Um estudo divulgado na plataforma meRxiv, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) sugerem que o contato com o novo coronavírus altera o funcionamento do macrófago – uma espécie de “gari” do sistema imune encarregado de eliminar, por meio da fagocitose, restos de células mortas e outras partículas estranhas ao organismo, favorecendo o dano pulmonar. As informações são da Agência Fapesp.
Uma coisa já é consenso entre os cientistas de que o agravamento da covid-19 está relacionado com um desequilíbrio na resposta imune ao SARS-CoV-2. A dúvida, no entanto, seria sobre quais componentes do sistema de defesa estão atuando de forma desregulada nesses casos e por que isso acontece.
No estudo, por meio de experimentos in vitro, os cientistas descobriram que, ao internalizar uma célula infectada pelo SARS-CoV-2 ainda ativo, o macrófago passa a produzir quantidades excessivas de moléculas pró-inflamatórias, o que pode contribuir para o quadro conhecido como tempestade de citocinas, observado em pacientes com a forma grave da doença.
Além disso, de acordo com o estudo, a internalização de uma célula morta infectada reduz em até 12 vezes a capacidade do macrófago de reconhecer e fagocitar outras células mortas que eventualmente surgirem em seu caminho.
“Milhões de células morrem em nosso organismo todos os dias e elas precisam ser eliminadas de forma eficiente. Caso contrário, poderiam ser interpretadas como um sinal de perigo ou gerar autoantígenos, favorecendo o surgimento de doenças autoimunes. No caso do pulmão afetado pelo SARS-CoV-2, a remoção contínua das células mortas pelos macrófagos é essencial para a regeneração do tecido. Se a presença do vírus em uma célula fagocitada subverte essa função dos macrófagos, possivelmente contribui para o dano tecidual extenso característico da covid-19”, explica Larissa Cunha, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenadora da pesquisa, à agência Fapesp.
Evidências preliminares
Os primeiros testes descritos no artigo foram feitos com duas linhagens de células epiteliais – uma originária de pulmão humano (Calu-3) e outra de rim de macaco (Vero CCL81, um dos principais modelos para estudo do SARS-CoV-2) –, que foram infectadas in vitro com o novo coronavírus.
Os pesquisadores observaram que a infecção ativa na célula epitelial, um processo conhecido como apoptose – um tipo de morte celular programada que, normalmente, não desperta uma resposta inflamatória no organismo.
Paralelamente, em outro conjunto de células epiteliais, os pesquisadores induziram a apoptose por meio de radiação ultravioleta. As células apoptóticas de ambos os grupos (infectadas com o coronavírus e expostas à radiação) foram coletadas e colocadas para interagir com culturas de macrófagos derivados de monócitos humanos (um dos tipos de leucócitos do sangue).
Ao internalizar as células mortas pela radiação, os macrófagos assumiam um fenótipo anti-inflamatório, que favorece a reparação do tecido lesado. Já quando fagocitavam as células que continham o SARS-CoV-2 ainda viável (capaz de infectar outra célula) essa programação se perdia e os macrófagos passavam a secretar altas quantidades de moléculas pró-inflamatórias, como a interleucina 6 (IL-6) e a interleucina 1 beta (IL-1β).
“Nossos resultados fornecem evidências de que o englobamento de células moribundas que carregam o SARS-CoV-2 viável muda a programação anti-inflamatória e resolutiva [da inflamação] em direção a um fenótipo inflamatório. A exacerbada produção de citocinas observada em resposta à internalização de células mortas infectadas pode contribuir para a hiperinflamação associada à covid-19”, afirmam os autores no artigo.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar