A denúncia oferecida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra um deputado investigado no caso das "rachadinhas" indica que a acusação contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) ainda pode ser reformulada, mesmo após a anulação da quebra dos sigilos bancário e fiscal do senador pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A acusação contra o deputado estadual Márcio Pacheco (PSC-RJ) conta apenas com dados bancários, fiscais e depoimentos dos investigados. Especialistas afirmam que há vias judiciais para que o MP-RJ obtenha nova decisão para recuperar esses dados contra o senador após a decisão do STJ.
Na terça-feira (23), a Quinta Turma do STJ anulou a decisão que quebrou os sigilos bancário e fiscal de Flávio e outros investigados. Por 4 a 1, entendeu que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, não justificou a necessidade da medida. O MP-RJ estuda se vai recorrer da decisão.
A revogação da quebra de sigilo deve gerar anulação de outras provas colhidas que não podem ser apreendidas de novo, como celulares e documentos. Para investigadores, o conteúdo dessas evidências corrobora os indícios da "rachadinha" expostos pelas contas dos investigados.
Mas o caso de Pacheco mostra que os investigadores consideraram suficientes para a denúncia as evidências expostas pelos dados bancários e fiscais dos investigados.
Pacheco foi denunciado junto com 11 assessores sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O MP-RJ o acusa de se apropriar de R$ 1 milhão do salário dos funcionários de seu gabinete entre janeiro de 2016 e março de 2019.
Toda a denúncia tem como base os dados bancários e fiscais dos investigados. O MP-RJ também usou depoimentos dos envolvidos. O MP-RJ solicitou há três meses busca e apreensão em endereços dos investigados, mas o pedido ainda não foi analisado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Pacheco nega a acusação. Sua defesa disse que "o contraditório esclarecerá nunca ter se beneficiado, apropriado ou consentido com desvio de recurso público".
Flávio é acusado de liderar um esquema de "rachadinha" em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa por meio de 12 funcionários fantasmas entre 2007 e 2018, período em que era deputado estadual.
Foi denunciado em novembro de 2020 pela Promotoria fluminense acusado de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa, por suposto desvio de R$ 6,1 milhões.
Ele também nega as acusações. Sua defesa afirma que a denúncia "tem erros bizarros".
Os dados bancários do policial militar aposentado Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro do esquema de Flávio, são a base para a denúncia.
Foi por eles que os investigadores identificaram que Queiroz recebeu depósitos de 12 ex-assessores do filho de Jair Bolsonaro somando R$ 2,08 milhões entre 2007 e 2018.
Esses ex-assessores também sacaram R$ 2,15 milhões no mesmo período, recursos que os promotores dizem terem sido dirigidos para a suposta organização criminosa.
O MP-RJ ainda identificou a partir dos dados bancários um depósito de Queiroz de R$ 25 mil na conta da dentista Fernanda Bolsonaro, uma semana antes de a mulher do senador quitar a entrada de um apartamento do casal.
Os extratos também são relevantes para demonstrar a tese de que o senador fazia seus gastos com dinheiro vivo, já que as contas bancárias do casal não registram pagamentos de impostos e de serviços do casal, como escola dos filhos e plano de saúde.
Apontam ainda depósitos de R$ 159 mil em espécie na conta de Flávio sem origem identificada entre 2014 e 2018.
A dinâmica dos casos de Flávio e Pacheco é semelhante. O caso do deputado estadual, contudo, tem mais evidências de uso do dinheiro em seu favor pagos pelo suposto operador do esquema.
Os investigadores conseguiram identificar nas contas de André Santolia, chefe de gabinete de Pacheco, pagamento de 22 despesas do deputado, como mensalidades escolares, condomínios e aluguéis, que somavam R$ 120 mil.
No caso de Flávio, Queiroz só aparece como responsável pelo depósito de R$ 25 mil na conta de Fernanda e o pagamento, no mesmo dia, de duas mensalidades escolares de R$ 6.942, somadas.
O MP-RJ, contudo, diz que Flávio usava dinheiro da "rachadinha" para suas despesas pessoais, porque outros 172 boletos do colégio das filhas do senador e do plano de saúde da família, que somam R$ 228,5 mil, foram quitados sem que haja registro de débito ou saque em volume correspondente na conta do casal. O mesmo ocorre com impostos e outras despesas do casal.
A movimentação de dinheiro vivo atribuída a Flávio e Fernanda chega a R$ 1,7 milhão entre 2007 e 2018.
A ausência das provas colhidas nas buscas, porém, pouco afeta a fundamentação da acusação do MP-RJ contra o senador neste aspecto financeiro. As mensagens e documentos apreendidos expõem principalmente a relação entre os supostos funcionários fantasmas e Queiroz, sem fazer referências ao senador.
Na próxima terça-feira (2), porém, os ministros vão julgar outro recurso da defesa de Flávio que põe em risco a apuração desde sua origem. A corte vai avaliar a legalidade dos dados do Coaf (órgão de inteligência financeira) que serviram de base para a abertura da investigação.
A defesa do senador afirma que o documento contém um detalhamento semelhante ao de uma quebra de sigilo bancário, mas sem autorização judicial. O ministro do STJ João Otávio de Noronha já sinalizou concordar com essa tese. O relator, Félix Fischer, discorda.
O documento do órgão federal descrevia a movimentação financeira de Queiroz considerada atípica em 2016, que somava R$ 1,2 milhão. Foi a partir dele que o procedimento de investigação foi aberto e todas as demais diligências foram realizadas.
Caso ele seja considerado ilegal, restará como única prova não contaminada as mensagens trocadas entre Queiroz e Danielle Mendonça da Nóbrega, ex-mulher do miliciano Adriano da Nóbrega. Elas foram apreendidas na Operação Intocáveis, que investigava a atuação da milícia em Rio das Pedras, comandada por Adriano.
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