocinadora da confederação, pagou todos os custos.
Lionel Messi acusou a Conmebol de corrupção durante a Copa América de 2019 e insinuou haver um acordo para o Brasil ser campeão.
Ao final da mesma temporada, protestos populares fizeram com que a a final da Libertadores fosse levada de Santiago para Lima. A capital peruana havia sido vetada meses antes para receber a decisão da Sul-Americana por, teoricamente, não oferecer a estrutura necessária.
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