A decisão de acolher um cão em casa exige que o tutor se faça uma série de perguntas: Tenho tempo? Tenho espaço disponível? Tenho estrutura, disposição e recursos para manter esse animal em meu lar? Quando as respostas são positivas e a vontade também, é preciso atentar para o fato de que esses pets vão precisar ser educados para evitar problemas como xixi e cocô em lugares indesejados, móveis destruídos, latidos exagerados e outras situações que só quem tem um deles em casa conhece muito bem. É aí que entra o papel do adestrador, um profissional que auxilia os moradores deste lar a moldarem seus bichinhos com um comportamento harmonioso para todos.
Foi com o auxílio de um adestrador que a advogada Isadora Mourão, 27 anos, conseguiu fazer com que o Baldur a obedecesse e passasse a adotar um bom comportamento dentro de casa. A tutora e o vira-lata resgatado da rua moram com a avó dela, de 80 anos, um dos motivos para que a advogada recorresse a uma adestradora. “Ele tem 13 quilos e pulava na minha avó. Não era agressivo, mas cheio de energia. A pele dela é fina e ficava com medo dela se machucar”, justifica.
Isadora conta que Baldur foi acolhido quando tinha cerca de dois anos e hoje, aos quatro anos de idade estimados, está bem mais tranquilo para conviver com ela e a idosa. “Quando o encontrei ele era bem medroso, não sei o que passou na rua, mas não queria arriscar. Foi aí que procurei adestrar. Ele agora é mais controlado, não pula nas pessoas e não machuca. Também não sai correndo e só obedece aos comandos”, garante.
Segundo a advogada, o adestramento é uma tarefa constante, mesmo depois que a adestradora sai de cena. “Foram três meses de acompanhamento. Até hoje, se eu deixar de reforçar positivamente o que ele aprendeu, ele pode voltar a fazer o que fazia”, relata.
“Às vezes ele se urinava quando eu chegava, agora não, só faz xixi no tapete higiênico. Até quando mudei de casa para um apartamento ele não teve problemas de adaptação, porque na casa ele tinha um quintal e podia urinar toda hora”, cita.
Vídeo: tamanduá-bandeira "passeia" em padaria de Goiânia.
ADESTRADORA
A responsável por operar esse pequeno milagre na vida da Isadora é a também advogada e adestradora de cães Doany Mourão, estudiosa da psicologia animal desde 2018 e analista de comportamento canino com vários cursos de formação.
Para quem tem um cachorrinho ou mesmo outro animal doméstico em casa e passa por situações desagradáveis por causa do excesso de energia do pet ou mesmo teimosia dele em manter hábitos indesejados, ela garante que todos eles podem ser adestrados. “O mais importante é que quando as pessoas pensam em adestramento, pensam muito numa ideia enraizada de um homem usando instrumentos agressivos como correntes, fazendo que o animal fique parado, robotizado. Isso é uma ideia antiga, tem que se ligar a uma ideia de comunicação, como entender o que ele espera de você, o que você quer dele naquele momento”, ressalta.
“Não é deixar ele robotizado, é uma comunicação. São espécies diferentes. Muitos mitos são colocados entre os cães e as pessoas. Algumas famílias esperam que os cães e gatos entendam o mundo como nós vemos. O adestramento é a fonte para termos uma comunicação com o animal. Eles nunca vão falar, mas eles se comunicam com uma linguagem corporal e precisamos entender o que eles querem dizer. É comunicação e não aquele cão preso do teu lado”, reitera.
De acordo com Doany, a partir dos 30 dias de vida o cachorro já tem capacidade cognitiva de aprender tudo o que o tutor está disposto a ensinar. “Não há restrição de aprendizado. Cães idosos também estão aptos, claro que a velocidade vai variar, o fator que vai ditar isso é o seu tempo mesmo, cada um tem um tempo. Todos podem aprender. O primeiro cão que trabalhei foi resgatado com dez anos e aprendeu tudo, não tem idade limite”.
A adestradora pontua que o primeiro cuidado que o tutor deve ter é escolher um profissional que não adote o adestramento punitivo. “O mais importante é perceber se esse profissional quer te ensinar a se comunicar com seu cachorro. Quando chega dizendo que o teu animal precisa de um líder, tem que ter coleira tal, que quer te dominar, você já liga o alerta”, recomenda. “O adestrador precisa focar no bem-estar do animal, precisa aprender a conversar com ele de forma positiva, com linguagem corporal e focar em enriquecimento ambiental”.
