A criatividade empregada em um produto já conhecido, ou mesmo comum, pode ser a chave para empreendedores se destacarem no mercado. Não é à toa que muitas histórias de empreendimentos de sucesso começam a partir de uma ideia inovadora que impacta não apenas no produto ou serviço oferecido, mas também nos processos e formas de apresentação. Diante da riqueza cultural presente no Estado do Pará, não é difícil encontrar empreendedores que viram seus negócios deslancharem depois de fazer uso de uma boa dose de criatividade.
Um universo novo se abriu diante da empreendedora Grace Lopes quando ela começou a aliar a criatividade às peças de moda praia que ela já produzia. Ela lembra que tudo começou quando ela saiu do seu emprego anterior e identificou a oportunidade de empreender. “Eu trabalhava em banco e saí em meados de julho. Eu sempre fui uma cliente assídua de lojas de biquíni e, como eu tinha saído do meu trabalho, pensei que teria que segurar um pouco a grana, então, decidi fazer os meus próprios biquínis. Só que as minhas amigas começaram a gostar dos biquínis que eu estava usando”, lembra a fundadora da BGL Beach, marca de moda praia autoral para corpos reais. “Eu estava estudando para concurso na época e eu decidi que, enquanto estudava, eu ia empreender nessa área beachwear. A BGL já tem 10 anos de mercado”.
Logo quando começou a atuar na área da moda praia, Grace lembra que ficava muito ligada às tendências que eram usadas aqui na região, no verão amazônico. Tudo mudou quando ela conheceu a loja colaborativa e criativa que é o ponto físico de venda da sua marca até hoje. “No início eu seguia mais do mesmo, mas eu conheci a Nai (Nai Macedo, fundadora do Espaço Vem) nessas feirinhas de empreendedores e ela falou que ia fazer uma loja criativa, o que veio muito a calhar porque foi quando eu passei no concurso e não ia conseguir mais atender os meus clientes, então, eu pude expor os meus biquínis na loja da Nai”, lembra, ao explicar que a parceria também resultou no desenvolvimento de peças diferenciadas. “Com a pegada da loja criativa, a gente foi identificando essas clientes e eu comecei a fazer estampas próprias com as palavras regionais, o ‘égua’, ‘tu é doido é’ e realmente é isso que chama mais atenção”.
Além de adotar frases e expressões regionais às peças – o que hoje é o carro chefe da marca -, a empreendedora também decidiu direcionar as suas peças para modelos adequados para o que ela identifica como ‘corpos reais’. “Se antes eu usava um manequim 38 ou M, hoje eu uso um manequim G. Então, as pessoas se identificam, elas se veem num corpo G ou em um corpo GG. Então, a gente faz essa pegada para corpos reais, não saindo da nossa essência que é o regionalismo e deu muito certo”, conta. “Quando eu comecei a fazer os tops regionais para praia, eu vi o feedback dos clientes e hoje ele se tornou o meu carro chefe. Que bom que hoje todo mundo está valorizando o que é nosso”.
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O diferencial focado na identidade e cultura regional, assim como nas parcerias colaborativas, também apresentou uma nova perspectiva para a marca de papelaria criada pela Carolina Barros, idealizadora do Ateliê Cativa. Professora, Carolina conta que sempre gostou muito de papelaria e em 2022, por hobby, começou a empreender na área. Porém, o negócio deslanchou mesmo quando ela viu a possibilidade de aliar os seus produtos à identidade regional e ao trabalho de artistas locais, através de colaborações e parcerias.
“Eu cheguei com a papelaria normal, fofinha, mas quando eu cheguei na loja (no Espaço Vem, que também é o ponto físico de vendas de sua marca) vi esse mundo paraense, me encantei e fui migrando para essa papelaria paraense. Foi quando as coisas deram um ‘up’”, lembra. “Eu não tinha essa dimensão do potencial da papelaria paraense, com os nossos traços e a nossa identidade. E, desde então, a gente também tem uma característica de fazer ‘colab’. Como eu não desenho, eu procuro artistas paraenses para fazer essas colaborações”.
Hoje, além das peças vendidas na própria capital paraense, a empreendedora também recebe pedidos de fora de Belém, como São Paulo e Rio de Janeiro. “Eu não tinha dimensão da nossa regionalidade e quando eu fui adentrando, eu fiquei cada vez mais encantada. Hoje, a nossa principal característica é procurar essas colabs com os artistas locais e eu já tenho vários colabs com empreendedores aqui mesmo da loja”.
A diversidade de peças expostas na loja colaborativa é uma amostra do quanto o empreendedorismo criativo tem despertado o interesse de empreendedores locais. Responsável pelo espaço, Nai Macedo explica que o Espaço Vem é uma sigla que significa Vida, Economia Criativa e Moda, e que surgiu em 2018 com a necessidade de se ter um ponto físico para expor os produtos de empreendedores locais. A loja iniciou com 15 marcas, no bairro da Cidade Velha, e hoje já reúne quatro vezes mais empreendedores em duas unidades, uma delas em parceria com o Instituto Peabiru.
