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COLETIVOS

Juventude paraense se mobiliza por uma sociedade melhor

Organizações criadas e mantidas por jovens mostram que, muito além das eleições, eles estão diariamente envolvidos em atividades que buscam mudar a realidade das comunidades onde nasceram e vivem

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Imagem ilustrativa da notícia Juventude paraense se mobiliza por uma sociedade melhor camera Projeto Perpetuar leva atividades de educação quilombola às próprias comunidades | Divulgação

O papel da juventude nas decisões políticas e na cobrança de ações efetivas do poder público ganhou as redes sociais nas últimas semanas em decorrência das ações de incentivo ao exercício do voto pelos jovens nas próximas eleições. Porém, o protagonismo e a participação dos jovens em ações que buscam melhorar e transformar o seu entorno vão além das eleições e o Estado do Pará guarda exemplos inspiradores da mobilização da juventude em prol de suas comunidades.

Ao longo de seis meses, sete coletivos de jovens do Estado participaram do programa de aceleração IARA - Inovação e Aceleração na Região Amazônica, criado pela agência Purpose para fortalecer coletivos e organizações ativistas, e deram uma amostra do que vem sendo construído pela juventude paraense em diferentesregiões do Estado.

A movimentação da juventude em busca da promoção da arte e da cultura já era uma realidade na comunidade Agrovila Itaqui, território rural do município de Castanhal, no nordeste do Pará, quando um grupo de jovens decidiu dar início ao Coletivo Miri. Ainda em 2016, jovens moradores da agrovila decidiram criar uma dança de Boi Bumbá com o intuito não só de proporcionar entretenimento para a comunidade, como também de resgatar a cultura local. Com o boi, o grupo passou a dançar e a percorrer comunidades vizinhas levando a mensagem da arte e dapreservação ambiental.

Samilly diz que o Perpetuar se organiza desde 2014
📷 Samilly diz que o Perpetuar se organiza desde 2014 |Divulgação

No meio do processo, esse mesmo grupo de jovens ligados à arte e à cultura sentiu a necessidade de atuar também no cuidado com o igarapé onde eles próprios haviam passado a infância e que, inclusive, dá nome ao coletivo. “É o igarapé que a gente se criou, que faz parte da nossa memória biocultural. É um igarapé que é afluente do rio Itaqui, que depois vai cair no rio Apeú, depois no rio Guamá”, explica Pedro Alace, 21 anos, cofundador e gestorde projetos do Coletivo Miri.

“Esse igarapé vem sofrendo há algum tempo um processo muito complicado de degradação ambiental. Muitas construções irregulares, desmatamento, a drenagem do ramal que leva até a comunidade que sempre que faziam intervenções na estrada, todo o material ficava no entorno da estrada e caía para dentro do igarapé e isso causa uma série de problemas ambientais, como o assoreamento, junto com o desmatamento e o descarte irregular de lixo que contribuía com uma degradação muitopesada do curso d’água”.

Coletivo Miri trabalha com preservação ambiental na Agrovila Itaqui, em Castanhal
📷 Coletivo Miri trabalha com preservação ambiental na Agrovila Itaqui, em Castanhal |Divulgação

Foi quando o coletivo passou a se mobilizar para fazer mutirões de coleta de lixo já que, até então, a comunidade não contava com a disposição de lixeiras no seu entorno. Ao mesmo tempo, o grupo também começou a fazer plantios de mudas e a se organizar mais efetivamente. “Em 2020 eu participei do ‘Piracema’, um programa de multiplicadores do ‘Ame o Tucunduba’, e senti a necessidade de organizar esse grupo. Através dessa rede nós chegamos até a oportunidade do edital Iara”, conta Pedro. “Fomos uma das sete organizações que foram aceleradas, participamos de uma formação incrível, e através desse recurso nós conseguimos oferecer para a comunidade serviços que eram básicos”.

Não só através da ação direta, mas também do incentivo, por parte do programa de aceleração, à prática do advocacy – como é chamado o processo em que uma comunidade ou grupo defende e argumenta junto ao poder público em favor de uma causa, em um processo de reivindicação de direitos –, os jovens da Agrovila Itaqui conseguiram articular junto à Secretaria de Municipal de Meio Ambiente a disposição de lixeirasno território da comunidade.