Caixa conclui pagamento de março do novo Bolsa Família
SABER ESPERAR
Um dos desafios da educação canina é fazer com que esse pet saiba esperar. “Um cão educado, a gente quer que ele nos compreenda, que ele espere para atravessar a rua, para passear, entregar o pote de comida, abrir a porta sem sair correndo”, exemplifica Doany. “O animal que sabe esperar é minimamente educado, o que se tem que esperar desse adestramento é que o animal tenha esse autocontrole da vida do humano. Temos que olhar com empatia esse lado, são domesticados, mas são cães, têm necessidades básicas de cães e é preciso supri-las minimamente para ele se adaptar ao apartamento”, considera.
EDUCAÇÃO SANITÁRIA
Doany comenta ainda que o problema do animal não fazer as necessidades fisiológicas nos lugares desejados é um problema de convivência. “Para o cão não existe lugar errado, não existe banheiro, o conceito de banheiro é algo humano. Eles não têm esse contexto de certo e errado, sentiu vontade, vai fazer”, lembra. Mas então, como mudar essa ideia? “Com reforço positivo. Se você pensar que toda vez que ele pisar naquele local se dá bem, como receber um carinho, um petisco, ele vai querer voltar ali. Se você bota uma saca, um tapete higiênico e premiá-lo (quando fizer as necessidades), ele vai querer passar por ali mais e mais”, ensina.
“Agora brigar toda vez que ele faz em qualquer lugar da casa não é uma estratégia interessante. A gente gera medo, desconfiança, ele começa a prender as necessidades, o que pode gerar doenças e infecções. Aí, sim, isso vai afetar a vida dele com ansiedade”, chama a atenção.
A especialista lembra que uma pessoa que leva um cachorro para casa precisa estar preparada psicologicamente. “Ensinar é prevenir a ansiedade de quando ele quiser ir ao banheiro, o local que ele faz todo dia e se dá bem. É carinho, uma bolinha, um petisco, algo que ele goste, isso é um reforço positivo. O reforço primário é a comida, mas depende da raça. Em poucas semanas a gente consegue fazer com que ele não erre mais”.
SEM DESTRUIÇÃO
Como ninguém quer ter seus móveis roídos, Doany sugere que se dê opções de enriquecimento ambiental. “É uma oportunidade que o tutor tem de deixar seu cachorro ser ele mesmo, a necessidade de roer, lamber, farejar, cavar, explorar, caminhar, descansar, latir. É a vida dele, ele não está na natureza, mas tem resquícios selvagens. Um cachorro, quando você entrega aquele brinquedo, ele vê uma presa e usa os sentidos para desvendar aquilo, roer, tentar destruir. Pode ser um brinquedo recheável, que você bota comida dentro; ossos e casco são mordedores naturais; petiscos desidratados”, lista.
SEM AGITAÇÃO
Aquela euforia para passear, ativada quando se vê a coleira ou quando o tutor convida para dar uma volta também pode ser controlada. “Não atiçar na hora de passear; acostumar a colocar o material de passeio e ficar calmo; não atiçar mais; não chamar para passear, mas só colocar a guia e sair em silêncio, sem agitação”.
PARCERIA
Outra orientação importante aos pais de pet é que não dá para “terceirizar” a educação dos doguinhos exclusivamente para o adestrador. É preciso participar e estimular o aprendizado no dia a dia para se ver os resultados. “O adestrador precisa estar lado a lado com o tutor para o animal aprender. O adestrador é uma peça na família que vai te ensinar. Não existe isso de terceirizar”, deixa claro.
TEMPO
Sobre o tempo para que o cachorro aprenda as regras de casa, a adestradora destaca que “não há receita de bolo”. Tudo depende do perfil de cada animal, da raça etc. Em média, o acompanhamento com o adestrador pode ser realizado de forma presencial ou até mesmo on-line uma vez por semana, com cerca de 40 a 60 minutos de duração. “Se o tutor fizer treinamentos de 10 a 15 minutos todos os dias, já veremos mudanças no dia a dia”, explica sobre como colocar em prática as lições da tutoria.
Para finalizar, Doany volta a condenar os adestramentos punitivos. “Não se ensina mediante dor e força. É preciso usar a psicologia animal, sacar de análise do comportamento do animal. É muito errado essa ideia de punição. Os cães não querem dominar ninguém, só precisam de humanos em quem eles possam confiar. Não existe isso. A teoria da dominância é um mito”.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar