Os cortes orçamentários que o governo de Jair Bolsonaro está impondo para se adequar ao limite do teto de gastos estão impactando fortemente a educação pública e serviços vinculados ao setor, como os hospitais universitários. Entre as áreas mais afetadas estão as ligadas ao Ministério da Educação (MEC). Esta quarta (7/12) é o quinto dia útil do mês e não há dinheiro em caixa para pagar bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, nem cerca de 14 mil médicos residentes, além de despesas básicas como a conta de luz das universidades públicas. Segundo a equipe de transição para o próximo governo do presidente eleito Lula, não há verbas garantidas sequer para comprar livros didáticos para o ano que vem. A situação, descrevem, é “muito dramática”.
Responsável pelo pagamento de bolsas de estudo e pesquisa em pós-graduação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) confirmou no início da noite de terça (6/12) que não tem mais dinheiro nem para sua manutenção administrativa e nem para o pagamento de mais de 200 mil bolsas para mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos.
Os bolsistas que dependem desse benefício para custear seus estudos e, muitas vezes, bancar a vida em outra cidade ou outro país iniciaram uma onda de cobrança nas redes sociais. O calote afeta estudantes como o economista Gilberto José Nogueira Junior, que cursa PhD em uma universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Mais conhecido como Gil do Vigor, um dos mais carismáticos ex-BBBs, o pós-graduando está ajudando a dar voz aos milhares de anônimos que enfrentam o mesmo problema:
O tamanho do problema
Para cumprir o teto e gastar apenas o Orçamento do ano passado atualizado pela inflação, o governo federal bloqueou R$ 15,4 bilhões de ministérios e verbas de emendas. Do Ministério da Educação, foram bloqueados R$ 1,4 bilhão e o órgão congelou cerca de R$ 350 milhões de universidades, dinheiro destinado a pagar despesas deste mês.
Com isso, universidades federais como as de Brasília e do Rio de Janeiro informaram não ter dinheiro para pagar contas básicas, como de energia e água, além do salário de funcionários terceirizados e de contratos de limpeza, segurança patrimonial e de fornecimento de comida para restaurantes universitários.
A situação mais dramática, além dos bolsistas, é dos 30 hospitais universitários que existem no país. Não há dinheiro para pagar fornecedores de insumos médicos, como oxigênio e remédios, e nem os salários de cerca de 14 mil médicos residentes.
A residência é a última etapa da formação de médicos e médicas. Sob a supervisão de servidores experientes, os médicos formandos trabalham em instituições como o Hospital Universitário de Brasília (HUB) recebendo salários-base de R$ 3 mil.
A falta de dinheiro é um problema generalizado no ensino superior público. De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), todas as universidades federais estão com as contas no vermelho e sem condições de honrar com seus compromissos financeiros.
Sem verba para livros
O apagão orçamentário do MEC tem consequências para além do fim do governo Bolsonaro e se tornou um dos principais focos de preocupação do Gabinete de Transição para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A situação é muito dramática”, resumiu o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante em entrevista no final da tarde de terça, em Brasília.
“Além dos bolsistas da Capes e dos médicos residentes, que vão ficar sem receber se nada for feito, há contratos que foram feitos, mas não têm recursos para o pagamento. Isso incluiu problemas que não dá para chegar e resolver no ano que vem, como a compra dos livros didáticos para a educação básica. Não há verba garantida para essa compra”, continuou Mercadante, um dos coordenadores da transição. “Vai gerar uma tragédia educacional se isso não for corrigido rapidamente”, completou ele, sem mostrar muita confiança na capacidade do atual governo de resolver o problema.
O economista José Henrique Paim, integrante do grupo de trabalho (GT) da transição da Educação, disse, na mesma entrevista, que o calote a bolsistas, médicos e fornecedores das universidades gera um efeito cascata para o ano que vem. Fornecedores com contratos assinados não devem necessariamente interromper serviços (como a alimentação em restaurantes universitários), pois devem receber no futuro, mas podem ter de reduzir qualidade e quantidade dos serviços prestados.
“O cenário para o ano que vem é difícil, mas, no mento, o que mais nos preocupa é o fechamento deste ano”, complementou Paim, que disse ainda que o apagão coloca em risco contratos que cuidam de soluções tecnológicas como a do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), plataforma pela qual os estudantes que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se candidatam a vagas no ensino superior.
Governo Bolsonaro se cala
O portal Metrópoles procurou o Palácio do Planalto e o MEC para questionar sobre a busca de soluções para o apagão orçamentário, mas, até a publicação desta reportagem, não recebeu respostas. O espaço segue aberto para manifestações.
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