Os últimos acontecimentos no Brasil em que militares da ativa estão sendo alocados no governo do presidente Jair Bolsonaro têm ocasionado momentos nem sempre agradáveis entre a sociedade civil e as instituições que tem por finalidade garantir a segurança do País.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) que barra a participação de militares da ativa em cargos da administração pública foi apresentada formalmente na Câmara dos Deputados na quarta-feira (14).
O texto, de autoria da deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), reuniu 189 assinaturas -precisava de pelo menos 171 para ser protocolada e começar a tramitar.
A proposta acrescenta um dispositivo no artigo 37 da Constituição Federal, que trata da administração pública e coloca condições para que o militar da ativa possa exercer cargos de natureza civil nos três níveis da federação.
Segundo a proposta, se tiver menos de dez anos de serviço, o militar deverá se afastar da atividade. Acima disso, passará automaticamente, no ato da posse, para a inatividade.
A deputada explica que a PEC busca seguir o espírito do constituinte, que, ao tratar de regras para disputa eleitoral, traz essas condições de elegibilidade para militares. A autora, então, decidiu inserir o mesmo regramento para a participação em cargos na administração pública.
"Eu imagino que o legislador não deve ter pensado que nós chegaríamos a um governo depois da redemocratização, depois de escrita a Constituição, com tantos militares nos espaços políticos", afirma Perpétua. "E hoje nós temos. Então vamos ajustar de acordo com o espírito do constituinte."
"A ideia do constituinte naquele momento era despolitizar os quartéis, evitar que a política entrasse nos quartéis", ressalta. "Um militar que assume uma tarefa política em qualquer governo não está ali exercendo ou cumprindo nenhuma tarefa militar. Isso não faz o menor sentido. Ele está exercendo uma tarefa política de governo. E o militar sabe disso desde quando entra na escola militar."
Na entrevista coletiva em que formalizou a apresentação da PEC, a deputada lembrou que as Forças Armadas não são instituições de governos. "Elas não servem a partidos. Não é o meu Exército. Não são as minhas Forças Armadas. O Exército é da nação. São as Forças Armadas do Brasil, conforme a Constituição brasileira."
A proposta ficou conhecida como "PEC do Pazuello" em referência ao general da ativa do Exército e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. A gestão do militar na pasta foi marcada por críticas e controvérsias no enfrentamento da pandemia de Covid-19.
No entanto, o texto ganhou adesão parlamentar após a decisão do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, de livrar Pazuello de qualquer punição por ter participado de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no fim de maio.
O regulamento do Exército veda que o militar da ativa se manifeste publicamente, sem autorização, a respeito de assuntos de natureza político-partidária.
Oliveira acatou o argumento de Bolsonaro, Pazuello e generais da reserva que integram o governo de que o ato político no Rio de Janeiro não teve conotação partidária. No início de junho, o Exército decidiu impor um sigilo de até cem anos ao processo disciplinar que resultou na absolvição do general da ativa.
Apesar de ter ganhado mais visibilidade após o caso Pazuello, a PEC foi formulada depois de um episódio envolvendo o atual ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, em abril do ano passado, quando ainda era ministro da Secretaria de Governo.
À época general da ativa, Ramos participou fardado de evento para transmissão do comando militar da região Sul.
"No ano passado, eu consegui umas 40 assinaturas. Depois, conforme a posição do Pazuello foi se desgastando, foi aumentando o número de parlamentares assinando. Quando veio a história da punição, aumentou. E agora, com a pesquisa, aumentou de uma hora para outra. Muitos parlamentares assinaram quando viram a pesquisa", afirma.
A deputada se refere à pesquisa Datafolha publicada em julho e que mostra que a maioria da população é contrária à participação de militares da ativa em manifestações políticas e em cargos no governo federal.
Segundo o instituto, 62% dos brasileiros adultos acham que os fardados não devem ir a esse tipo de ato, como fez Pazuello.
Além do texto original da PEC, deputados já discutem a possibilidade de inserir uma espécie de quarentena a militares que queiram disputar eleições.
A proposta é apoiada por líderes partidários, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já teria sinalizado que o assunto pode ser discutido na comissão especial que discutirá o mérito do projeto caso o texto seja aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça)
Em nota divulgada nesta quarta, cinco ex-ministros da Defesa elogiaram o texto da PEC e afirmaram que a tramitação da matéria "fortalecerá a democracia".
"A Proposta de Emenda Constitucional apresentada pela deputada Perpétua Almeida propõe, em boa hora, a regulamentação da participação de militares da ativa em funções de governo, separando aquelas de natureza técnica e que podem ser atribuídas a militares daquelas que permitam o risco da politização das Forças Armadas com consequências nocivas para estas instituições e para o país", afirma o texto, assinado por Aldo Rebelo, Celso Amorim, Jaques Wagner, Nelson Jobim e Raul Jungmann.
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