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REALIDADE NUA E CRUA

Fotógrafo irlandês revela uma Amazônia vermelha como ela é

Por meio de técnicas usadas por cientistas e exploradores, Richard Mosse vê uma floresta sendo dizimada

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Imagem ilustrativa da notícia Fotógrafo irlandês revela uma Amazônia vermelha como ela é camera Uma ilha de floresta (vermelha) em meio ao desmatamento (verde) em imagem aérea do fotógrafo irlandês Richard Mosse na Amazônia; imagem integra o livro 'Broken Spectre' (2022) | Richard Mosse/Divulgação

A Amazônia vermelha que se desprende das fotografias de Richard Mosse não é produto de um filtro especial na câmera ou de uma manipulação de cores em um computador na pós-produção.

O que se vê ali é a realidade mais crua da floresta tropical. É literalmente como madeireiras, mineradoras e fazendeiros veem a região. Trata-se da Amazônia vista através de uma câmera multiespectral, a mesma usada por essas empresas em busca de recursos naturais, e, agora, por Richard Mosse em seu trabalho "Broken Spectre" –que ganha livro bilíngue, exposições pelo mundo e também um filme.

Como artista, Mosse pretendeu relatar "a enorme catástrofe que é a mudança climática e a provável extinção da raça humana ", diz ele. "Os cientistas nos deram as informações, mas a narrativa não era perceptível. Estava além da percepção humana no dia a dia. Mas o aquecimento global está acontecendo agora, e não daqui a 50 anos."

Assim, o fotógrafo passou os últimos quatro anos –justamente os do governo Jair Bolsonaro– em viagens ao Brasil usando uma variedade de técnicas que pudessem ajudar a soar o alarme sobre os crimes ambientais na Amazônia. A câmera multiespectral, a que transforma o verde das árvores em vermelho, vê as cores de modo diferente do olho humano.

"Cientistas se valem de imagens multiespectrais para estudar a floresta. Fazendeiros a usam para ver onde suas plantações estão saudáveis e onde estão morrendo. Mineradoras descobrem onde pode haver ouro ou tungstênio. Na Amazônia, em qualquer cidadezinha na beira da estrada, tem uma lojinha onde um cara aluga um drone com essa câmera para que os proprietários ou invasores possam explorar a floresta", conta ele.

A ideia de usar a própria ferramenta da exploração como forma de arte não é nova na carreira de Mosse, um fotógrafo irlandês de 42 anos baseado em Nova York. Um de seus trabalhos recentes foi a crise dos refugiados na Europa. Entre 2014 e 2016, ele fez uma série fotográfica chamada "Incoming", usando câmeras militares capazes de perceber a temperatura de um corpo humano a 30 km de distância. O resultado, monocromático, revelava os imigrantes de forma fantasmagórica e pouco humana.

Floresta Amazônica vista através de uma câmera multiespectral
📷 Floresta Amazônica vista através de uma câmera multiespectral |Richard Mosse/Divulgação

"É importante encontrar novas maneiras de contar histórias", afirma Mosse. "No caso, usei essa paleta de falsas cores para contar essa história. A deflorestação está acontecendo agora. Segundo Philip Fearnside [biólogo norte-americano que morou anos na região], fotos de satélite indicam que em dez anos a floresta estará tão degradada que passará de floresta chuvosa a savana. A região de Manaus já virou uma savana."

Outra técnica do fotógrafo, no caso das imagens em preto e branco, foi usar um filme descontinuado em 1999 pela Kodak chamado high speed infrared. "Os poucos rolos que ainda existem são míticos. E ele é muito sensível ao calor. Então, fotografar fogueiras com esse equipamento é loucura. Mas, como artista, isso traz uma degradação ao material final que ajuda a contar a história." Há ainda uma leva de fotografias do mundo minúsculo dos insetos e raízes, tiradas a partir de outra técnica de cientistas que captura imagens em ultravioleta.

O livro "Broken Spectre" está saindo em uma edição bilíngue, inglês/português, pela Loose Joints, editora baseada em Marselha e em Londres e especializada em livros de arte fotográfica. Além das 392 páginas do livro principal, acompanha um livreto de 48 páginas com textos de Txai Suruí, líder indígena brasileira, Jon Lee Anderson, jornalista americano especializado na América, entre outros, além de legendas para as fotos.

