O governo federal usou o edital do leilão do 5G para atender pleitos de setores que o apoiam e convenceu o Ministério das Comunicações a direcionar contrapartidas de investimentos para que os vencedores do certame atendam principalmente militares, agricultores e caminhoneiros.
Esse grupo contará com políticas públicas definidas para levar a internet em banda larga móvel ao campo, estradas e regiões inóspitas da Amazônia até 2028, começando a partir de julho do próximo ano.
De acordo com as regras do edital aprovadas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) em fevereiro, esses investimentos serão abatidos dos preços das outorgas, que foram avaliadas pelos técnicos da agência em R$ 35 bilhões. Todas as contrapartidas giram em torno de R$ 32 bilhões.
Ou seja: a União receberá no leilão algo entre R$ 3 bilhões e R$ 3,5 bilhões pelas licenças. O restante deverá ser investido pelas teles nas diversas obrigações atreladas a cada faixa de frequência adquirida.
Frequências são avenidas no ar por onde as teles fazem trafegar seus sinais. Fora dessas faixas ocorrem interferências.
No edital, serão vendidos os direitos de exploração de quatro faixas de frequências —700 MHz; 2,3 GHz; 3,5 GHz (específico para o 5G) e 26 GHz. Cada frequência foi dividida em diversos blocos. O leilão está marcado para ocorrer até julho deste ano.
Durante as discussões para o preparo do edital, diversos setores se articularam junto ao governo vislumbrando no certame uma forma de obter vantagens.
Os caminhoneiros, que ameaçam com paralisações sempre quando dispara o preço do combustível, contaram com a ajuda do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, para conseguir, em uma primeira etapa, a cobertura de mais de 21 mil quilômetros de rodovias federais (BRs 163; 364; BR-242; BR-135; BR-101 e BR-116).
Para os caminhoneiros, essa cobertura entra no pacote que o ministro Tarcísio prepara para melhorar as condições dos motoristas de carga e, assim, diminuir as chances de futuras paralisações.
É uma medida que vai garantir ainda a segurança das cargas por permitir monitoramento remoto ao longo de todo o trajeto da rodovia. Hoje, somente alguns trechos estão cobertos por antenas de celular.
No entanto, essa cobertura não será feita com a tecnologia 5G. As operadoras poderão usar qualquer tipo de frequência e terão de escolher os trechos das estradas assim que arrematar cada lote do leilão.
Até 2028, quando o 5G estiver totalmente implantado no país, o governo quer que mais de 48 mil quilômetros de estradas estejam cobertos.
Além das estradas, as teles serão obrigadas a conectar todas as cidades com tecnologia 4G e construir redes de transporte (cabos que ligam todas as cidades entre si) com fibra óptica ao longo desse período.
Outra diretriz definida pelo Ministério das Comunicações foi a permissão para que pequenos provedores possam atuar no 5G. Hoje eles já respondem por mais de 40% dos acessos de internet em banda larga no país atendendo, primordialmente, pequenos municípios onde as operadoras tradicionais não chegam ou oferecem pacotes mais caros para compensar seus custos.
Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados há cerca de dez dias, a Frente Parlamentar da Agricultura e a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) se mostraram atendidas pelo edital que permitirá aos grandes proprietários agrícolas contratarem essas empresas para construírem projetos de conectividade no campo.
Isso será possível porque o leilão reservou frequências para operadoras regionais de pequeno porte que ainda poderão contar com fundos setoriais para tomar dinheiro emprestado no mercado e, assim, financiar esses projetos no campo.
Esse pleito foi defendido pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que atuou junto ao Ministério das Comunicações para que a agricultura tivesse ao menos “algum G” [referência a qualquer das tecnologias de conexão móvel -- 2G, 3G, 4G e, agora, 5G).
Para ela, a conectividade no campo é uma forma de estimular a mecanização e soluções de plantio e colheita que permitirão o aumento da produtividade.
De acordo com levantamento apresentado pela CNA na Câmara, dentre os dez maiores municípios produtores somente três têm mais de 50% de cobertura de internet —Nova Mutum e Sapezal (MT) e Maracaju (MS).
A ala militar do governo também atuou para conseguir melhorar a rede de fibra óptica na região amazônica, forma de aprimorar as comunicações das Forças Armadas.
Inicialmente, o Exército e o Ministério da Defesa conseguiram interligar os municípios de Manaus e Tefé com 900 km de cabos de fibra óptica depositado no leito do rio Amazonas. Sem recursos, agora conseguiram que o programa fosse incluído como contrapartida do 5G. Ao todo, será aplicado R$ 1 bilhão na construção dessa rede que conectará 59 municípios da região amazônica.
Outro pleito da ala militar do Palácio do Planalto foi a construção de uma rede privativa para a administração pública federal. Esta foi a saída vislumbrada pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), para evitar que o presidente Jair Bolsonaro impedisse a chinesa Huawei de fornecer equipamentos de rede 5G para as operadoras.
Bolsonaro pretendia boicotar a gigante chinesa das telecomunicações porque se aliou estrategicamente ao ex-presidente dos EUA Donald Trump, que travou com a China uma disputa geopolítica. A Huawei foi um dos alvos escolhidos.
O interesse dos militares em terem uma rede só para o governo, sem a presença dos equipamentos da fabricante chinesa, ainda encontra resistência das operadoras que não veem como explicar o financiamento de uma rede que será operada por uma concorrente --a Telebras, estatal que abriga militares e que opera um satélite com grande capacidade para conexões de internet em todo o território nacional.
O atendimento de serviços telefônicos e de internet ao governo hoje é feito pelas próprias operadoras, mas deverá passar para a Telebras caso não haja uma mudança em um decreto que regula essa prestação de serviço.
Por meio de sua assessoria, o Ministério disse que editou uma portaria em janeiro deste ano para “orientar e estabelecer critérios” na definição de compromissos de abrangência do edital 5G pela Anatel.
De acordo com o ministério, a cobertura de rodovias é apenas um detalhe em um plano maior de levar conexão 4G a todos os municípios, além de infraestrutura de fibras ópticas.
As rodovias foram consideradas prioritárias porque figuram entre as principais vias do país e possuem cerca de 7 mil km de trechos sem cobertura localizados, majoritariamente, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além disso, 61% das estradas do país não têm qualquer tipo de cobertura.
Sobre o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (Pais), o ministério informa que foi a saída encontrada diante das dificuldades para a conexão do Norte devido às condições climáticas e geográficas da região. Neste caso, foi preciso “incentivos específicos governamentais”. Ao todo, serão 7 infovias lançadas no leito do rio Amazonas e seus afluentes totalizando 10 mil quilômetros de cabos.
Para o ministério, a criação de uma rede privativa para o governo federal não somente reflete a preocupação do governo na área de segurança e defesa cibernética como garante privilégios que as redes comerciais não permitem porque são obrigadas a garantir a isonomia no tráfego, principalmente de dados.
Militares
A construção de uma rede privativa parra o governo federal a um custo de, ao menos, R$ 1 bilhão. Essa rede não terá equipamentos da chinesa Huawei e poderá discriminar o tráfego de dados. Também conseguiram recursos para conectar a região Norte e, assim, melhorar a comunicação das Forças Armadas na região
Agricultores
Operadoras regionais de pequeno porte poderão tomar empréstimos com garantias de um fundo público para construir redes que atendam os grandes produtores na busca de conexão de máquinas e equipamentos, forma de melhorar a produtividade no campo
Caminhoneiros
A categoria conseguiu assegurar a cobertura de mais de 48 mil km de rodovias, começando pelas seis principais BRs (163, 364, 242, 135, 101 e 116)
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