O presidente Vladimir Putin ameaçou o Ocidente com resposta "simétrica, rápida e dura" caso algum país resolva ultrapassar "linhas vermelhas" com a Rússia.
“Eu espero que ninguém pense em cruzar as chamadas linhas vermelhas contra a Rússia, que nós mesmo vamos definir", disse, a menos de dez minutos do fim de seu discurso anual do Estado da Nação.
Foi uma resposta direta, ainda que sem contexto explícito na fala, às diversas ameaças dos Estados Unidos e de países europeus acerca da crise na Ucrânia —vizinho russo junto ao qual o Kremlin concentrou cerca de 100 mil soldados nas últimas semanas.
"Nós temos nos comportados de forma contida e modesta. Usualmente não respondemos a provocações, queremos ter boas relações e não buscamos queimar pontes", afirmou Putin.
"Se confundirem boas intenções com fraqueza, a resposta da Rússia será simétrica, rápida e dura. Os organizadores de qualquer provocação contra nossos interesses de segurança vão se arrepender de suas ações", disse o presidente.
Antes, ele havia citado o que chamou de "golpe e tentativa de assassinato" contra o ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, seu aliado alvo de manifestações desde a eleição fraudulenta de agosto passado. "Nenhum país ocidental falou nada", disse, evocando o "golpe de Estado na Ucrânia" em 2014 contra o presidente Viktor Ianukovitch.
A citação nominal foi a senha para dar o endereço de suas críticas: a atual pressão do Ocidente em favor da Ucrânia, que havia reforçado posições militares em torno das regiões autônomas pró-Rússia em seu território, levando à mobilização russa.
Há sete anos, uma revolta derrubou o governo pró-Kremlin Ianukovitch em Kiev. A nova gestão quis apressar sua adesão a estruturas ocidentais, notadamente a Otan (aliança militar ocidental).
Putin disse não, dado que o imperativo geopolítico russo não tolera a ideia de forças ocidentais em suas fronteiras —até hoje o Kremlin vê como traição a absorção feita pela Otan dos três Estados Bálticos, que eram parte da União Soviética.
Anexou a Crimeia, região de maioria russa étnica, e apoiou os separatistas pró-Moscou no Donbass, no leste ucraniano. Agora, joga uma perigosa partida de ameaças mútuas com o Ocidente, com países da Otan prometendo proteger os ucranianos e Moscou fechando seções do mar Negro, que banha a região.
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Agora, tudo indica que ele busca manter o status quo, evitando uma retomada de áreas étnicas russas por Kiev ao buscar a implementação de acordos que as mantenham autônomas —impedindo na prática a adesão ucraniana ao Ocidente.
"Estão provocando a Rússia sem motivo. São como hienas em torno de um grande tigre, como num livro [do escritor britânico] Rudyard Kipling", disse Putin.
O discurso do russo exemplificou a ideia de poderio que Moscou gosta de lembrar deter.
O presidente citou a entrada em serviço neste ano de um regimento de seu novo míssil intercontinental para ataques nucleares, o Sarmat, prometeu ampliar seu programa de armas hipersônicas e disse que 88% do arsenal atômico do país está modernizado.
"Estamos trabalhando em outros sistemas, como o Poseidon", afirmou pela primeira vez sobre o "torpedo do Juízo Final", desenhado para levar cargas nucleares a outros continentes.
A retórica agressiva vem e meio ao momento de maior tensão com o Ocidente desde 2014.
Além do duelo em torno da Ucrânia, Putin enfrenta grande oposição do presidente americano Joe Biden, que assumiu em janeiro e de lá para cá já aplicou duas rodadas de sanções ao Kremlin e chamou o russo de assassino.
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Com efeito, Putin ignorou um dos itens da agenda de Biden, o líder opositor Alexei Navalni, preso em janeiro após voltar da Alemanha de tratamento por envenenamento atribuído pelos EUA ao governo russo.
Do lado de fora do Centro de Convenções Manej, em Moscou, a polícia reprimia a tentativa de apoiadores de Navalni de fazer algum barulho em favor do ativista. Ele está na terceira semana de uma greve de fome e foi levado para um hospital, sob risco de morrer.
Segundo o monitor de direitos humanos OVD-Info, algumas dezenas de manifestantes foram detidos em 20 cidades russas desde a véspera, incluindo duas assessoras de Navalni que já haviam sido detidas antes em Moscou.
"Eu vou falar principalmente sobre assuntos domésticos", disse, pigarreando, o , no começo de seu discurso anual do Estado da Nação. "E um pouco sobre questões internacionais", o que só veio a ocorrer no final da fala.
No poder desde 1999, quando assumiu o cargo de premiê pela primeira vez, antes de herdar a Presidência de Boris Ieltsin, Putin fez seu 16º discurso —outros quatro foram feitos por seu protegido Dmitri Medvedev, presidente de 2008 a 2012.
Na fala deste ano, não houve anúncio bombástico —como as armas hipersônicas anunciadas em 2018 ou o plano efetivado por Putin de tentar ficar no poder até 2036, em 2020.
O clima de Guerra Fria foi amainado com a promessa de "cooperação no Conselho de Segurança das Nações Unidas, quando a pandemia acabar", de temas como controle de armas. Putin defendeu também integração econômica da Ásia com a Europa.
Previsivelmente, dedicou boa parte do discurso para falar sobre a pandemia. Ressaltou as dificuldades econômicas e sanitárias, prevendo que dificilmente a Rússia irá atingir sua meta de elevar a expectativa de vida de 72 anos para 78 anos em 2030.
Ele fez uma defesa enfática do lento programa de vacinação russo, e disse que a crise acabará apenas com ele. "Todo mundo deve ter a oportunidade de ser vacinado, isso vai gerar a chamada imunidade coletiva no outono [a partir de setembro no Hemisfério Norte]", afirmou, de forma otimista.
"Apelo a todos os cidadãos da Rússia: sejam vacinados", pediu o já imunizado com duas doses e sem máscara Putin, antes uma plateia com algumas pessoas com a proteção.
O evento reuniu um número menor, não divulgado, do que os usuais 1.300 membros do governo, do Parlamento, das regiões e do clero. A cota de jornalistas caiu de 900 para 435 vagas. Todos os presentes passaram por testes de Covid-19.
Em linha com a retórica prevalente sobre o clima, Putin também afirmou que o país precisa investir em energia nuclear e hidroelétrica para reduzir suas emissões de carbono. Prometeu evitar novos acidentes ecológicos como os ocorridos na Sibéria em 2020.
O discurso durou 83 minutos, um pouco acima da média de 75 minutos. A mais longa tomou quase duas horas em 2018, e a mais curta, 48 minutos em 2004 e 2005, segundo a agência Tass.
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