A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi tomada em ação protocolada no último dia 5 pelos partidos Rede e PSB. As siglas pediam a invalidação de trecho da lei de 1999 que disciplina o trabalho dos órgãos de inteligência e regulamenta o compartilhamento de dados com essas instituições.
Os ministros não anularam a norma, mas a interpretaram conforme a Constituição a fim de deixar claro os limites para intercâmbio de informações.
Os ministros Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram para estabelecer três requisitos para o trabalho desses órgãos: veto a dados sigilosos e exigências de interesse público e de requisição fundamentada. O ministro Marco Aurélio foi o único que divergiu e defendeu a rejeição da ação.
A Constituição já impõe regras para o trabalho dos órgãos do setor e o efeito prático da decisão será reduzido.
O julgamento, porém, contou com diversos recados ao presidente Jair Bolsonaro e teve como pano de fundo o relatório contra servidores públicos autodenominados “antifascistas” e a preocupação com as críticas de Bolsonaro à atividade de inteligência do governo reveladas na reunião ministerial de 22 de abril.
Os magistrados demonstraram preocupação tanto pelo momento atual quanto pelo período em que o regime militar monitorou ativistas e perseguiu grupos políticos.
“Há o justo receio sob ângulo histórico e há o justo receio sob prisma da realidade, porque recentemente se queixou que Abin deveria saber mais que ela sabia”, disse Luiz Fux, que assumirá neste ano a presidência do STF.
Fux também deixou claro que o julgamento visa apenas “esclarecer” o trabalho dos órgãos, uma vez que os limites já são impostos na Constituição.
O ministro Edson Fachin disse que é importante o STF delimitar os parâmetros porque, atualmente, não há um regramento detalhado sobre as atribuições e poderes dos órgãos.
“Tem-se um cenário em que a ausência de protocolos claros de proteção e tratamento de dados, somada à possibilidade, narrada na inicial e amplamente divulgada na imprensa, de construção de dossiês investigativos contra servidores públicos e cidadão pertencentes à oposição política, deve gerar preocupações quanto à limitação constitucional do serviço de inteligência”, disse.
Cármen Lúcia disse que não se pode usar o sistema de inteligência em proveito político. “O que é proibido é que se tome subterfúgio para atendimento de interesses particulares ou pessoais desvirtuando-se competências constitucionalmente definidas”, disse.
A ministra também destacou a gravidade de qualquer atuação fora do que estabeleceu o STF. “Inteligência é atividade sensível do Estado, mas está posta na legislação como sendo necessária. Arapongagem é crime. Praticado pelo Estado, é ilícito gravíssimo. O agente que obtém dados sobre quem quer que seja fora da legalidade comete crime”, disse.
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Lewandowski e Moraes fizeram a defesa mais enfática da Agência Brasileira de Inteligência e ressaltaram que não se há notícia de atuação ilegal deste ou de outro do órgão do sistema de inteligência. Apesar disso, eles concordaram com a possibilidade de o STF esclarecer a atuação da atividade.
Barroso, por sua vez, também realçou a necessidade de criar parâmetros para atuação dos órgãos de inteligência. “A própria Abin já esteve envolvida em investigações internas ilegais que levaram à anulação de processos penais. O perigo é muito grande, a tentação é muito grande. Nada obstante isso, uma agência profissional e eficiente é importante para o país em matéria de segurança e de políticas públicas”, disse.
A ação também pedia anulação de decreto publicado em julho por Bolsonaro para ampliar os poderes da Abin. Os ministros, porém, mantiveram a eficácia da norma e destacaram apenas que ela deve seguir os parâmetros estabelecidos no julgamento
A preocupação no STF com o uso de órgãos de inteligência pelo atual governo surgiu após a divulgação da reunião ministerial de 22 de abril citada pelo ex-ministro Sergio Moro em depoimento à Polícia Federal.
No encontro, Bolsonaro reclama da falta de informações a que tem acesso e de uma suposta perseguição à sua família. O chefe do Executivo diz ter formado uma equipe particular para se manter informado.
“Se reunindo de madrugada pra lá, pra cá. Sistemas de informações: o meu funciona”, afirmou. “O meu, particular, funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma [sic]. Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, continuou o presidente.
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