
Nem todo encontro entre escritores é marcado apenas por trocas literárias ou elogios mútuos. Às vezes, eventos que deveriam celebrar a diversidade de vozes e histórias revelam o abismo que ainda existe entre discursos e vivências, especialmente quando o tema é literatura produzida nas margens da sociedade. Foi o que aconteceu no Festival Literário Internacional de Poços de Caldas (Flipoços), em Minas Gerais, que acabou ganhando destaque por um episódio classificado como "lamentável" e de "cunho racista".
A polêmica teve início durante um painel com a escritora Camila Panizzi Luz, sua mãe, Ivana Panizzi, e o autor Wesley Barbosa, integrante do Coletivo Neomarginais. Na conversa, que deveria servir de espaço para troca de experiências sobre a literatura produzida por autores periféricos, Camila questionou Wesley sobre como poderia se tornar uma "neomarginal". Após a resposta - "ser você mesma" -, ela comentou em tom descontraído: "Eu quero ser uma neomarginal, gente. Olha que tudo. Camila Luz neomarginal. Nunca fui presa, mas agora sou da sociedade, né?".
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A fala gerou desconforto imediato. Wesley Barbosa, que divulgava no evento sua obra "Viela Ensanguentada", afirmou ter se sentido ofendido. "Literatura marginal é um movimento literário. Ela falou que agora ela vai ser uma neomarginal, mas ela nunca foi presa. Então, ela não tem cultura, ela não sabe o que é esse movimento marginal. Eu me senti indignado, me senti atacado. Eu senti que eu sofri racismo ali porque isso daí foi me associar a um criminoso. Eu não sou criminoso, eu sou um escritor, eu sou um autor independente", declarou o autor.
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POSTURA INCEITÁVEL
Diante da repercussão negativa, a organização do Flipoços se posicionou com firmeza. Em nota oficial, informou que decidiu "romper vínculos com a autora" e cancelar todas as suas participações no evento, justificando a medida como resposta a uma "postura inaceitável" durante o painel.
Camila Panizzi Luz, por sua vez, reconheceu que "houve uma fala infeliz", mas alegou que sua intenção foi mal compreendida. "Lamentamos profundamente se alguém se sentiu ofendido", afirmou o comunicado, acrescentando que a autora tem plena consciência de "seus privilégios".
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APROPRIAÇÃO CULTURAL
O episódio reacende o debate sobre apropriação cultural, representatividade e os limites do discurso em ambientes literários que buscam, justamente, valorizar vozes historicamente marginalizadas. A exclusão de Camila Luz da programação do festival deixa claro que os espaços de escuta também exigem responsabilidade sobre o que é dito - especialmente quando a fala toca em feridas sociais ainda abertas.
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