Pacientes internados em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) relatam com frequência que se automedicaram com ivermectina para combater o novo coronavírus. O vermífugo é recomendado pelo Ministério da Saúde e é usado há 40 anos na África e na America Latina, porém segundo a própria fabricante do medicamento, ele não tem eficácia contra o vírus. Médicos e enfermeiros de São Paulo relatam que ouvem com frequência dos pacientes o método usado como prevenção.
Oito médicos e enfermeiros dos hospitais das Clínicas, São Luiz, Albert Einstein, Sírio Libanês, Samaritano e Oswaldo Cruz conversaram com o UOL, e de acordo com eles, os pacientes, alguns que foram intubados por complicações da covid-19, afirmaram ter tomado ivermectina de maneira preventiva ou quando apresentaram os primeiros sintomas, em casa.
Apesar de muitos relatos, ainda não há, por enquanto, nenhum levantamento ou estudo que faça o monitoramento de quantos pacientes internados fizeram uso de medicamentos comprovadamente ineficazes.
A reportagem teve acesso a dados de um hospital particular de São Paulo que apontam que, dos 49 pacientes internados na unidade até ontem, seis disseram ter tomado ivermectina ou cloroquina. Desses, três estão internados em estado grave na UTI e os outros três estão na enfermaria.
Na semana passada, um profissional do Hospital Municipal de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, já havia dito ao UOL que recebeu pacientes que haviam tomado o vermífugo.
"Quando vou intubar a pessoa, ela reclama: 'doutor, eu tomei ivermectina em casa, não é possível'. Eu tento explicar que ele não tem verme, mas não ajuda em nada na covid-19", relato de um enfermeiro que não quis se identificar.
Menos cloroquina
Os profissionais de saúde contaram que a quantidade de pacientes que tomam hidroxicloroquina ou cloroquina em casa diminuiu consideravelmente neste ano, mas a impressão é de que a ivermectina se manteve como esperança das pessoas que acreditam em um tratamento precoce para a doença.
O presidente Jair Bolsonaro cercado por seus apoiadores, defendem o tratamento precoce e cloroquina. No entanto, vários estudos indicaram que a substância não tem eficácia no tratamento contra o novo coronavírus e que não há remédios que façam efeito no tratamento precoce. Normalmente, a cloroquina é usada no tratamento de doenças como lúpus e artrite reumatoide.
Após insistência de ministros e assessores, Bolsonaro começou a avaliar um desembarque gradual do discurso de estímulo de uso da substância.
Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma diretriz na qual pede fortemente que a hidroxicloroquina não seja usada como tratamento preventivo da covid-19. O documento foi divulgado na revista científica "The BMJ".
Efeitos colaterais e agravantes
Os profissionais de saúde se preocupam com os efeitos colaterais causados pelos medicamentos usados em casa. De acordo com eles, o paciente sente os primeiros sintomas, toma remédio e, em vez de ajudar no combate à covid-19, acaba sobrecarregando o organismo, piorando o quadro de saúde.
Evaldo Stanislau, médico da divisão de moléstias infecciosas do Hospital das Clínicas, diz que já perdeu pacientes que haviam tomado o medicamento preventivamente, mas que foram poucos.
"Perdi poucos. A ivermectina para mim é inócua. Não interferiu, exceto a chatice de desdizer e desfazer conceitos. O que é sempre desgastante. Mas, na prática, obviamente, 100% de quem pegou covid e tomou ivermectina evoluiu com ou apesar da ivermectina", disse.
O diretor da Sociedade Paulista de Infectologista confirma que o uso de hidroxicloroquina caiu. "Diminuiu muito. Mas o cenário era semelhante, com a agravante do risco cardíaco."
Isso não acontece apenas com pacientes. Os profissionais de saúde relatam que até médicos, quando contaminados, chegam a tomar o medicamento.
Brigas com médicos
No pronto-socorro, o desgaste entre médicos, enfermeiros e pacientes ainda existe por conta da prescrição desses medicamentos. Os médicos relataram discussões com pacientes dentro das salas de atendimento dos hospitais, na maioria das vezes, pelo mesmo motivo: o paciente quer tomar ivermectina, hidroxicloroquina ou cloroquina para tratar a covid-19.
A maioria dos pacientes citam o fato do Ministério da Saúde e do próprio presidente da República recomendarem o uso do medicamento. O que acaba se tornando uma sinuca de bico para os médicos.
Para se eximir da responsabilidade de efeitos colaterais, alguns hospitais, como o Oswaldo Cruz, já estabeleceram termos de responsabilidade para o médico assinar caso queira receitar algum desses medicamentos. No documento, o doutor ou doutora deve explicar ao paciente que não há comprovação de eficácia contra o novo coronavírus, além de esclarecer todos os efeitos colaterais que o medicamento causa.
No caso de alguns hospitais municipais de São Paulo, ainda é permitido a prescrição de cloroquina ou outros medicamentos ineficazes. A Secretaria Municipal da Saúde disse ao UOL que "não recomenda, mas também não proíbe" a receita do medicamento.
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