Atividades do Miri envolvem a limpeza do igarapé de mesmo nome
📷 Atividades do Miri envolvem a limpeza do igarapé de mesmo nome |Divulgação

Com a estrutura garantida, foi possível mobilizar a própria comunidade para os mutirões de coleta seletiva. “A Coleta Miri é uma campanha de coleta seletiva que busca sensibilizar a comunidade para essa questão do descarte irregular de lixo na comunidade. A partir disso, agora, a gente já entrou em uma nova fase, que foi o sorteio de uma recarga de gás”, explica. “Quem pode participar são as pessoas que doam os resíduos, separados, toda sexta-feira. A gente tem um espaço lá na comunidade que recebe as pessoas com suas coletas e a partir disso, no final do mês, a gente faz um sorteio de uma recarga de gás. São dois serviços principais: o processo de educação para a coleta seletiva e o processo de oferecimento de um serviço à comunidade, que é a possibilidade de essas pessoas em situação de vulnerabilidade social concorrerema uma recarga de gás”.

Coletivo Laboratório da Cidade busca tornar Belém um ambiente urbano acessível para todos
📷 Coletivo Laboratório da Cidade busca tornar Belém um ambiente urbano acessível para todos |Divulgação

Além dos seis jovens que integram a coordenação do coletivo e de articuladores voluntários, o Coletivo Miri também desenvolveu um programa de multiplicadores com mais seis jovens que participam de encontros de 15 em 15 dias para discutir alguns temas, desenvolver desafios, em um espaço de construçãofeito de jovem para jovem.

Fortalecendo a identidade quilombola por meio da educação

A preocupação com os jovens de amanhã também está no centro do processo de mobilização que deu origem ao Projeto Perpetuar, outro coletivo acelerado pelo edital Iara. Iniciativa coletiva que busca o fortalecimento das identidades, ancestralidades e territorialidades quilombolas, o Projeto Perpetuar nasceu e se desenvolve no Quilombo Oxalá de Jacunday, território quilombola de Jambuaçu,localizado no município de Moju.

“O projeto não tinha nome na época, mas a gente já vinha se organizando na comunidade desde 2014, em algumas atividades relacionadas à educação quilombola, pois sabemos que a educação escolar quilombola tem o direito de ser implementada enquanto modalidade de ensino, mas é um direito que nos é negado”, considera a coordenadora do Projeto Perpetuar, Samilly Valadares, 27 anos.

A partir desse entendimento, o projeto foi se moldando, criado inicialmente pelos netos e netas da vó Perpétua, e depois acolhendo também outros jovens. O nome do projeto, inclusive, é uma homenagem à matriarca. “Em 2018 o projeto foi se moldando e recebeu o nome de Perpetuar, que é em homenagem à nossa avó Perpétua, que foi uma grande mulher, contadora de histórias, griô do Quilombo de Jacunday e que mesmo com a baixa escolaridade sempre incentivou a educação”.

Mais estruturado, o projeto lançou a campanha ‘Plante um pé de livro’ no Quilombo de Jacunday, que possibilitou a inauguração da quilomboteca Osvaldina Valadares, em 2019. “A partir daí a gente foi se organizando em prol do bem-viver das comunidades de Oxalá de Jacunday, que é o nosso quilombo, e das outras 14 comunidades que compõem o território de Jambuaçu”, explica Samilly. “ A gente acredita que a educação é a principal ferramenta de luta e de defesa do território e o Perpetuar busca o fortalecimento dessas identidades e ancestralidades por meio da arte, do teatro, da palhaçaria quilombola, da cultura, de uma educação de re-existência quilombola. Esse é o nosso principal ponto de atuação”.

Em meio a esse processo, a possibilidade de acessar o programa de aceleração possibilitou que o coletivo desenvolvesse a campanha ‘Aquilombaí Malungada – por uma educação de re-existência quilombola’, onde foi possível realizar ações e encontros de saberes, tanto de saberes tradicionais da comunidade, como de saberes formais para a construção de uma educação quilombola. “Na aceleração nós conseguimos ter acesso a trocas com outros projetos, conhecer outras experiências e a potência dessa juventude amazônida que está na frente desses processos de luta e defesa da Amazônia e de aquilombamento”, considera, ao apontar que a coordenação do Projeto Perpetuar é composta por cinco jovens quilombolas da comunidade de Jacunday e que contam com mais 10 jovens que sempre estão nas atividades, se organizando dentro desse processo de defesa do território, da Amazônia e de construção da educação como ferramenta de luta. “A educação no quilombo tem que ser de quilombolas, com e para quilombolas. E é isso que estamos demarcando, negritando por aqui”.

