Cancelamento do empréstimo, demora na liberação do crédito, cobrança de taxa extra e até prática de venda casada estão entre as principais reclamações de quem pediu o consignado do Auxílio Brasil na Caixa nos primeiros dez dias de liberação do crédito.
Segundo relatos, falhas no sistema do banco estariam causando o cancelamento sistêmico de contratos, mesmo para quem atende os critérios exigidos. Nesta sexta-feira (21), a Caixa interrompeu a operação do consignado para manutenção do sistema. Até as 7h da próxima segunda (24), não será mais possível pedir o crédito em nenhum dos canais de atendimento.
O banco, que relatou uma explosão de acessos no Caixa Tem, informou que quem teve o pedido cancelado terá a chance de refazê-lo. Segundo a instituição, foram mandadas mensagens pelo aplicativo para que o cliente possa fazer novo pedido pelo Caixa Tem ou para que regularize a situação em uma lotérica ou em uma agência.
Em grupos do Facebook, beneficiários relatam que foram informados pelo banco de que o tempo de espera para a liberação do dinheiro pode chegar a até 15 dias. Na rede social, uma moradora de Duque de Caxias (RJ) disse que entrou em contato com a Caixa para questionar a demora.
"Segundo a atendente da Caixa, depois que aparece aprovado eles mandam as informações para o Ministério da Cidadania pra saber se tem margem pra fazer a liberação do valor e isso pode demorar até 15 dias úteis pra então se tiver tudo certo eles fazerem o pagamento", escreveu.
Nádia Pereira dos Santos, 40, de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, conta que aguardou dez dias para ter o recurso liberado pela Caixa, após ter feito o pedido no aplicativo Caixa Tem. "Estava desanimada, demorou muito e achei que nem fosse cair."
Ela diz que usou o dinheiro para pagar contas essenciais da casa, como energia elétrica e água. "Minha água estava cortada há quatro dias, por isso precisava do dinheiro."
Mas há quem nem sequer tenha conseguido entrar na lista de análise. Edneia Aparecida Bonfim, 44, tentou diversas vezes pedir o empréstimo por meio do aplicativo Caixa Tem, mas em todas as tentativas teve problema ao completar a solicitação. "O aplicativo fica muito lento e não completa o processo. Depois, ele mostra a mensagem para tentar novamente, mas nunca funciona."
Na última quarta (18), ela foi pessoalmente a uma agência da Caixa. Após esperar por cerca de duas horas, ouviu de um atendente que o sistema estava sobrecarregado e que os pedidos não poderiam ser feitos naquele momento. "Estou tentando todos os dias, mais ainda não deu certo. É muito frustrante."
Questionada pela reportagem, a Caixa não informou qual o prazo para a liberação do crédito. Segundo as normas do Ministério da Cidadania, deveria ocorrer em até dois dias úteis.
O consignado do Auxílio Brasil é um dos grandes trunfos da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa a reeleição contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente nas pesquisas.
Por causa dos atrasos para liberar o crédito, muitas famílias terão acesso ao dinheiro somente após o segundo turno das eleições, marcado para 30 de outubro.
BENEFICIÁRIA NÃO CONSEGUE EVITAR COBRANÇA DE R$ 65 DE SEGURO
Kethelyn Karoline, 22, conta que fez a solicitação do empréstimo pelo Caixa Tem no primeiro dia em que o banco passou a operar o crédito. Ao fazer o pedido, ela disse que notou a cobrança do seguro prestamista, mas que o aplicativo não apresentava opção para cancelar o valor. "Eu vi que tinha essa cobrança, mas fui obrigada a contratar porque não consegui colocar opção sem seguro."
Kethelyn teve liberado um empréstimo de R$ 2.582,88 e recebeu R$ 2.361,60 líquidos, com taxa de juros anual de 59,78%. O seguro prestamista foi de R$ 65,08, além de R$ 80,20 de juros de acerto.
O seguro prestamista é uma apólice que garante a quitação do contrato em caso de morte ou invalidez do cliente. Segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a cobrança sem consentimento prévio do consumidor configura venda casada, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.
"Nas operações por meio digital, observa-se a existência de opção sem informação de valores", afirma Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de serviços financeiros do Idec.
Ainda segundo o instituto, há relatos de empréstimos concedidos em casas lotéricas em que o usuário não foi consultado e a operação foi finalizada com seguro.
"A cobrança de juros de acerto é considerada abusiva pelo Ministério da Cidadania através da portaria 816/22, que veda a ampliação para o prazo inicial de pagamento", afirma a economista.
CAIXA DIZ QUE RECORDE DE ACESSOS GEROU FALHAS
Segundo a Caixa, entre os dias 11 e 20 de outubro, os acessos no aplicativo Caixa Tem chegaram a 206 milhões. No mesmo período de setembro, foram 25 milhões de acessos.
"Em volume numérico é como se quase toda a população do Brasil tivesse interagido com o banco em apenas dez dias. Mesmo assim, aproximadamente 80% de todas as solicitações feitas já foram concluídas", disse o banco, em nota.
Na manhã desta sexta-feira (21), durante um evento sobre a campanha de prevenção ao câncer de mama, o vice-presidente da Rede de Varejo da Caixa, Júlio César Volpp Sierra, afirmou que o banco está fazendo implementações tecnológicas para dar suporte ao sistema e conseguir atender aos clientes.
"Estamos processando os créditos e buscando a normalização para poder fazer o crédito para todas as pessoas", disse.
ÓRGÃOS ACOMPANHAM RECLAMAÇÕES DE BENEFICIÁRIOS
A Caixa não é o único banco autorizado a oferecer o consignado do Auxílio Brasil. Segundo a Cidadania, 12 instituições financeiras foram aprovadas para oferecer o crédito. Três delas decidiram não trabalhar com o produto de imediato. É o caso do Agibank, Daycoval e Facta.
No entanto, o banco público é o que tem concentrado maior interesse dos beneficiários do programa.
Segundo Ione, houve falha por parte dos bancos em fornecer informação mais clara e objetiva para os consumidores.
Entre os dias 11 e 17 de outubro, o Idec identificou mais de 2.000 reclamações relatadas por beneficiários sobre o crédito consignado do Auxílio Brasil. Entre as queixas destacavam-se as ligadas ao atraso no depósito do dinheiro.
O Procon-SP informa que registrou 27 ocorrências. Entre os principais problemas estão a não disponibilização do valor e a falta de autorização. Segundo o órgão, nenhum banco foi notificado até o momento.
"A partir da reclamação do consumidor, o Procon tenta um acordo entre as partes. Não havendo acordo é aberto um processo administrativo contra a empresa".
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