“As duas unidades, hoje, são 60 empreendedores de todos os segmentos, moda, moda regional, acessórios, home decor, calçados, papelaria, óleos essenciais, cerâmica, diversos artistas. 90% é empreendedorismo feminino e a grande maioria tem o empreendedorismo como a sua primeira renda”, pontua Nai. “O que mais chama a atenção do cliente, quando chega na loja, é que tem bastante coisa. Além disso, a proposta da regionalidade. A gente foi entendendo, com o passar dos anos, que o que mais vende é quando você coloca o açaí, o égua, os casarões de cerâmica, todas as camisas que têm escritos paraenses são as que mais chamam a atenção e o que mais o público vem buscar aqui, hoje”.
Produtos envolvem trabalhos de muitas mãos
Criatividade e inovação também não faltam nas peças reunidas pela Beirando Loja, loja colaborativa focada na economia criativa. A cofundadora do projeto, Lorena Furtado, explica que o critério básico do espaço é baseado no trabalho artesanal e local, não trabalhando com produtos industrializados. “A maioria das peças tem muito essa característica de destacar um aspecto da cultura local de uma forma não folclórica. Fugir daquela ideia do ‘Fui em Belém do Pará e lembrei de você’. A gente traz esses elementos que têm a característica regional, mas que não necessariamente está ali diretamente na peça o ‘Belém-PA-Brasil’, mas que está nas entrelinhas. Às vezes é um elemento que tem a característica regional ali presente”.
Lorena conta que a ideia de iniciar o projeto surgiu quando ela trabalhava como produtora cultural e decidiu montar um bazar, ainda em 2015. A partir desse trabalho, ela começou a ter uma demanda de empreendedores que atuam com artesanato para que tivessem um espaço de divulgação dos seus produtos. “E aí, organicamente, a gente foi se transformando no que a gente é hoje. Eu senti que precisava focar mesmo no artesanato local e dar visibilidade para esse artesanato e nós começamos em um evento com 10 pessoas e fomos crescendo”, lembra. “Hoje, no nosso espaço colaborativo a gente reúne em torno de 40 empreendedores (nas duas lojas físicas) e a gente hoje não trabalha mais só com artesãos daqui de Belém, a gente também tem alguns de comunidades do entorno, como de Ourém, do Marajó”.
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Diante do trabalho de curadoria que realiza para que o Beirando possa acolher os trabalhos de diferentes empreendedores locais, Lorena considera que não faltam negócios criativos no Estado do Pará. “Tem muita gente fazendo coisa legal e eu fico muito feliz de a gente conseguir, hoje, mostrar o que tem de valoroso, a riqueza que a gente tem com esses trabalhos manuais. O que eu me sinto mais honrada é que as pessoas têm consumido isso, então, a gente consegue ver na quantidade de eventos e na quantidade de pessoas que, hoje, conseguem viver 100% do que fazem. Antigamente as pessoas faziam as peças artesanais mais para se distrair e hoje, não, elas vivem disso. É claro que não é fácil, mas cada vez mais as pessoas têm investido e têm vivido desse sonho”.
No caso da designer Yanne Alves, que mantém seus trabalhos nos espaços físicos do Beirando Loja, o sonho de empreender a partir da economia criativa vem rendendo bons frutos. Desde o período da faculdade, ela lembra que sempre gostou de pesquisar novos elementos para usar em seus trabalhos, ideia que se manteve quando ela decidiu empreender e criar a sua marca de joias de autor, o Arco de Memória. “Desde o período que eu fazia faculdade, eu estudava muito os materiais que tinham na natureza, que eu poderia pegar um osso ou uma semente e lapidar, como a jarina, que é uma semente muito utilizada nas joias e eu fui aperfeiçoando isso. Hoje em dia, o tema do ecodesign ou design sustentável está muito em alta e essa é uma das facetas do Arco de Memória, retratar joias artísticas com materiais sustentáveis”.
A partir desse olhar, Yanne percebeu que esses elementos acabam atraindo a atenção não só do público de fora, dos turistas, mas sobretudo dos consumidores locais, que possuem uma identificação com os elementos e as referências. “A gente tem um público de fora, mas o público fiel é o daqui porque o público local se identifica com o elemento. Você tem que colocar um elemento que a pessoa se identifique, enquanto paraense”, considera. “Essa peça eu me inspirei na lenda do tralhoto com a pescada. O tralhoto não tem esse ossinho chamado otólito, que fica dentro da cabeça de alguns peixes. Por ele não ter esse ossinho, ele não tem imersão no fundo dos rios e aí eu trouxe essa poética para a peça através desse elemento”.
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