A gente acredita que a educação é a principal ferramenta de luta e de defesa do território e o Perpetuar busca o fortalecimento dessas identidades e ancestralidades por meio da arte, do teatro, da palhaçaria quilombola, da cultura, de uma educação de re-existência quilombola. Esse é o nosso principal ponto de atuação”

Repensando papéis na comunicação e nas cidades

A necessidade de comunicar os desafios e problemas vivenciados a partir do olhar da própria comunidade também esteve no foco da origem do Tapajós de Fato. Depois de participar de uma atividade que reuniu, em Brasília, ativistas de todo o Brasil que lutam pelo bem-viver e pelas florestas, Marcos Wesley, 25 anos, voltou para o município de Santarém com a certeza de que era importante trazer os debates vivenciados durante a formação para a região do Baixo Amazonas. “A região vive uma série de conflitos com diversos cenários, desde a questão fundiária, minerária, a questão de madeireiras, enfim... São conflitos que a gente vivencia no dia a dia e que a gente sabe que, muitas vezes, não ganham a notoriedade devida”.

O portal Tapajós de Fato traz notícias sobre a região do Tapajós relacionadas às comunidades
📷 O portal Tapajós de Fato traz notícias sobre a região do Tapajós relacionadas às comunidades |Reprodução

Foi desta inquietação que surgiu o Tapajós de Fato, veículo de comunicação popular, alternativo e independente que hoje já reúne 12 profissionais que atuam na região Oeste do Pará. “Voltei para Santarém depois desse encontro e na época eu estava assessor de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém e nós realizamos um encontro com comunicadores populares de todo o Baixo Amazonas e Tapajós”, lembra Marcos. “Nesse encontro, nós trouxemos esse debate à tona, a importância de se ter um veículo que viesse do movimento social e ajudasse a ecoar as vozes”.

No grupo de WhatsApp formado a partir desse encontro, iniciaram as primeiras mobilizações para a criação do portal, processo que acabou sendo acelerado com o recebimento de denúncias de especulação imobiliária e especulação minerária nesses territórios e que precisavam chegar ao conhecimento da população. “Lançamos o portal no dia 11 de agosto de 2020, trazendo informações e denúncias. Uma das primeiras matérias que a gente fez foi sobre um lixão que estava sendo feito no pé da Serra do Saubal, em Santarém, uma área de proteção ambiental. Logo no início nós também falamos sobre a questão da transição capilar das mulheres pretas, então, a gente veio trazendo essas pautas parao portal”, conta Marcos.

Atividades são desenvolvidas pelo Laboratório em espaços urbanos subutilizados
📷 Atividades são desenvolvidas pelo Laboratório em espaços urbanos subutilizados |Divulgação

“Em janeiro de 2021, a gente recebeu a denúncia de um deslizamento em Juruti, dentro de uma área em que atua uma mineradora, fomos até lá e trouxemos um material muito bom. Então, a gente queria que as pessoas não só lessem, mas que ouvissem o que os moradores estavam falando e foi aí que a gente lançou o podcast. Depois passamos a ter uma atuação em audiovisual nas redes sociais, outras pessoas foram se agregando à nossa rede e hoje a gente tem uma redação onde 12 pessoas ficam sistematizando, criando conteúdo a partir dessas denúncias que chegam”.

No meio desse processo, o coletivo conseguiu alcançar o programa de aceleração e desenvolver uma campanha que procurou comunicar e chamar a atenção para outras possibilidades de geração de renda na região, como o extrativismo, a pesca, o artesanato, o turismo de base comunitária, a produção familiar de base rural, dentre outras. “Eu acredito que o maior reflexo desse trabalho foi a campanha que a gente fez através da aceleradora Iara porque a gente conseguiu reunir cinco organizações gigantes que já atuavam no território, então, a gente fez com eles um trabalho de debate, entendendo toda essa questão fundiária e de mineração no Projeto de Assentamento Agroextrativista que é o Lago Grande”.

LABORATÓRIO

A possibilidade de repensar ações e usos dentro do contexto das cidades na Amazônia também foi o que sempre motivou o Laboratório da Cidade a se organizar enquanto Organização da Sociedade Civil (OSC). Também voltada para a solução de demandas enfrentadas na região amazônica, o coletivo atua em Belém e em municípios da Região Metropolitana desde 2018 em busca de contribuir com a construção de cidades muito mais sustentáveis, resilientes, justas, igualitárias e muito mais acessíveis para todos. “A gente sempre brinca que somos uma fábrica de ideias e de ações, de práticas, então a gente visa fomentar novas discussões, trazer novos temas. Tem o papel de pensar de maneira mais teórica a cidade, mas, ao mesmo tempo, de colocar a mão na massa e ir para a prática também”, explica Taynara Gomes, gerente de projetos do Laboratório da Cidade.

