O novo delegado responsável pela região central de São Paulo disse que irá rever as operações feitas pelo antecessor na cracolândia e defende menos violência policial contra os usuários de drogas.
"Faz 30 anos que eu vejo operações policiais muito incisivas na cracolândia e, até hoje, eu não vi resultado", disse o recém-empossado titular da 1ª Delegacia Seccional do Centro, Jair Ortiz Barbosa. "Tendo a acreditar que essa narrativa é mentirosa, de que enfrentar a cracolândia na base de pancada vai resolver", continua.
Em entrevista à Folha de S.Paulo na tarde desta quinta-feira (19), Barbosa também criticou a operação Caronte, deflagrada em junho de 2021 pelo então delegado seccional Roberto Monteiro para reprimir o tráfico e o consumo de drogas no centro.
A última ação de investigadores no fluxo de usuários foi feita no fim de dezembro, e ainda não há previsão de retomada. Desde o início do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), apenas a Polícia Militar atuou na cracolândia até agora.
Na quarta (18), PMs ocuparam a praça Princesa Isabel, que chegou a receber a concentração de usuários no ano passado.
Na semana anterior, policiais militares dispersaram usuários de drogas na rua Vitória, no centro, com bombas de gás lacrimogêneo. A ação ocorreu após a Folha de S.Paulo mostrar que usuários haviam pintado uma faixa na rua para demarcar o espaço ocupado por eles.
Segundo Barbosa a retomada das operações está em estudo. Ele afirma que mais de 80% dos presos nessas operações tiveram o caso arquivado após o Judiciário negar a acusação de associação criminosa. "Não estou satisfeito com o custo benefício da operação Caronte", disse.
O ex-delegado da Seccional Centro diz que a prisão de traficantes que comandavam a venda de drogas na região central foi mantida pela Justiça. Além disso, Monteiro ressalta que as incursões frequentes entre o fluxo de usuários foi importante para destituir o comando do território articulado pelo crime organizado que lucra por meio de aluguéis de espaços na calçada para venda de drogas.
Esse argumento também foi rebatido por Barbosa. Segundo ele, a dispersão de usuários pelo centro, efeito colateral das operações policiais, prejudica o trabalho de agentes de saúde e da área social. "Se antes eu tinha uma equipe para acompanhar os usuários, agora, preciso de 16 equipes por causa da dispersão por vários pontos do centro", diz.
A constância das operações, feitas semanalmente, teve como outro efeito negativo, segundo Barbosa, a falta de disponibilidade dos policiais civis para investigar outros crimes. "Como esse policial que está na rua às 5h da manhã [em operação na cracolândia] vai estar investigando um crime no dia seguinte às 5 h da tarde? ", disse.
A região central teve alta recorde nos registros de roubos e furtos no ano passado. Os números registrados entre janeiro a outubro foram os maiores desde 2002. O trabalho de fichar os dependentes químicos flagrados consumindo crack na rua antes de encaminhá-los a unidades de saúde, que vinha sendo feito pelo 77º DP (Santa Cecília) desde setembro, foi interrompido no fim do ano passado e não será retomado, de acordo com o novo delegado.
Como parte do plano a ser apresentado pela gestão Tarcísio para a cracolândia no próximo dia 23, o delegado citou a instalação de 300 câmeras de segurança em pontos públicos e na fachada de comércios e residência para "criar um 'big brother' na região".
"A ideia é elaborar uma sala de inteligência em que as equipes acompanhem tudo em tempo real", disse Barbosa, que citou também o uso de drones na região como parte das novas ações. Segundo ele, a instalação das câmeras está sendo articulada entre governo e prefeitura.
Barbosa foi indicado ao cargo como parte das mudanças feitas na cúpula das polícias neste início do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
De acordo com o novo secretário de Segurança Pública do estado, Guilherme Derrite, a troca foi feita por questões técnicas. Ele disse ainda que o novo titular da delegacia seccional estuda o tema cracolândia desde 2015. "É um profissional que visitou Viena, Frankfurt, Amsterdã, cidades que tinham problemas similares", disse.
O novo delegado conta que se interessou pelo tema ao viajar por países da Europa nas férias, quando foi convidado por policiais locais a conhecer a dinâmica da atuação em pontos de consumo de drogas. "Em todo lugar que eu vou eu paro para conversar com os policiais", conta. "Em Frankfurt (Alemanha), sabia que tinha uma cracolândia importante lá, e fui levado ao centro de comando para ver como é feito o trabalho da polícia", diz.
"Quatro fatores são fundamentais para [atuar na] cracolândia: limpeza, iluminação de qualidade e utilização do espaço público de acordo com sua utilidade original", concluiu o delegado com base em suas experiências no exterior. "[É importante também] criar um monitoramento para ter a oportunidade de fazer um trabalho mais qualificado ao saber o que está acontecendo lá", continuou.
Apesar de ter sido destituído do cargo de titular da 1ª Delegacia Seccional do Centro, o delegado Monteiro irá continuar a atuar na cracolândia como assessor especial do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que enviou ofício ao governo estadual com pedido para mantê-lo na gestão municipal. A formalização do cargo ainda não foi efetivada, e ainda depende de trâmites burocráticos para a criação da vaga.
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