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AGROPARÁ

Pato está cada vez mais raro nas mesas

Custos de criação, preços, incentivos e falta de pesquisas provocam a substituição do tradicional prato paraense por opções mais baratas ou com proteínas parecidas

Imagem ilustrativa da notícia Pato está cada vez mais raro nas mesas camera Mauro Ângelo

O pato no tucupi e a maniçoba não são apenas comidas típicas do Pará e dois ícones do Círio de Nazaré. Eles são legitimamente reconhecidos como integrantes do patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado, graças à promulgação da Lei n° 7.549, de 2011. Mas enquanto a maniçoba vai sendo cada vez mais explorada e ganhando novas receitas, o pato se torna mais caro - e raro - nas feiras de Belém.

Segundo dados da Secretaria Municipal de Economia (Secon) e Dieese Pará, em pesquisa realizada no Círio de 2020, o pato vivo foi encontrado com preços que variavam entre R$80 e R$100 (patos de 2,5 a 3,5 kg). E os dois órgãos estimam que, assim como a maioria dos alimentos, o valor do pato também deve sofrer alterações neste ano. Para quem trabalha diretamente com a criação e a venda, o principal gargalo está nos custos de produção.

Edivaldo Moreira trabalha há mais de 40 anos no Ver-o-Peso e tanto vende este que é um dos principais ingredientes da gastronomia paraense, como tem uma pequena criação. “O pato come muito, você tem muita despesa, a um custo alto que não compensa por completo na hora de vender. Eu já tive uma boa criação, agora está bem fraquinho. Vale mais a pena criar galinha”, diz ele.

Com relação aos gastos para criação, a assessoria técnica do Departamento de Apoio à Produção da Secon aponta que o investimento inicial em infraestrutura, como a instalação, vasilhames de madeira para a alimentação, rações e matrizes composta por um macho e seis fêmeas, é de R$2 mil. E que após este investimento, cada novo grupo de dez aves, com 120 dias de ciclo entre nascimento e abate, tem um custo de aproximadamente R$450, fora os custos com a comercialização (transporte) e/ou armazenamento de aves abatidas.

Para tentar driblar a queda no número de produtores capazes de manter esses custos, a Prefeitura de Belém tem incentivado a criação de pequenos produtores familiares das ilhas de Mosqueiro, Outeiro e Cotijuba, com apoio de consultorias de técnicos do Departamento de Apoio à Produção. “A ideia é aumentar a produção local e garantir mais uma fonte de renda a esses trabalhadores”, diz em nota.

Nely dos Santos, 70, umas das criadoras atendidas pelo projeto municipal em Cotijuba, no entanto, diz que ainda assim é difícil lidar com os gastos. “Eu recebi da Secon duas famílias de patos, mas só sobreviveu uma, que eu venho criando desde setembro passado. Já tem algumas encomendas na própria Ilha para o Círio, mas não deixei que eles chocassem mais porque a despesa é muito grande e não pretendo manter a criação. Para atravessar para Belém, fica ainda mais caro, pagar alguém pra carregar, atravessar e vender”, comenta.

CÍRIO

Os dados da Secon e Dieese apontam que quase 250 mil patos são consumidos apenas em Belém durante o domingo do Círio. “Apesar de não ter ocorrido a procissão religiosa devido à pandemia, o tradicional prato típico do Círio continuou, em 2020, sendo bastante consumido entre as famílias, nos lares paraenses”, acrescenta a Secon. Os dados de produção e exportação brasileira também apontam isso. O Pará não consta no cenário exportador, que corresponde a quase 4 milhões de toneladas por ano, porque sua produção é absorvida pelo mercado local. Segundo o último censo realizado pelo IBGE, em 2018, o Estado tem o segundo maior rebanho de aves aquáticas do Brasil, cerca de 341,6 mil cabeças, em 25,7 mil estabelecimentos agropecuários, com média de 13,3 animais por propriedade, com destaque para os municípios de Cametá (27,7 mil cabeças), Santarém (13,6 mil), Igarapé-Açu (13,4 mil) e Bragança (12,06 mil). O mito da compra do pato apenas no Círio também é derrubado quando o prato típico se faz presente também em datas como Dia das Mães e festas de fim de ano. E mesmo as festas religiosas não faltam. Além do Círio da capital, existem outras 36 programações religiosas nos municípios do interior, podendo chegar a 100 o número de romarias realizadas durante o ano, levando-se em consideração quando contabilizamos as homenagens à Maria como Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e da Conceição - todas tendo o pato à mesa.

marreco

Descartada a falta de demanda, a concorrência desleal e uma cadeia produtiva carente de investimentos podem ser a resposta para esse desencontro. Pesquisador desta área, o Professor Dário Lisboa, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) campus de Capanema, começa apontando uma diferença pouco notada pelos consumidores. O Estado de Santa Catarina, principal exportador brasileiro (89,86%) e cujas aves também chegam ao mercado paraense, trabalha principalmente com o chamado “pato” mulard, um híbrido.