Para que tais transformações sejam possíveis, o coletivo, que também participou do programa de aceleração Iara, costuma atuar em duas frentes principais de ação: o advocacy e as intervenções físicas na cidade. “Temos uma aproximação e mantém uma tentativa de diálogo muito forte com o poder público executivo e legislativo. Desde 2018 a gente faz esse papel de tentar trazer novas tendências e projetos para a cidade como um todo, a nível de projeto de lei, por exemplo, quando a conversa é com o legislativo, de tentar discutir o que está sendo pensado para a cidade de maneira geral, e com o executivo de tentar discutir projetos, obras, ações que poderiam estar impactando a cidade”.

Na linha de ação das intervenções físicas na cidade, Taynara conta que a organização busca pensar e atuar na ativação de espaços urbanos subutilizados. “A gente já vem fazendo, desde 2018, por exemplo, ocupação de espaços subutilizados e ociosos através de cinemas de rua, programação para as crianças, criação de mobiliários urbanos”, explica. “Por muito tempo, por exemplo, a gente fez cinemas de rua naqueles espaços vazios da Presidente Vargas. A gente levava toda a estrutura, convidava todo mundo do entorno, fazia convites públicos e fazíamos discussões e atividades para as crianças”.

Em outras ações, desta vez no canteiro central da antiga avenida 25 de setembro e também em algumas praças do município de Marituba, o Laboratório da Cidade conseguiu realizar, junto com a comunidade, a construção de mobiliários urbanos como brinquedos, bancos, gangorras, balanços, para que aqueles espaços ociosos voltassem a ter um uso. “A gente tem uma preocupação de sempre fazer com que os nossos processos sejam construídos de maneira muito horizontal, muito colaborativa e sempre envolvendo a comunidade nas nossas ações”, aponta.

“Sempre trazendo os moradores e as comunidades do entorno desses espaços porque a gente parte do pressuposto de que, se a gente chama as pessoas para participar, elas começam a olhar a cidade de uma outra forma. E se elas ajudam a gente a construir esses espaços, elas vão ajudar a cuidar deles também. Assim a gente consegue engajar a sociedade de uma maneira geral, sempre pensando em provocar aquela ideia de que a cidade é de todo mundo, não é terra de ninguém e se ela é tua também, tu podes se apropriar dela”.

Mantendo esse pensamento e forma de atuação, a experiência de participar do programa de aceleração possibilitou que a organização pudesse não apenas se fortalecer enquanto rede e instituição, como também desenvolvesse uma campanha, a ‘Caminhando por Belém’. “A gente precisava escolher um problema muito grave e evidente para atuar e a gente escolheu a questão da caminhabilidade. Belém é a pior capital do país em calçamento, em acessibilidade, em qualidade dessas calçadas, em arborização e a gente resolveu enfrentar esse problema”, conta Taynara Gomes. “Através da orientação da Iara nós conseguimos pensar quais seriam as melhores linhas de ação, então a gente foi para o advocacy, fizemos dezenas de reuniões com o legislativo e com o executivo e foi muito legal porque na Iara nos ensinaram ferramentas para que a gente pudesse otimizar essas reuniões e a gente conseguiu protocolar dois projetos de leis na Câmara em relação à caminhabilidade e conseguimos chegar a várias pessoas do executivo que até hoje eles entram em contato com a gente para discutir projetos e soluções”.

Na atuação prática, o coletivo, que hoje reúne 15 colaboradores, pode fazer uma intervenção no entorno de uma escola comunitária, pensando em como seria a experiência das crianças ao andar das suas casas para a escola, sempre buscando envolver a comunidade do entorno nos mutirões. “Fomos lá e fizemos intervenções nas calçadas, nos muros, no trânsito, pensando em deixar esses caminhos mais seguros para as crianças”, aponta Taynara, ao avaliar o resultado que esse tipo de ação pode proporcionar. “O resultado não é só o produto do projeto em si, mas esse engajamento e essa coesão social que a gente alcança junto”.

A gente sempre brinca que somos uma fábrica de ideias e de ações, de práticas, então a gente visa fomentar novas discussões, trazer novos temas. Tem o papel de pensar de maneira mais teórica a cidade, mas, ao mesmo tempo, de colocar a mão na massa e ir para a prática também”

PROJETOS

* Mais informações sobre os demais projetos inseridos na última edição do programa de aceleração Iara, assim como as orientações para participar das próximas edições, podem ser obtidas através da página https://iaraedital.com.br/.

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