Dar carona é um habito tão comum no Brasil. Quantas vezes assistimos uma pessoa, dirigindo seu carro e ceder gratuitamente uma carona, a pedido ou mediante oferecimento. Afinal, quem não gosta de receber uma carona após uma festa, ou na saída do trabalho, não é mesmo? Mas, você sabia que, se ocorrer algum acidente, você pode ser responsabilizado civilmente? Pois é, nessa matéria vamos explicar um pouco sobre a reponsabilidade civil no transporte de cortesia.
Apesar de ser uma prática comum, o Direito sempre teve dificuldade em categorizar essa situação. Para isso, utilizava-se, em um primeiro momento, a ideia de que haveria um tipo de transporte gratuito a atrair a norma jurídica contida no artigo 392 do Código Civil, sendo essa orientação defendida, dentre outros, por Wilson Melo da Silva.
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Nesse sentido, o contrato de transporte seria, em regra, caro, admitindo-se a unilateralidade e gratuidade se assim fosse o querer dos contratantes.
A nota 145 no Superior Tribunal de Justiça, aprovada em 2002, concordou ao dizer que no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.
No entanto, Orlando Gomes, em época bem anterior à atual codificação, entendia ser justo dar à pessoa que faz um favor a proteção de somente responder por dolo ou culpa grave.
Já José Fernando Simão acredita que a permanência dessa ótica pode produzir o efeito estimular a saudável prática da carona, uma vez que quem a oferecer somente responderá pelo dano se ficar provado que o causou algum dano grave.
Segundo o ilustre civilista “a carona deve ser estimulada e não punida. Já que o transporte público é ineficiente, a carona é uma das formas de reduzir o número de carros nas ruas, e com isso, reduzir o trânsito e melhorar o meio ambiente, sem poluição. É ato de solidariedade e que faz bem ao meio ambiente”, disse.
Passados mais de quinze anos de vigência da atual Codificação e a perspectiva de apenas responsabilizar o motorista que dá carona quando agir com dolo ou culpa grave, aplicando-se o artigo 392 do Código Civil que dispõe sobre os efeitos dos contratos gratuitos, continua sendo prestigiada pela jurisprudência pátria no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Estaduais.
Com o devido respeito às opiniões em contrário, o entendimento supra não parece o mais adequado e nem se afina com a orientação da atual codificação. O caput do artigo 736 do Código Civil coloca a questão no seu devido lugar quando diz que “não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia”.
Mesmo antes da vigência do atual Código Civil, Mário Moacyr Porto demonstrara que a doutrina e jurisprudência francesa já tinham abandonado a contratualização do transporte de favor ou cortesia e se posicionava por entender artificioso e forçado “pretender que os gestos de pura cortesia possam ser catalogados como autênticos contratos”. Em adendo a tal assertiva, traz instigante ilustração, reflexionando que se um amigo é convidado para jantar e aceita, há um acordo de vontades para determinado fim, “mas nunca um contrato para … jantar”.
Enfim, a nosso sentir, não há necessidade de prova de culpa grave ou dolo para o fim de responsabilização civil do motorista, na forma como o artigo 736 do Código Civil tratou a questão. A culpa, em qualquer de seus graus, será o suficiente, devendo ser aplicada a regra geral da responsabilidade civil aquiliana com a combinação dos artigos 186 e 927.
Sob o ponto de vista da vítima do dano, esse último entendimento parece mais justo e consentâneo com a ordem legal e constitucional que asseguram ao cidadão ofendido a reparação do dano que aqui se fará sem as incertezas e inseguranças da demonstração do grau de culpa exacerbado do motorista.
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