“Ou seja, o cruzamento de duas espécies diferentes do pato macho (Cairina moschata domesticus) com o marreco fêmea (Anas platyrhynchos). E obtém-se assim um animal de crescimento rápido e mais pesado, porém, com menos produção de gordura”, explica. Mesmo sem ser o pato “de verdade”, ele acaba sendo vendido desta forma, sem que o consumidor realmente entenda porque ele sai até três vezes mais barato que o pato regional (C. moschata domesticus) criado no Pará. De acordo com o pesquisador, isso tem levado a relatos nos restaurantes e feiras. “Como o preço do ‘pato’ mulard (encontrado congelado nos supermercados) é mais acessível, somado ao fato da difícil distinção pelos consumidores, os restaurantes ficam tentados a oferecer o ‘híbrido no tucupi’. Nas feiras, há relatos que os vendedores passam a comprar o ‘pato’ mulard congelado dos supermercados, retiram-lhes as embalagens e vendem como se fossem a pata regional, devido ao seu

menor tamanho”, relata.

Uma pesquisa do Dieese de 2015, apontou que os patos congelados correspondem a 70% dos consumidos no Círio. “A adulteração e substituição das carnes trazem outras preocupações, tais como: alergias específicas a um determinado alimento, questões religiosas e culturais, salubridade e concorrência desleal no mercado”, acrescenta Dário Lisboa. A equipe de pesquisa da UFRA Campus Capanema chegou a criar o projeto de pesquisa “Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Pato Regional no Estado do Pará: Discriminação molecular de carnes em anseriformes comercializados na grande metrópole do Estado do Pará” que objetiva desenvolver um método barato de detecção dessas possíveis fraudes.

Resultados preliminares da pesquisa já foram publicados em congressos e seminários de iniciação científica. No entanto, o projeto não tem recurso e foi custeado pelos pesquisadores envolvidos. “Esse método poderia subsidiar as fiscalizações, o que fortaleceria a cadeia produtiva, pois daria ao produtor de pato regional a possibilidade maior de inserir seu produto no mercado local, feiras e restaurantes”, considera o pesquiador. Outras ações de fortalecimento da cadeia produtiva são o incentivo às pesquisas em relação às exigências nutricionais e o melhoramento genético dos patos regionais. Os pesquisadores da UFRA/Capanema e Instituto Federal do Pará (IFPA)/Bragança aprovaram, por duas vezes no edital Fapespa do Interpará, em 2017 e 2018, um projeto denominado “Produção Sustentável do Pato Regional: estratégias e avanços no melhoramento”. No entanto, ambos os editais foram cancelados por falta de recurso.

Esse mega projeto visava impulsionar a cadeia produtiva com a criação de uma nova raça de pato regional denominada “Pato Caeté” por meio de seleção e cruzamento em sucessivas gerações e, posteriormente, identificar os genes que estão associados ao ganho de peso acelerando assim o processo de seleção e melhoramento genético. “O projeto prevê ainda o desenvolvimento de metodologia de diagnóstico molecular como ferramenta de tomada de decisão em plantéis de patos regionais, permitindo uma assistência aos produtores, identificando quais aves deverão ser os reprodutores”, acrescenta o pesquisador.

DESCARACTERIZAÇÃO

A alta demanda e baixa oferta do pato regional no mercado, eleva o preço da ave que acaba perdendo espaço para outras proteínas como o híbrido de marreco, conforme já dito, o frango, suíno e até mesmo o peixe que podem ser combinados com o tucupi, e tal prática não é apenas um problema comercial. Ele leva também à uma perda da identidade cultural do Pato no Tucupi, se distanciando do reconhecimento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), do registro do preparo do pato no tucupi como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, projeto de lei já encaminhado pelo ex-deputado federal Miriquinho Batista (PT-PA) por considerar que o prato possui forte influência indígena. “Esta influência se justifica tanto pelo fato desta ave ter sido um dos primeiros animais domesticados pelos índios, quanto pela habilidade desses indígenas em extrair o tucupi, que é o sumo obtido da mandioca após ter sido ralada e prensada. A farinha de mandioca, de onde se origina o tucupi, já está presente no Inventário Nacional de Referências Culturais (INRF) administrado pelo IPHAN e vem sendo objeto de pesquisa e documentação”, lembra o pesquisador da UFRA. “Se você não fizer a pesquisa, o melhoramento, a extensão, levando para o produtor, a cadeia não consegue caminhar sozinha. E o risco é daqui 10 anos não saber o que é pato no tucupi e comer ‘o marreco no tucupi’”, acrescenta.

O PATO NO PAÍS

Nos últimos anos, o Brasil vem aumentando significativamente a produção de aves aquáticas da Família Anatidae, que compõem os patos, marrecos e gansos. Esses animais além de fornecerem carne, uma excelente fonte de proteína, fornecem também ovos e plumas utilizados em travesseiros e ornamentação. No entanto, o consumo da carne desses animais pelos brasileiros ainda é baixo, com média em torno de 20g/habitante/ano, enquanto chineses e franceses consomem próximo a próximo a 1kg/habitante/ano.

n Logo, o Brasil se coloca no cenário mundial como um exportador desse grupo de aves. De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), em seu relatório de 2021, a Produção Brasileira de Carne de Pato foi de 4,120 milhões de toneladas, destes 85% foi exportada para Arábia Saudita (35,6%), Emirados Árabes Unidos (27,8%), Peru (9,9%), Catar (9,7%) e Kuwait (6,9%), entre outros, gerando receita de 10,525 milhões de dólares. O Estado de Santa Catarina é o principal exportador brasileiro, detendo 89,86% das exportações.

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