Por ora, a única forma de comprar o livro é pelo site da editora (https://loosejoints.biz/products/broken-spectre) e o preço é de £ 49 (R$ 314). Para o Brasil, há um custo de entrega de cerca de EUR 29 (R$ 186).

Além do livro, há três exposições programadas até agora, duas já em andamento: a do 180 Studios, em Londres, até 30 de dezembro, e outra na National Gallery of Victoria, em Melbourne, Australia, até 23 de abril de 2023. Uma terceira mostra abrirá em 24 de agosto de 2023 na Converge 45 Biennial, em Portland, nos Estados Unidos.

As exposições também recebem o filme "Broken Spectre", de 74 minutos, que Mosse dirigiu a partir de filmagens feitas nos locais em que fotografava. Para essa obra, ele acompanhou fazendeiros colocando fogo na vegetação, mineradores buscando ouro, madeireiros cortando árvores e até registrou o funcionamento de um matadouro de bois em Porto Velho, em Rondônia.

É um filme contemplativo, que alterna imagens em preto e branco com outras de suas câmeras especiais. Na verdade, Mosse conta que teve que criar uma câmera multiespectral que gravasse vídeo, uma vez que até então só existiam aquelas que tiravam fotos. "Construí uma multiespectral capaz de fotografar 24 quadros por segundo e a colocamos no nariz de um helicóptero."

Detalhe de imagem da yanomami Adneia, feita pelo fotógrafo Richard Mosse na Amazônia; imagem integra o livro 'Broken Spectre' (2022)
📷 Detalhe de imagem da yanomami Adneia, feita pelo fotógrafo Richard Mosse na Amazônia; imagem integra o livro 'Broken Spectre' (2022) |Richard Mosse/Divulgação

A única cena do filme em que há voz é quando uma yanomami chamada Adneia faz um violento discurso para a câmera de Mosse. Sua tribo se envolveu numa escaramuça com mineradores que terminou em várias mortes. Desde então, o conflito é permanente. Ela xinga os políticos, pede ajuda do Exército, questiona a razão de os brancos invadirem suas terras e chama o presidente de "sujo", entre outras coisas. Mosse admite que a complexidade social da Amazônia hoje não permite que se olhe os brancos simplesmente como invasores sem consciência. A partir do momento em que famílias foram levadas para a região, há cinco décadas, duas novas gerações nasceram ali e lutam para sobreviver.

"Nós não poderíamos ter feito esse trabalho sem nos aproximarmos dos agricultores, dos mineradores, das pessoas que cortam árvores. Eles não fazem uma performance para nossas câmeras. Eu fiquei próximo a muitos deles, amigo, e alguns deles são muito orgulhosos dos papéis que desempenham e de como proveem suas famílias."

"A maioria vive sem eletricidade, mas querem ter picapes, aspiram a ser grandes fazendeiros. Tenho 100% de respeito por todas as pessoas que filmei ou fotografei, inclusive aqueles que cortam árvores. É uma questão cultural e essa ambiguidade é mostrada no filme", afirma Mosse.

Nas exibições, "Broken Spectre" é projetado em duas telas bem horizontais, uma ao lado outra, e o som da floresta é distribuído por 20 alto-falantes. Há música também, do compositor Benjamin Frost. A exemplo de Mosse, Frost utilizou técnicas especiais nesse trabalho, sampleando sons de insetos e da vegetação para criar sua paleta sonora.

"Queríamos fazer um western", diz ele. "O que vemos hoje na Amazônia é o que aconteceu nos Estados Unidos na época do faroeste, pioneiros conquistando áreas selvagens e destruindo o que havia ali antes. Nos anos 1970, a ditadura brasileira construiu a Transamazônica e transferiu pessoas que moravam no sul do país para desenvolver a região. Mas eu odeio essa palavra, 'desenvolver', pois a floresta já estava sendo desenvolvida pelos indígenas ao seu próprio modo", afirma.

"Nesse western atual, 80% da floresta está sendo usada para produzir pasto e carne barata. E ela nem alimenta o povo brasileiro, mas sim os Burger Kings da Europa. Politicamente, Bolsonaro e Ricardo Salles estão vendendo o patrimônio do país para gente de fora sem que nada retorne aos brasileiros. É muito triste ver isso, que os brasileiros não ganham nada com esse 'desenvolvimento'. Os lucros são gigantescos e quem ganha é Wall Street, quem ganha são os bancos americanos. É muito perturbador."

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