Se adaptar aos impactos causados pela pandemia do coronavírus tem sido um desafio para a sociedade brasileira. São situações inusitadas e experimentadas pela primeira vez no país. Uma das mais importantes intervenções, por exemplo, foi a aprovação, pelo Congresso Nacional, de projeto de lei que flexibiliza regras para as relações de Direito Privado durante o período de calamidade pública. Destas regras, sem dúvidas, o Direito de Família e Sucessões é um dos que mais suscitam cuidados.
Os impactos nessa área são inimagináveis, preveem especialistas. Entre esses impactos mais graves estão, por exemplo, a prisão domiciliar para devedores de pensão alimentícia, suspensão de “visitas” às crianças e idosos, guarda compartilhada e até a visita de filhos menores a mulheres presas.
O presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Rodrigo da Cunha Pereira, lembra que todos os ramos do Direito terão que se adaptar a este “tempo de guerra”. “Já há dezenas, talvez centenas, de decisões judiciais suspendendo, ou modificando a convivência de filhos de pais separados. Este, certamente, é o impacto mais imediato e a curto prazo desta pandemia no Direito de Família. Também a curto e médio prazo virão as execuções e revisões de pensão alimentícia, pois o impacto econômico desta pandemia é incalculável”, explica.
O advogado revelou que no país a maioria dos pedidos de suspensão de “visitas” tem sido feito por parte da mãe. Mas que os pais também têm recorrido à Justiça para que não ocorra interrupção da convivência entre pai e filho. “A maioria das decisões judiciais tem sido favoráveis à suspensão, mesmo em casos de guarda compartilhada”, diz, e explica que a fundamentação das decisões invocam o princípio do melhor interesse da criança/adolescente, pelo risco do contágio, que pode acontecer com o leva e traz do filho de uma casa para outra.
BOM SENSO
Direito Familiar é um instrumento criado por três advogadas curitibanas para colocar em discussão as complicadas nuances das varas de família em todo país. Por meio do site, Arethusa Baroni, Flávia Beckert Cabral e Laura Roncaglio de Carvalho recebem demandas, comentam e discutem decisões nesses tempos de coronavírus, quando o contato virtual é a melhor forma de não se manter desatualizado.
Para as advogadas durante a pandemia, onde o isolamento social é altamente recomendado, as precauções para frear a propagação da doença afetam diretamente o direito das visitas e da guarda compartilhada, já que a criança não terá liberdade de ir e vir com o não guardião.
“A exposição desnecessária somada ao princípio do principal interesse da criança tem sido um dos principais argumentos para suspender visitas. Aqui cabe o bom senso dos pais para que a questão não seja judicializada”, opinam.
Habeas corpus a devedores de alimentos
Recente decisão dada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo de Tarso Sanseverino, ao conceder habeas corpus a devedores de alimentos, que deverão cumprir pena em regime domiciliar também levantou discussões no mundo jurídico. Impetrada pela Defensoria Pública do Ceará, a medida considerou o crescimento exponencial da pandemia e seguiu as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para evitar a propagação.
A presidente da Comissão de Defensores Públicos da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Roberta Quaranta elogiou a decisão. “A regra constitucional que permite a prisão civil do devedor de alimentos deve ser interpretada em face dos princípios fundantes da República, que reduzem a abrangência da prisão civil por dívida e enaltecem a dignidade da pessoa”, afirma.
A defensora pública no Estado do Ceará lembra que, apesar de o Código de Processo Civil ter estabelecido que a prisão do devedor de alimentos deve ser cumprida em regime fechado, separado dos presos comuns (art. 528, §4, CPC), já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a série de inconstitucionalidades que acomete o sistema carcerário brasileiro.
“É impossível se pensar em medidas de contenção dessa pandemia dentro dos estabelecimentos penais”, observa. “Em relação aos presos de alimentos, a situação é ainda pior, haja vista que, por ter curta duração, o encarceramento servirá apenas para que os devedores de alimentos contraiam o Covid-19 e repassem para o núcleo familiar.”
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